Tiago Queiroz/Estadão
A artista plástica, poetisa e escultora Jandyra Waters
Discreta e avessa à publicidade, o oposto do que se vê hoje no mercado de arte, Jandyra Waters está presente nas coleções dos principais museus (MAM e MAC, entre eles), mas é pouco lembrada pela nova geração de curadores, a despeito de sua importância para a evolução do construtivismo no Brasil – ela foi uma das pioneiras abstracionistas ao voltar ao País, casada com um oficial do Exército inglês, exatamente no ano da realização da 1ª Bienal de São Paulo, 1951. A história da pintora paulista Jandyra Waters, nascida há 92 anos em Sertãozinho, interior de São Paulo, está ligada a uma notícia que leu no Estado no fim da 2ª Guerra. Em 1945, a United Nations Relief Rehabillitation Administration (Unrra), organização internacional que dava assistência e repatriava cidadãos deslocados pelo conflito, precisava de voluntários. Ela abriu mão de um posto na embaixada americana do Rio de Janeiro para seguir seu destino. Viajou para Londres, depois para a Holanda e, finalmente, em direção à Áustria, onde conheceu o futuro marido, o major britânico Eri Dale Waters, de quem herdou o sobrenome. E foi na Inglaterra, terra de Constable e Turner, que começou a pintar depois da guerra.
Jandyra retira da prateleira uma natureza-morta de 1948, sua primeira pintura, feita em Lewes, Sussex, onde estudou pintura na escola local. Persistente, ela passou a se dedicar em tempo integral à arte, mas ficou grávida de Martin, seu único filho, e a tinta a óleo começou a afetar sua saúde. Obrigada a parar, ela só retomaria a pintura ao voltar ao Brasil, em 1951, data que marca historicamente a entrada do abstracionismo no país. Na época, não sentia particular atração pela arte abstrata. Frequentando o ateliê de Yoshiya Takaoka (1909-1978), que foi também professor de Amélia Toledo, Jandyra pintava paisagens e estudava história da arte com Walter Zanini, além de aprender pintura mural com Clóvis Graciano e gravura com Marcelo Grassmann.
A passagem da figuração para o abstracionismo informal não foi traumática. No entanto, exigiu esforço da pintora, que nunca andou em turma nem se filiou a escolas – nem mesmo aos concretos, como fez Volpi. O construtivismo geométrico surgiu em sua vida nos anos 1960, década que marcou sua passagem pela Bienal de São Paulo – na nona edição, de 1967, também lembrada pela presença maciça dos artistas pop americanos, entre eles Andy Warhol, Lichtenstein, Rauschenberg e Jasper Johns. Foi exatamente nesse ano que o crítico José Geraldo Vieira celebrou sua escolha para a Bienal, classificando a pintora como a antípoda desses artistas pop, uma pura “representante do neomondrianismo”.
Jandyra não se importa com rótulos, mas estar ligada a Mondrian, maior nome do neoplasticismo, não deixa de ser uma responsabilidade. Curiosamente, também o sentimento metafísico e religioso do pintor holandês pode ser detectado em sua pintura – a síntese de um abstracionismo eventualmente ligado à geometria sagrada. O fato é que a artista batizou uma série, na década de 1970, de Templos (há dois trabalhos dessa época no acervo do MAM e MAC, reproduzidos no calendário). Também por essa filiação, sua pintura é comparada à obra de Rubem Valentim, embora a artista rejeite ser a sua uma proposta “religiosa”. Isso não impediu que a geometrização de suas estruturas fosse vista assim. Afinal, ela recorre ao uso de diagonais, à simetria e a números como o 3, 4 e 7, representados por figuras como o quadrado e o triângulo.
Dois críticos, no mínimo, reforçam a ideia de que a contribuição de Jandyra Waters ao construtivismo não foi apenas estética, mas religiosa: o físico Mário Schenberg (1914- 1990) e o psicanalista Theon Spanudis (1915- 1986). Schenberg escreveu, em 1971, que o conteúdo de suas formas “é de tendência esotérica e iniciática”. Spanudis, dez anos depois, voltaria a falar de seu “vocabulário esotérico”, classificando sua pintura de “simples e clara como só um gênio poderia fazer”. Foi o poeta e crítico turco que também comparou Jandyra ao cubofuturista (e depois concreto) Magnelli.
“Pode ser, mas nunca senti sua influência, nem de outros, apesar de gostar muito de Matisse”, observa a pintora, que esperou amadurecer para fazer sua primeira exposição individual, em 1963, aos 42 anos, na Galeria Aremar, em Campinas. O calendário que a homenageia traz uma pintura do período, que marca a transição do informalismo para uma construção rígida (de 1965 em diante), marcada pela aplicação da tinta quase diluída, que reforça o caráter incorpóreo da cor. Naquela época, 1964, pintores como britânico John Hoyland começavam a usar tinta acrílica, que Jandyra só adotaria nos anos 1970.
“Não foi por moda, mas porque, nos anos 1970, eu passei para a pintura geométrica e tive um problema de saúde por causa da tinta a óleo.” A textura da superfície mudou com a tinta acrílica e com ela veio à tona uma necessidade de experimentar que a artista levou também para a poesia (ela tem livros publicados pela José Olympio). “Certa vez, estava em Ilha Bela, chovia muito e, sem dispor de material para pintura, resolvi recortar e pintar chapas de isopor, fazendo meus primeiros trabalhos tridimensionais, talvez pensando na arquitetura de Brasília.” A primeira dessas obras, da série Templos, foi comprada por Theon Spanudis e doada por ele ao MAC, antes de morrer.
“Por causa das cores vivas, minha pintura já foi até chamada de psicodélica, mas o fato é que sempre trabalhei com croquis, dentro de um rigoroso construtivismo que, posso assegurar, é totalmente intuitivo.”
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