segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

KAFKA - A METAMORFOSE 2

KAFKA - A METAMORFOSE


Aquela voz suave! Gregório teve um choque ao ouvir a sua própria voz responder-lhe, inequivocamente 
a sua voz, é certo, mas com um horrível e persistente guincho chilreante como fundo sonoro, que apenas 
conservava a forma distinta das palavras no primeiro momento, após o que subia de tom, ecoando em 
torno delas, até destruir-lhes o sentido, de tal modo que não podia ter-se a certeza de tê-las ouvido 
corretamente. Gregório queria dar uma resposta longa, explicando tudo, mas, em tais circunstâncias, 
limitou-se a dizer: 
— Sim, sim, obrigado, mãe, já vou levantar. 
A porta de madeira que os separava devia ter evitado que a sua mudança de voz fosse perceptível do lado 
de fora, pois a mãe contentou-se com esta afirmação, afastando-se rapidamente. Esta breve troca de 
palavras tinha feito os outros membros da família notarem que Gregório estava ainda em casa, ao 
contrário do que esperavam, e agora o pai batia a uma das portas laterais, suavemente, embora com o 
punho. 
— Gregório, Gregório — chamou —, o que você tem? 
E, passando pouco tempo depois, tornou a chamar, com voz mais firme: 
— Gregório! Gregório! 
Junto da outra porta lateral, a irmã chamava, em tom baixo e quase lamentoso: 

— Gregório? Não se sente bem? Precisa de alguma coisa? 
Respondeu a ambos ao mesmo tempo: 
— Estou quase pronto — e esforçou-se o máximo por que a voz soasse tão normal quanto possível, 
pronunciando as palavras muito claramente e deixando grandes pausas entre elas. Assim, o pai voltou ao 
breve almoço, mas a irmã segredou: 
— Gregório, abre esta porta, anda. 
Ele não tencionava abrir a porta e sentia-se grato ao prudente hábito que adquirira em viagem de fechar 
todas as portas à chave durante a noite, mesmo em casa. 
A sua intenção imediata era levantar-se silenciosamente sem ser incomodado, vestir-se e, sobretudo, 
tomar o breve almoço, e só depois estudar que mais havia a fazer, dado que na cama, bem o sabia, as 
suas meditações não levariam a qualquer conclusão sensata. Lembrava-se de muitas vezes ter sentido 
pequenas dores enquanto deitado, provavelmente causadas por posições incômodas, que se tinham 
revelado puramente imaginárias ao levantar-se, e ansiava fortemente por ver as ilusões desta manhã 
desfazerem-se gradualmente. Não tinha a mais pequena dúvida de que a alteração da sua voz outra coisa 
não era que o prenúncio de um forte resfriado, doença permanente dos caixeiros-viajantes. 
Libertar-se da colcha era tarefa bastante fácil: bastava-lhe inchar um pouco o corpo e deixá-la cair por si. 
Mas o movimento seguinte era complicado, especialmente devido à sua invulgar largura. Precisaria de 
braços e mãos para erguer-se; em seu lugar, tinha apenas as inúmeras perninhas, que não cessavam de 
agitar-se em todas as direções e que de modo nenhum conseguia controlar. Quando tentou dobrar uma 
delas, foi a primeira a esticar-se, e, ao conseguir finalmente que fizesse o que ele queria, todas as outras 
pernas abanavam selvaticamente, numa incômoda e intensa agitação. Mas de que serve ficar na cama 
assim sem fazer nada, perguntou Gregório a si próprio. 
Pensou que talvez conseguisse sair da cama deslocando em primeiro lugar a parte inferior do corpo, mas 
esta, que não tinha visto ainda e da qual não podia ter uma idéia nítida, revelou-se difícil de mover, tão 
lentamente se deslocava; quando, finalmente, quase enfurecido de contrariedade, reuniu todas as forças e 
deu um temerário impulso, tinha calculado mal a direção e embateu pesadamente na extremidade inferior 
da cama, revelando-lhe a dor aguda que sentiu ser provavelmente aquela, de momento, a parte mais 
sensível do corpo. 
Visto isso, tentou extrair primeiro a parte superior, deslizando cuidadosamente a cabeça para a borda da 
cama. Descobriu ser fácil e, apesar da sua largura e volume, o corpo acabou por acompanhar lentamente 
o movimento da cabeça. Ao conseguir, por fim, mover a cabeça até à borda da cama, sentiu-se 
demasiado assustado para prosseguir o avanço, dado que, no fim de contas caso se deixasse cair naquela 
posição, só um milagre o salvaria de magoar a cabeça. E, custasse o que custasse, não podia perder os 
sentidos nesta altura, precisamente nesta altura; era preferível ficar na cama. 
Quando, após repetir os mesmos esforços, ficou novamente deitado na posição primitiva, suspirando, e 
viu as pequenas pernas a entrechocarem-se mais violentamente que nunca, se possível, não divisando 
processo de introduzir qualquer ordem naquela arbitrária confusão, repetiu a si próprio que era 
impossível ficar na cama e que o mais sensato era arriscar tudo pela menor esperança de libertar-se dela. 
Ao mesmo tempo, não se esquecia de ir recordando a si mesmo que era muito melhor a reflexão fria, o 
mais fria possível, do que qualquer resolução desesperada. Nessas alturas, tentava focar a vista tão 

distintamente quanto podia na janela, mas, infelizmente, a perspectiva da neblina matinal, que ocultava 
mesmo o outro lado da rua estreita, pouco alívio e coragem lhe trazia. Sete horas, disse, de si para si, 
quando o despertador voltou a bater, sete horas, e um nevoeiro tão denso, por momentos, deixou-se ficar 
quieto, respirando suavemente, como se porventura esperasse que um repouso tão completo devolvesse 
todas as coisas à sua situação real e vulgar. 
A seguir, disse a si mesmo: Antes de baterem as sete e um quarto, tenho que estar fora desta cama. De 
qualquer maneira, a essa hora já terá vindo alguém do escritório perguntar por mim, visto que abre antes 
das sete horas. E pôs-se a balouçar todo o corpo ao mesmo tempo, num ritmo regular, no intuito de 
rebocá-lo para fora da cama. Caso se desequilibrasse naquela posição, podia proteger a cabeça de 
qualquer pancada erguendo-a num ângulo agudo ao cair. O dorso parecia ser duro e não era provável que 
se ressentisse de uma queda no tapete. A sua preocupação era o barulho da queda, que não poderia evitar, 
o qual, provavelmente, causaria ansiedade, ou mesmo terror, do outro lado e em todas as portas. Mesmo 
assim, devia correr o risco. 
Quando estava quase fora da cama — o novo processo era mais um jogo que um esforço, dado que 
apenas precisava de rebolar, balouçando-se para um lado e para outro —, veio-lhe à idéia como seria 
fácil se conseguisse ajuda. Duas pessoas fortes — pensou no pai e na criada — seriam largamente 
suficientes; não teriam mais que meter-lhe os braços por baixo do dorso convexo, levantá-lo para fora da 
cama, curvarem-se com o fardo e em seguida ter a paciência de o colocar direito no chão, onde era de 
esperar que as pernas encontrassem então a função própria. Bem, à parte o fato de todas as portas estarem 
fechadas à chave, deveria mesmo pedir auxílio? A despeito da sua infelicidade não podia deixar de sorrir 
ante a simples idéia de tentar. 
Tinha chegado tão longe que mal podia manter o equilíbrio quando se balouçava com força e em breve 
teria de encher-se de coragem para a decisão final, visto que daí a cinco minutos seriam sete e um 
quarto... quando soou a campainha da porta. É alguém do escritório, disse, com os seus botões, e ficou 
quase rígido, ao mesmo tempo que as pequenas pernas sé limitavam a agitar-se ainda mais depressa. Por 
instantes, tudo ficou silencioso. Não vão abrir a porta, disse Gregório, de si para si, agarrando-se a 
qualquer esperança irracional. A seguir, a criada foi à porta, como de costume, com o seu andar pesado e 
abriu-a. Gregório apenas precisou de ouvir o primeiro bom dia do visitante para imediatamente saber 
quem era: o chefe de escritório em pessoa. Que sina, estar condenado a trabalhar numa firma em que a 
menor omissão dava imediatamente asa à maior das suspeitas! Seria que todos os empregados em bloco 
não passavam de malandros, que não havia entre eles um único homem devotado e leal que, tendo uma 
manhã perdido uma hora de trabalho na firma ou coisa parecida, fosse tão atormentado pela consciência 
que perdesse a cabeça e ficasse realmente incapaz de levantar-se da cama? Não teria bastado mandar um 
aprendiz perguntar — se era realmente necessária qualquer pergunta —, teria que vir o próprio chefe de 
escritório, dando assim a conhecer a toda a família, uma família inocente, que esta circunstância suspeita 
não podia ser investigada por ninguém menos versado nos negócios que ele próprio? E, mais pela 
agitação provocada por tais reflexões do que por qualquer desejo, Gregório rebolou com toda a força 
para fora da cama. Houve um baque sonoro, mas não propriamente um estrondo. A queda foi, até certo 
ponto, amortecida pelo tapete; também o dorso era menos duro do que ele pensava, de modo que foi 
apenas um baque surdo, nem por isso muito alarmante. Simplesmente, não tinha erguido a cabeça com 
cuidado suficiente e batera com ela; virou-a e esfregou-a no tapete, de dor e irritação. 
— Alguma coisa caiu ali dentro — disse o chefe de escritório na sala contígua do lado esquerdo. 
Gregório tentou supor no seu íntimo que um dia poderia acontecer ao chefe de escritório qualquer coisa 

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