quinta-feira, 1 de março de 2012

Neuza Machado - A rua das flores

No capítulo intitulado DEZESSETE: A RUA DAS FLORES, o bugre Paxiúba reaparece como homem “original” (ser primitivo), ao aproximar-se de Conchita Del Carmen, “uma mulher gorda, muito gorda e muito sexy”, “a dona da Rua das Flores”, “o mais belo jardim humano” da prostituição bem-educada da cidade de Manaus, uma Transvaal incrustada nos domínios do Mito Indígena e recriada pela arte ficcional rogeliana (de uma forma nunca vista em outros escritores da pós-modernidade).
Paxiúba se “afigurou”  como homem ─ primitivo ─ diante de Conchita Del Carmen. Transitando dentro dos limites poderosos de um complexo populacional urbano, calcogênico, repleto de emanações terrestres, Paxiúba perde a aura lendária, aquela aparência miticamente iluminada que o caracterizou, quando de sua atuação como ser extraordinário, o “emblema da Amazônia amontoada e brutal, sombria, desconhecida, nociva”.
“Meio envergonhado, como convinha tratar a uma senhora-dama, ele veio dizendo uns “bons dias...”. Aquele que, “meio envergonhado”, se aproxima dizendo uns “bons dias” à senhora-dama Conchita Del Carmen, não é o mesmo Paxiúba que “assustou” a lavadeira Zilda com a urgência de sua mítica necessidade sexual.
Nesta seqüência da narrativa rogeliana, Paxiúba perde a sua primazia heróica, pois penetrou no Olimpo telúrico da prostituição do recinto de Transvaal, e quem se coloca em evidência agora é o narrador da fase final do século XX, oferecendo aos leitores de seu romance a possibilidade de alcançarem o reverso da medalha da narrativa em prosa que caracteriza a escritura literária da era pós-moderna. A partir do capítulo oito, a sensibilidade criativa, já distinguida desde as primeiras linhas do romance, alcança um reanimado pódio ficcional. Nesta seqüência, já não há lugar para as ações engrandecidas de Paxiúba, ou mesmo dos outros personagens (brancos ou índios) situados nas fronteiras do Manixi. Em princípio, o ficcionista se mobilizou em função de uma vigorosa retomada dos valores histórico-sociais do Estado do Amazonas, espaço geográfico brasileiro de onde se originaram os créditos culturais que sedimentaram sua caminhada vivencial. O narrador rogeliano, no início da narrativa, retoma ficcionalmente o grandioso passado histórico do Amazonas (em sentido positivo e negativo), para reagir paradoxalmente contra as injustiças, sócio-políticas, que aos poucos propiciaram a decadência do lugar. O descendente de um povo mitificado, o amante (cultural, intelectual) das lendárias guerreiras amazonenses, o admirador inconteste da grandiosidade histórica do lugar, percebe que há mistérios a serem revelados. Esses mistérios, ao contrário das regras oficiais da narrativa ficcional, terão de ser engendrados ficcionalmente por sua sensibilidade ímpar, e esta sensibilidade de ficcionista incomum não se enquadra (não se encaixilhará jamais) em padrões pré-estabelecidos. Depois da grandiosa extensão territorial do Manixi, inédita e diferenciada, (com o seu “magnífico, supremo, inominável, majestoso”  Palácio), surgem “ratos” na cidade de Manaus. Os “ratos” se manifestam depois da decadência e “morte do Manixi” , ativados pelo terceiro cogito do escritor-testemunha do crepúsculo da era da borracha, surpreendido agora pela necessidade de contemplar para a posteridade, mesmo que seja por intermédio de fragmentos narrativos, as frestas dessa decadência (contrária às regras e aos bons costumes das puras e antigas sociedades mitificadas, reverenciadas pelas gerações posteriores).

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