Em toda a parte a terra é um bloco onde se exercita a molduragem dos
agentes externos entre os quais os grandes rios se erigem como
principais fatores, no lhe remodelarem os acidentes naturais,
suavizando-lhos. Compensando a degradação das vertentes com o
alteamento dos vales, correndo montanhas e edificando planuras, eles
vão em geral entrelaçando as ações destrutivas e reconstrutoras, de
modo que as paisagens, lento e lento transfiguradas, reflitam os
efeitos de uma estatuária portentosa.
Assim o Hoang-Ho aumentou a China com um delta, que é uma província
nova; e, ainda mais expressivo, o Mississipi assombra o naturalista,
com a expansão secular do aterro desmedido que em breve chegará às
bordas da profundura onde se encaixa o Gulf-Stream. Nas suas águas
barrentas andam os continentes dissolvidos. Mudam-se países.
Deconstituem-se territórios. E há um encadeamento tão lógico nos
seus esforços contínuos, onde incidem as grandes energias naturais,
que o acompanhá-los implica algumas vezes o acompanhar-se o próprio
rumo de um aspecto qualquer da atividade humana: das páginas de
Herôdoto às de Maspéro, contempla-se a gênese de uma civilização de
par com a de um delta; e o paralelismo é tão exato, que se
justificam os exageros dos que, a exemplo de Metchnikoff, vêem nos
grandes rios a causa preeminente do desenvolvimento das nações.
Ao passo que no Amazonas, o contrário. O que nele se destaca é a
função destruidora, exclusiva. A enorme caudal está destruindo a
terra. O Professor Hartt, impressionado ante as suas águas sempre
barrentas, calculou que “se sobre uma linha férrea corresse dia e
noite, sem parar, um trem contínuo carregado de tijuco e areias,
esta enorme quantidade de materiais seria ainda menor do que a de
fato é transportada pelas águas...”
Mas toda esta massa de terras diluídas não se regenera. O maior dos
rios não tem delta. A Ilha de Marajó, constituída por uma flora
seletiva, de vegetais afeitos ao meio maremático e ao inconsistente
da vasa, é uma miragem de território. Se a despissem, ficariam só as
superfícies rasadas dos “mondongos” empantanados, apagando-se no
nivelamento das águas; ou, salteadamente, algumas pontas de
fragueados de arenito endurecido, esparsas, a esmo, na amplidão de
uma baía. À luz das deduções rigorosas de Walter Bates, comprovando
as conjeturas anteriores de Martius, o que ali está sob o disfarce
das matas, é uma ruína: restos desmantelados do continente, que
outrora se estirava, unido, das costas de Belém às de Macapá - e que
se tem de restaurar, hipotèticamente, em passado longínquo, para
explicar-se a identidade das faunas terrestres, hoje separadas pelo
rio, do Norte do Brasil e das Guianas.
agentes externos entre os quais os grandes rios se erigem como
principais fatores, no lhe remodelarem os acidentes naturais,
suavizando-lhos. Compensando a degradação das vertentes com o
alteamento dos vales, correndo montanhas e edificando planuras, eles
vão em geral entrelaçando as ações destrutivas e reconstrutoras, de
modo que as paisagens, lento e lento transfiguradas, reflitam os
efeitos de uma estatuária portentosa.
Assim o Hoang-Ho aumentou a China com um delta, que é uma província
nova; e, ainda mais expressivo, o Mississipi assombra o naturalista,
com a expansão secular do aterro desmedido que em breve chegará às
bordas da profundura onde se encaixa o Gulf-Stream. Nas suas águas
barrentas andam os continentes dissolvidos. Mudam-se países.
Deconstituem-se territórios. E há um encadeamento tão lógico nos
seus esforços contínuos, onde incidem as grandes energias naturais,
que o acompanhá-los implica algumas vezes o acompanhar-se o próprio
rumo de um aspecto qualquer da atividade humana: das páginas de
Herôdoto às de Maspéro, contempla-se a gênese de uma civilização de
par com a de um delta; e o paralelismo é tão exato, que se
justificam os exageros dos que, a exemplo de Metchnikoff, vêem nos
grandes rios a causa preeminente do desenvolvimento das nações.
Ao passo que no Amazonas, o contrário. O que nele se destaca é a
função destruidora, exclusiva. A enorme caudal está destruindo a
terra. O Professor Hartt, impressionado ante as suas águas sempre
barrentas, calculou que “se sobre uma linha férrea corresse dia e
noite, sem parar, um trem contínuo carregado de tijuco e areias,
esta enorme quantidade de materiais seria ainda menor do que a de
fato é transportada pelas águas...”
Mas toda esta massa de terras diluídas não se regenera. O maior dos
rios não tem delta. A Ilha de Marajó, constituída por uma flora
seletiva, de vegetais afeitos ao meio maremático e ao inconsistente
da vasa, é uma miragem de território. Se a despissem, ficariam só as
superfícies rasadas dos “mondongos” empantanados, apagando-se no
nivelamento das águas; ou, salteadamente, algumas pontas de
fragueados de arenito endurecido, esparsas, a esmo, na amplidão de
uma baía. À luz das deduções rigorosas de Walter Bates, comprovando
as conjeturas anteriores de Martius, o que ali está sob o disfarce
das matas, é uma ruína: restos desmantelados do continente, que
outrora se estirava, unido, das costas de Belém às de Macapá - e que
se tem de restaurar, hipotèticamente, em passado longínquo, para
explicar-se a identidade das faunas terrestres, hoje separadas pelo
rio, do Norte do Brasil e das Guianas.
À MARGEM DA HISTÓRIA
Nenhum comentário:
Postar um comentário