domingo, 22 de dezembro de 2013

AVISO

[foto rogel samuel - sydney opera house]



 aviso


l. ruas


quando vires o pássaro ferido
vagando antes que surja a madrugada
não o tanjas nem o chames
deixa-o voar. não te apiades
deixa o pássaro voar.
ele comeu a estrela
e conserva no desenho do seu vôo
as dimensões incontidas
dos humildes gestos perdidos para sempre.
não chames o pássaro ferido.
não te ouvirá pois não sabes os seus nomes.
e ninguém há de estancar o vôo
que jorra eternamente
de suas vísceras fecundadas
pela essência intocada da estrela
sua prisioneira e amor.
uma estrela de fogo e de basalto.
de basalto e fogo, não esqueças.
e o pássaro mais ferido pela luz
do que pelas cinco pontas da estrela
sempre voará.
deixa o pássaro voar. quando ouvires
o tatalar – apenas ritmo – cansado
mas não vencido
de suas penas molhadas de arrebol
deixa o pássaro voar. não tentes


prendê-lo. a ilusão é mais mortífera
do que a desesperança.
o pássaro é essencialmente livre
muito embora suas penas estejam prenhes
de luz e sangue misturados.
se vires por acaso o pássaro voando
não o chames para o teu silêncio
pois o pássaro é muito bom – é bom demais –
para que tu sombra e demência
o possas possuir.
nem te deixes seduzir pelo seu canto
que o canto das sereias de ulisses
diante do cantar do pássaro ferido
é apenas ritmo – apenas esboçado.
mas não odeies o pássaro
ama-o de longe. pois é forte
apenas um amor de morte.
puccini ouviu o pássaro cantar.
e eu também eu palhaço o ouvi.
ouvi sua lenda e seu martírio
a tortura da estrela e saí
no ontem no hoje e no amanhã
a procurá-lo.
fruto do bem e do mal.

"Aparição do clown"

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