quarta-feira, 7 de março de 2012

LÊDO IVO: Cemitério dos navios


Cemitério dos navios

Aqui os navios se escondem para morrer.

Nos porões vazios, só ficaram os ratos
à espera da impossível ressurreição.

E do esplendor do mundo sequer restou
o zarcão nos beiços do tempo.

O vento raspa as letras
dos nomes que os meninos soletravam.

A noite canina lambe
as cordoalhas esfarinhadas

sob o vôo das gaivotas estridentes
que, no cio, se ajuntam no fundo da baía.

Clareando madeiras podres e águas estagnadas,
o dia, com o seu olho cego, devora o gancho

que marca no casco as cicatrizes
do portaló que era um degrau do universo.

E a tarde prenhe de estrelas
inclina-se sobre a cabine onde, antigamente,

um casal aturdido pelo amor mais carnal
erguia no silêncio negras paliçadas.

Ó navios perdidos, velhos surdos
que, dormitando, escutam os seus próprios apitos

varando a neblina, no porto onde os barcos
eram como um rebanho atravessando a treva!


- Lêdo Ivo
in Antologia da Poesia Brasileira Contemporânea, Imprensa Nacional

2 comentários:

Jefferson Bessa disse...

Que BELEZA de poema!
O primeiro verso revela a força do poema:
"Aqui os navios se escondem para morrer."
Excelente escolha, Rogel!
Abraços.

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

realmente, amigo, Ledo Ivo é muito bom...