quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Jandyra Waters, 92 anos

Todos os volpistas, ou seja, os colecionadores das pinturas de Volpi, têm em suas coleções pelo menos uma tela da pintora paulista Jandyra Waters, que comemora meio século de sua primeira exposição individual com um calendário de 2014 patrocinado por um deles, Ladi Biezus, proprietário de um respeitado acervo de construtivistas brasileiros, entre eles Volpi e Jandyra, claro. Ela é um caso de inteligência visual intuitiva muito parecido com o de Volpi – aliás, reconhecida por críticos como Theon Spanudis, Mario Schenberg, José Geraldo Vieira e Geraldo Ferraz. Aos 92 anos, Jandyra continua pintando sem parar. Já comparada ao italiano Alberto Magnelli (1881-1971), mestre da arte concreta que ganhou o segundo prêmio na primeira edição da Bienal de São Paulo, Jandyra é um mito para os iniciados, uma pintora, digamos, “cult”, que merece uma retrospectiva urgente num grande museu.
A artista plástica, poetisa e escultora Jandyra Waters - Tiago Queiroz/Estadão
Tiago Queiroz/Estadão
A artista plástica, poetisa e escultora Jandyra Waters

Discreta e avessa à publicidade, o oposto do que se vê hoje no mercado de arte, Jandyra Waters está presente nas coleções dos principais museus (MAM e MAC, entre eles), mas é pouco lembrada pela nova geração de curadores, a despeito de sua importância para a evolução do construtivismo no Brasil – ela foi uma das pioneiras abstracionistas ao voltar ao País, casada com um oficial do Exército inglês, exatamente no ano da realização da 1ª Bienal de São Paulo, 1951. A história da pintora paulista Jandyra Waters, nascida há 92 anos em Sertãozinho, interior de São Paulo, está ligada a uma notícia que leu no Estado no fim da 2ª Guerra. Em 1945, a United Nations Relief Rehabillitation Administration (Unrra), organização internacional que dava assistência e repatriava cidadãos deslocados pelo conflito, precisava de voluntários. Ela abriu mão de um posto na embaixada americana do Rio de Janeiro para seguir seu destino. Viajou para Londres, depois para a Holanda e, finalmente, em direção à Áustria, onde conheceu o futuro marido, o major britânico Eri Dale Waters, de quem herdou o sobrenome. E foi na Inglaterra, terra de Constable e Turner, que começou a pintar depois da guerra.

Jandyra retira da prateleira uma natureza-morta de 1948, sua primeira pintura, feita em Lewes, Sussex, onde estudou pintura na escola local. Persistente, ela passou a se dedicar em tempo integral à arte, mas ficou grávida de Martin, seu único filho, e a tinta a óleo começou a afetar sua saúde. Obrigada a parar, ela só retomaria a pintura ao voltar ao Brasil, em 1951, data que marca historicamente a entrada do abstracionismo no país. Na época, não sentia particular atração pela arte abstrata. Frequentando o ateliê de Yoshiya Takaoka (1909-1978), que foi também professor de Amélia Toledo, Jandyra pintava paisagens e estudava história da arte com Walter Zanini, além de aprender pintura mural com Clóvis Graciano e gravura com Marcelo Grassmann.

A passagem da figuração para o abstracionismo informal não foi traumática. No entanto, exigiu esforço da pintora, que nunca andou em turma nem se filiou a escolas – nem mesmo aos concretos, como fez Volpi. O construtivismo geométrico surgiu em sua vida nos anos 1960, década que marcou sua passagem pela Bienal de São Paulo – na nona edição, de 1967, também lembrada pela presença maciça dos artistas pop americanos, entre eles Andy Warhol, Lichtenstein, Rauschenberg e Jasper Johns. Foi exatamente nesse ano que o crítico José Geraldo Vieira celebrou sua escolha para a Bienal, classificando a pintora como a antípoda desses artistas pop, uma pura “representante do neomondrianismo”.

Jandyra não se importa com rótulos, mas estar ligada a Mondrian, maior nome do neoplasticismo, não deixa de ser uma responsabilidade. Curiosamente, também o sentimento metafísico e religioso do pintor holandês pode ser detectado em sua pintura – a síntese de um abstracionismo eventualmente ligado à geometria sagrada. O fato é que a artista batizou uma série, na década de 1970, de Templos (há dois trabalhos dessa época no acervo do MAM e MAC, reproduzidos no calendário). Também por essa filiação, sua pintura é comparada à obra de Rubem Valentim, embora a artista rejeite ser a sua uma proposta “religiosa”. Isso não impediu que a geometrização de suas estruturas fosse vista assim. Afinal, ela recorre ao uso de diagonais, à simetria e a números como o 3, 4 e 7, representados por figuras como o quadrado e o triângulo.

Dois críticos, no mínimo, reforçam a ideia de que a contribuição de Jandyra Waters ao construtivismo não foi apenas estética, mas religiosa: o físico Mário Schenberg (1914- 1990) e o psicanalista Theon Spanudis (1915- 1986). Schenberg escreveu, em 1971, que o conteúdo de suas formas “é de tendência esotérica e iniciática”. Spanudis, dez anos depois, voltaria a falar de seu “vocabulário esotérico”, classificando sua pintura de “simples e clara como só um gênio poderia fazer”. Foi o poeta e crítico turco que também comparou Jandyra ao cubofuturista (e depois concreto) Magnelli.

“Pode ser, mas nunca senti sua influência, nem de outros, apesar de gostar muito de Matisse”, observa a pintora, que esperou amadurecer para fazer sua primeira exposição individual, em 1963, aos 42 anos, na Galeria Aremar, em Campinas. O calendário que a homenageia traz uma pintura do período, que marca a transição do informalismo para uma construção rígida (de 1965 em diante), marcada pela aplicação da tinta quase diluída, que reforça o caráter incorpóreo da cor. Naquela época, 1964, pintores como britânico John Hoyland começavam a usar tinta acrílica, que Jandyra só adotaria nos anos 1970.

“Não foi por moda, mas porque, nos anos 1970, eu passei para a pintura geométrica e tive um problema de saúde por causa da tinta a óleo.” A textura da superfície mudou com a tinta acrílica e com ela veio à tona uma necessidade de experimentar que a artista levou também para a poesia (ela tem livros publicados pela José Olympio). “Certa vez, estava em Ilha Bela, chovia muito e, sem dispor de material para pintura, resolvi recortar e pintar chapas de isopor, fazendo meus primeiros trabalhos tridimensionais, talvez pensando na arquitetura de Brasília.” A primeira dessas obras, da série Templos, foi comprada por Theon Spanudis e doada por ele ao MAC, antes de morrer.

“Por causa das cores vivas, minha pintura já foi até chamada de psicodélica, mas o fato é que sempre trabalhei com croquis, dentro de um rigoroso construtivismo que, posso assegurar, é totalmente intuitivo.”

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