A TEMÁTICA HISTÓRICA DO CICLO DA BORRACHA
Lucilene Gomes Lima
FICÇÒES DO CICLO DA BORRACHA NO AMAZONAS
Estudo comparativo dos romances A selva, Beiradão e O amante das amazonas
A TEMÁTICA HISTÓRICA DO CICLO DA BORRACHA
Origem e exploração da hévea
O
“ciclo da borracha” é um evento na história econômica da Amazônia que
enseja farta matéria de estudo. Da atividade extrativa da borracha
decorrem também outros fatos históricos como a conquista do Acre[1] e a construção da ferrovia Madeira-Mamoré[2].
Em virtude desses fatos, as fronteiras amazônicas foram alargadas,
surgindo novos estados: Acre e Rondônia. A seca nas zonas agrestes do
sertão do Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e outros
estados nordestinos também está estreitamente ligada ao ciclo[3] à medida que os milhares de nordestinos[4] banidos por esse flagelo formaram o grande contingente de trabalhadores nos seringais do Pará, Amazonas e Acre.
A
espécie que possibilitou a exploração extrativa e o decorrente fastígio
econômico na Amazônia já era conhecida pelos povos americanos com os
quais os colonizadores europeus tiveram contato. Reis[5]
informa que Cristóvão Colombo, na segunda viagem que fez à América, viu
a goma sendo utilizada pelos índios do Haiti. Por outro lado, de acordo
com Rodrigues, a goma já era conhecida por antigos povos do México – os
Mayás e os Nauhás. Além do emprego para necessidade própria, eles
estabeleciam o comércio da goma elástica com outros povos, chegando a
promover exportação em grande quantidade. Segundo o autor:
[...]
As cidades do Golpho do Mexico, pagavam aos Astecas, annualmente, entre
outros, um tributo de 16.000 cargas de gomma elastica, segundo os
melhores historiadores. Entre outros empregos, que lhes davam, figuravam
as bolas para o seu jogo da péla, que se estendeu, entre algumas das
nossas tribus indigenas, até ao sul do Brazil[6].
Ainda segundo Rodrigues[7],
entre os povos que se espalharam pela América do Sul, uma das
subdivisões da tribo dos Nauhás que desceu para o rio Amazonas difundiu o
uso da goma elástica. Essa subdivisão tornou-se conhecida como a tribo
dos Omáguas. A forma como os Omáguas extraíam e preparavam a goma
elástica era desconhecida até o século XVI. Quando as missões
portuguesas, em fins do século XVII, começaram a ter contato com as
tribos amazônicas, obtiveram com essas tribos os produtos que foram
enviados para a Europa. Entre esses produtos estavam os objetos feitos
de goma.
As denominações seringueira e borracha
surgiram por um acaso lingüístico. A primeira deveu-se a uma relação
metonímica, uma vez que a seringa sempre aparecia entre os utensílios
fabricados com o látex, levando os portugueses a denominarem a árvore
que produzia esse leite de seringueira.
Quanto à segunda denominação, surgiu da associação que os portugueses
fizeram em relação aos vasos feitos de goma elástica pelos índios, os
quais lhes pareceram semelhantes aos objetos de couro que utilizavam e
denominavam de borracha. Por extensão de significado, borracha passou a denominar a substância de que eram feitos os objetos de látex pelos índios.
Os
índios trocavam, com os missionários portugueses, bolas, seringas ou
borrachas por bugigangas. Os missionários haviam descoberto que a goma
era útil para proteger seus pés da umidade excessiva e cobriam os
sapatos com ela. Posteriormente, passaram a confeccionar os próprios
sapatos da goma. Já em 1755, os calçados de borracha eram utilizados no
Pará e em Lisboa. Aproveitou-se também a capacidade impermeável da
borracha para confeccionar mochilas para os soldados portugueses. Após
Charles Marie de La Condamine enviar para a França a primeira amostra da
goma elástica, em 1735, iniciou-se o emprego industrial da goma na
Europa. As exportações de sapatos e seringas pelo Pará datam de 1850.
Além de objetos manufaturados, exportava-se também a borracha bruta.
Para
que a goma pudesse oferecer o máximo de rentabilidade à indústria, foi
necessário descobrir uma forma de torná-la resistente ao calor e ao frio
e manter sua elasticidade inalterada. Através do processo de
vulcanização, desenvolvido simultaneamente pelo inglês Thomas Hancook e
pelo americano Charles Goodyear em 1844[8],
isso se tornou possível. A partir daí, a borracha deixa de representar
um pequeno comércio de manufatura, existente desde os tempos da colônia,
e passa a ser uma matéria-prima requisitada pelo comércio mundial:
A procura intensiva que os mercados consumidores da Europa e da América passaram
a fazer da borracha silvestre, ante a utilização cada vez maior por que
ela se apresentava aos industriais, animando as solicitações pela alta
dos preços que pagavam , deu um alento fora do comum à atividade
coletora. Onde existia árvore produtora de látex, registrou-se a
aventura. Nas Américas e na África. Ora, de todas as áreas onde se
operava a exploração da floresta com aquele objetivo, a Amazônia era a
que oferecia mais seguras e amplas possibilidades pela quantidade de
seringueiras que parecia fabulosa pela riqueza que as árvores
apresentavam em látex. A busca às seringueiras pareceu, em conseqüência, sem fim e negócio de possibilidades ilimitadas [...][9].
[1]
Leandro Tocantins é enfático sobre a criação do estado do Acre e sua
relação com o ciclo da borracha: “[...] Acre e borracha confundem-se no
mesmo processo histórico. Sem borracha o Acre não seria brasileiro, a
menos que surgisse outro produto-rei capaz de emprestar à terra a mesma
fascinação econômica [...]” (Formação histórica do Acre, v.1, p. 31).
[2] O
tratado de Petrópolis, de 1903, assinado pelo Brasil e a Bolívia,
estabelecia o direito brasileiro sobre os 190.000km2 que compreendiam o
Estado do Acre e também continha uma cláusula prevendo a construção da
ferrovia Madeira-Mamoré. A ferrovia seguiria às margens do rio Madeira e
possibilitaria uma ligação com a região onde foi fundada a povoação de
Porto Velho, solucionando o problema de transpor o trecho por via
marítima, uma vez que uma seqüência de vinte cachoeiras impossibilitava a
navegabilidade desse trecho. Através da ferrovia, a Bolívia pretendia
atingir um trecho navegável, alcançando o Oceano Atlântico. A construção
da ferrovia seria um negócio rentável para o americano Percival
Farquhar que conseguiu do governo brasileiro a concessão da estrada por
sessenta anos e a autorização para explorar os seringais localizados
próximos ao eixo da ferrovia. (Cf. Violeta R. LOUREIRO, Estudos e problemas amazônicos, p. 33-4).
[3] A ficção do ciclo das secas estabelece relações com a ficção do “ciclo da borracha”. Num trecho do romance O quinze,
de Rachel de Queiroz, a personagem Chico Bento revela o anseio de uma
vida melhor que caracterizou a vinda de muitos nordestinos para a
Amazônia: “A voz lenta e cansada vibrava, erguia-se, parecia outra,
abarcando projetos e ambições. E a imaginação esperançosa aplanava as
estradas difíceis, esquecia saudades, fome e angústias, penetrava na
sombra verde do Amazonas, vencia a natureza bruta, dominava as feras e
as visagens, fazia dele rico e vencedor” (s.d., p. 30).
[4] Samuel Benchimol informa que a Amazônia recebeu, no período de 1877 a 1920, 300.000 imigrantes nordestinos (Amazônia:
formação social e cultural, 1999, p. 136). Antônio Loureiro,
entretanto, observa que esse número poderá ser ultrapassado através de
novos estudos (Antônio J. S. LOUREIRO, Amazônia: 10.000 anos, p. 167).
[6] João B. RODRIGUES, As heveas ou seringueiras: informações, p. 7-8.
[7] Ibid., p. 7-8.
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