NEUZA
MACHADO
ESPLENDOR E DECADÊNCIA DO IMPÉRIO
AMAZÔNICO
O OLHAR
INTERATIVO DO NARRADOR DA PÓS-MODERNIDADE
Entretanto, os verdadeiros ficcionistas
pós-modernos/pós-modernistas, como o escritor Rogel Samuel, conseguiram e vão
conseguindo (o ciclo ainda não se fechou) descartar em seus escritos a agora
temporalmente distanciada psicologia interiorizada dos passados modernistas. O
meio social, de uns anos para cá, passou a exigir-lhes uma nova deliberação
ficcional. Se o mundo tornou-se uma aldeia global desvairada, o ficcionista
também terá de registrar e sentir (ver e sentir) criativamente esse mundo
aloucado que o cerca. Então, eis as mudanças: as reciclagens intelectuais em
forma de prosa ficcional, as assumidas paródias, inteligentemente recriadas, a
intertextualização proveniente de diversas matérias genéricas, o ato de tecer e
destecer o próprio texto, o tom amigável com o leitor, confidenciando-lhe a sua
aparente inabilidade discursiva, a sua falta de pretensão ao estrelato
intelectual, tudo isto poderá ser denotado (ou se quiserem, conotado) como
autêntica ruptura com os preceitos formais do passado modernismo. Os anteriores
(os conceituados modernistas, desde Mário de Andrade com o seu Macunaíma)
foram os ficcionistas que se colocaram em uma posição de destaque, olhando o
mundo exterior estilhaçado (os últimos estilhaços da Era Moderna), de cima, e
comparando-o com seus próprios mundos interiorizados, também estilhaçados pelas
exigências sociais, pela perda de suas identidades primitivas e a angustiosa
necessidade de resgatá-las. Cada narrador daquele momento (até meados dos anos
sessenta) como porta-voz do ficcionista moderno, ou melhor, do ficcionista já
em vias de sepultar as exigências das chamadas estéticas modernas. Cada
narrador como intermediário de dois mundos, o real e o ficcional, guiado pelo
olhar mitificado e a mão poderosa de seu criador, “aquele deus que garantia
tudo”, como foi criativamente assinalado nas páginas de A Hora e Vez de
Augusto Matraga, pelo ficcionista mineiro Guimarães Rosa.
Entretanto, o mundo agora é outro. O narrador
também é outro. Em verdade, agora, o ficcionista pós-moderno/pós-modernista não
poderá valer-se apenas de um único narrador. Ao longo das narrativas da segunda
metade do século XX até ao momento (das narrativas-obras autênticas), diversas
vozes narradores interagiram/interagem com o criador ficcional. São esses
narradores, múltiplos, diferentes entre si, que se colocam como arautos do
ficcionista desta fase intermediária entre o final do século XX (anos oitenta
em diante) e o início do século XXI. Rogel Samuel também formalizou (criou)
mais de um narrador: não há apenas um, há outros além do Ribamar de Sousa, e
pelo menos mais um poderá ser distinguido pelo leitor “incomodado” (o
Ribamar-personagem-narrador de duas realidades singulares, externas e
conceituais, complexas ─ sócio-ficcional e mítico-ficcional ─, e o
Rogel-poeta-ficcionista-narrador de sua própria dinâmica interioridade).
O mundo agora está tão globalizado e complexo que o
escritor-narrador pós-moderno/pós-modernista de Segunda Geração se viu/se vê na
contingência de renascer à moda tradicional (o ato de contar uma história atual
como se fosse um fato de um passado distante), e, ao mesmo tempo, se
multiplicar e dilatar-se ficcionalmente e liricamente (matéria lírica
interagindo com a ficcional), a partir de uma forma literária ainda não muito
divulgada que lhe apresente os meios de recontar a sua própria realidade
(transfigurada) aos leitores do futuro (o que ele viu e sentiu neste momento
caótico de transição para o Terceiro Milênio, as suas angústias secretas,
impossíveis de serem traduzidas em pergaminho comum, impossibilitadas de serem
manifestadas pela voz de um único narrador). São estes os narradores
pós-modernos de O Amante das Amazonas: o Ribamar de Sousa, narrador
multifacetado (somatório de vozes massificadas que se intercalam para que
possam reconhecer a perda nostálgica de um incrível mundo, anteriormente
imaculado, um mundo para sempre perdido, graças aos desmandos de uma cultura
pseudo-elitista, alienante e massacrante), e o próprio escritor-narrador
(também poeta lírico) de forma ficcional epo-lírica, conhecedor de uma
realidade fantástica, grandiosa, vigorando para além da simples reprodução da
verdadeira e fabulosa Floresta Amazônica. O(s) narrador(es) rogeliano(s)
ultrapassando criativamente suas inúmeras leituras
teórico-filosóficas-literárias (foram dez anos de pesquisa e reformulações de
texto, diz o autor à sua entrevistadora), resgatando o lirismo-epo-ficcional de
um lugar ímpar, repleno de “metáforas poéticas”, como ele mesmo assinala,
porque somente um ficcionista-poeta, e pós-moderno, poderia criar narradores
diferenciados (neo-facies de poetas e narradores: antigos, medievais, modernos
e pós). Ou mesmo um único narrador fragmentado que pudesse imobilizar o fluxo
narrativo ficcional (em prosa), para observar a poesia (matéria poético-lírica) pairando sobre as águas dos caudalosos rios amazonenses.
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