quarta-feira, 9 de março de 2011

Benedito Nunes


Benedito Nunes.

Renan Freitas Pinto.

Benedito Nunes deixa o nosso convívio, priva-nos de sua iluminada presença e coloca-nos também diante de seu legado representado principalmente pelos questionamentos encerrados em sua obra, que por sua vez prosseguirá ativa e desafiadora, como tem sido o destino daquelas obras que corporificam e sintetizam o pensamento de seu tempo, sendo também, quase sempre, contra o seu tempo.Nesse sentido, a obra de Benedito Nunes nos propõe indagações de diversos tipos.

A primeira delas refere-se aos sentidos e lições que sua própria obra e vida encerram, alimentadas ambas por um compromisso com a busca incansável de possíveis respostas para o papel do trabalho de pensar e criar, ou seja, das relações entre a filosofia e arte, entre o pensamento e a linguagem, história e verdade.
Entre as suas mais reconhecidas e permanentes tarefas está a de haver contribuído para a presença de um diálogo entre o pensamento brasileiro e os autores responsáveis pelos questionamentos fundamentais da modernidade e da contemporaneidade, portanto, tornando-se responsável pela recepção no Brasil, do pensamento de autores, entre os quais não devemos esquecer, principalmente Heidegger, mas também Freud, Sartre, Merleau-Ponty, Husserl, Gadamer, Adorno, Benjamin, Marcuse, Ricoeur, Foucault e Habermas, para mencionar os mais emblemáticos e presentes nesse diálogo.
Desde a década de 60 Benedito Nunes vem marcando firmemente sua presença como um dos mais criativos ensaístas, com a edição de obras como “A Filosofia Contemporânea” (1967) e “O mundo de Clarice Lispector”- (1966).Nestas obras, em que se projeta como competente intérprete e historiador da filosofia e crítico de literatura – e crítico de arte em sentido mais amplo - já ficam bem claros seus objetivos de tornar evidentes os vínculos profundos da arte com os sistemas de pensamento e, na verdade, a própria arte percebida – aqui tudo isso muito claro no caso de Clarice Lispector- como exercício de pensamento e visão filosófica do mundo e da existência.

O mundo de Clarice Lispector

Como ele próprio esclarece na introdução de “O mundo de Clarice Lispector”, ao indagar:
“Que foi que Clarice Lispector pretendeu dizer em “A Paixão segundo G. H.? Essa pergunta, que ficou flutuando no respeitoso silêncio da crítica, está expressa na acusação de obscuridade que se fez à obra. No presente estudo procuramos tão somente focalizar certos temas e situações, constantes em Clarice Lispector, e que podem ser melhor compreendidos à luz de categorias comuns à filosofia da existência. Trata-se de uma recomposição temática do mundo de Clarice Lispector, a partir dos dados fundamentais que nos forneceram aqueles temas e situações. Preocupamo-nos mais em caracterizar a atitude criadora da romancista, e a concepção-do-mundo, marcadamente existencial, que com essa atitude se relaciona, do que analisar a estrutura da criação literária propriamente dita”. (p.11, da obra citada, publicada em Manaus pelas Edições do Governo do Estado do Amazonas).
Na verdade, seu ensaio sobre o mundo ficcional de Clarice Lispector é, de forma inovadora para os nossos padrões de crítica literária, uma prospecção filosófica em que se ressalta o tema da náusea e da angústia e para o que Benedito Nunes vai recorrer a dois filósofos contemporâneos envolvidos com essa temática, ou seja, Heidegger e Sartre, a quem retorna permanentemente.
Sobre o tema, também presente na obra dos mencionados filósofos, anota que:
“O mal-estar da angústia, diferente do medo, provém da insegurança da nossa condição desnudada, como puro estar-aí (Dasein), como possibilidade originária que nada sustenta. Abandonado, entregue a si mesmo, livre, o homem que se angustia vê diluir-se a firmeza do mundo. O que era familiar, torna-se-lhe estranho, inóspito. Sua personalidade social recua. O círculo protetor da linguagem esvazia-se, deixando lugar para o silêncio.
A descrição que Sartre faz desse mesmo sentimento coincide, no essencial com a de Heidegger. Ela, é porém, mais minuciosa e esclarecedora. A angústia traduz a irremediável liberdade da consciência contaminando com o seu nada o ser em geral”.

A filosofia contemporânea.

Contribuição igualmente marcante no campo da recepção de autores fundamentais da filosofia em suas manifestações e expressões mais recentes foi o lançamento de “A filosofia contemporânea”, com o qual Benedito Nunes pretende afirmar a necessidade de ampliarmos nossas perspectivas de compreensão e interpretação do mundo e do homem, para acompanharmos os questionamentos essenciais e profundos que a filosofia propõe em relação a problemas como, “o valor e a estrutura do conhecimento científico, a existência social e validade da cultura, a existência individual em suas relações com a sociedade e a história”. Na avaliação de Benedito Nunes, esses três aspectos, de um modo ou de outro, estão presentes nas diferentes correntes e tendências da filosofia contemporânea e são examinados no interior da obra, em muitos casos, prenunciando seu desenvolvimento em momentos posteriores de sua reflexão e reexame crítico, que vamos identificar em obras mais recentes como “No tempo do Niilismo e outros ensaios” (1993) e “Crivo de Papel” (1998).
Consideramos esclarecedor, para vislumbrarmos o desenvolvimento dos caminhos abertos por sua obra, chamar a atenção para alguns temas e questões que fazem parte desse conjunto de ensaios, alguns deles já publicados anteriormente, mas que reunidos com outros ainda inéditos, podem ser tomados como um momento particular do autor em face, principalmente, do fato de que alguns dos temas aqui, na verdade, são retomados e reunidos com textos inéditos. “No tempo do Niilismo e outros ensaios” representa esse momento em que Benedito Nunes discute idéias de filósofos já fortemente presentes em nossa interlocução em termos de pensamento brasileiro, envolvendo a fenomenologia, a hermenêutica, a teoria da recepção, o pensamento frankfurtiano e outras expressões do que podemos reconhecer como teoria crítica e seus desdobramentos, assim como suas novas versões.

A estética e o saber moderno

Dois aspectos são inicialmente apontados como fenômenos essenciais do mundo moderno, ao reexaminar “A época das concepções de mundo” de Martin Heidegger. Nessa obra Heidegger indica dois processos que, na compreensão de Benedito Nunes são chaves para compreendermos as relações entre a filosofia e a arte, o pensamento reflexivo e o campo da linguagem. Trata-se, de uma parte, da tendência cada vez mais acentuada e geral da dominância da Ciência e da Técnica que tudo parece envolver e, de outra, o da entrada da arte tardia no horizonte da Estética.
Quanto a primeira questão, ou seja, o da tendência para o domínio crescente da ciência e da técnica, autores presentes na reflexão de Benedito Nunes, além de Heidegger, como Benjamin e Adorno, tem posição destacada através de suas várias abordagens em torno da arte na época da produção industrial, da indústria cultural, da sociedade administrada, assim como do papel que desempenhou o Esclarecimento, como movimento, segundo Adorno, de recusa das práticas mágicas, das concepções míticas e, por extensão, à própria arte, ou a possibilidade de sua transformação em expressão da racionalidade.

A segunda questão implica na constatação de que a arte não constituiria objeto da reflexão estética até a chegada dos Tempos Modernos.
Seria a Estética, nessa situação apontada por Heidegger um tipo mais abrangente de reflexão que não se restringiria exclusivamente à arte, mas aos aspectos sensíveis da realidade que a idéia de Belo envolveria desde a Antiguidade. Portanto, no sentido indicado por Heidegger, o belo se repartiria em dois domínios, o da Natureza e o da Arte.
Estimulado por essa discussão da gênese da estética da modernidade, Benedito Nunes nos expõe o que seria a solução encontrada por Hegel, ou seja, de que “a Estética é filosofia da arte enquanto recapitulação da história do espírito humano” e que nos colocaria diante do paradoxo segundo o qual, para compreender a arte de períodos precedentes seria necessário construir juízos de duplo conteúdo. O que, na distinção sugerida sobre a questão por Walter Benjamin, implicaria em conceber o conteúdo do objeto e o conteúdo de verdade.
De acordo com essa percepção a Estética se tornaria uma ciência de exceção e dessa forma capaz de transferir “o conteúdo de verdade de seu objeto para outras ciências humanas, e será, por isso, para aproveitarmos uma expressão de Michel Foucault, uma ciência errante, ora de porte histórico, ora psicológico ou sociológico, ora lingüístico” (p.59).
Para abordar o que Benedito Nunes apresenta como o terceiro paradoxo da Estética em tempos de modernidade, recorre a Adorno que, através de sua “Teoria Estética” reconhece na arte forma de conhecimento que não é conhecimento do objeto, sendo esse paradoxo o da própria experiência artística, na medida em que “a Estética contribui para o devir das obras, que assimila, como diz o próprio Adorno, a interpretação, o comentário e a crítica.” .
Por fim, Benedito Nunes reconhece a Estética como Hermenêutica, ou seja, como possibilidade de desvendamentos, de decifrações e “achados”, de busca de recursos para compreensão e interpretação dos objetos e de seus próprios métodos. E reconhece que:
“Como Hermenêutica, ela recai no espaço reflexivo de confronto e de aproximação com a experiência histórica e científica. Dessa forma, irremediavelmente filosófica, a Estética não pode interpretar a arte, sem interpretar-se de acordo com os pressupostos que lhe fornece o todo da cultura de que faz parte.” (60).
Neste, como em outros tantos momentos, podemos reconhecer o diálogo de Benedito Nunes com autores que muitas vezes, menciona apenas brevemente, como é o caso de Walter Benjamin e Adorno, mas que estão profundamente presentes na tessitura de seu pensamento e de sua obra.
Certamente que uma das razões que explicam o seu interesse e identificação com Heidegger reside sobretudo no fato de que neste autor, segundo suas próprias palavras, “...é a voz da Poesia que prevalece sem alijar a da Filosofia, convertida em instância interpretativa solícita da primeira, quase uma serva dos textos poéticos estudados”(p.82, “No tempo do Niilismo”).
Outros autores que empreenderam essa aproximação e mesmo o entrelaçamento da filosofia com a poesia, melhor dizendo, com a arte em um sentido mais abrangente, estão presentes na linha de horizonte do pensamento de Benedito Nunes. Entre esses autores, pelo número considerável de pontos de convergência, podemos mencionar Theodor Adorno e sua Teoria Estética, acompanhada de textos como “A filosofia da Nova Música”. Compare-se, por exemplo, esse último livro com o ensaio de Benedito Nunes intitulado “Música, Filosofia e Literatura”, em que ambos se aproximam em vários momentos, percorrendo seus respectivos caminhos.

Benedito Nunes: pensando a cultura brasileira.

Como estudioso da cultura brasileira, em particular da literatura, devem ser mencionados, entre outros, seus ensaios sobre Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, Machado de Assis e João Cabral de Melo Neto, além de sua “Historiografia literária do Brasil”.
Em todos esses ensaios e estudos empreende de forma sempre original e clara, a aproximação da obra literária com os fundamentos filosóficos da teoria estética, utilizando-se de diferentes recursos hermenêuticos para a tradução e desvendamento das estruturas narrativas, da invenção dos personagens e de sua transfiguração em substância estética.
O ensaio dedicado ao universo ficcional de Clarice Lispector, já o vimos,
Nos esclarece sobre aspectos essenciais da cosmovisão de Heidegger e Sartre sobre a questão do ser e da existência.Sobre Machado de Assis, em estilo temperado de ironia, revela na obra do autor, idéias filosóficas que viajam até os trópicos e se enraízam e se difundem na consciência e na percepção desse autor surpreendentemente “antenado” com as tensões do campo filosófico e ideológico da época.
Ao ter, portanto, como ponto de partida para suas leituras e interpretações os fundamentos filosóficos da modernidade e da contemporaneidade, Benedito Nunes institui um novo e vigoroso padrão teórico para o que reconhecemos como sua interpretação da cultura brasileira, com ênfase maior nas narrativas ficcionais.
Para abordarmos essa face de sua obra que já, de certa forma iniciamos com a referência ao seu texto sobre Clarice Lispector, nos limitaremos a comentar brevemente dois textos que tratam respectivamente de Machado de Assis e Guimarães Rosa. Ensaio igualmente representativo de sua perspectiva interpretativa da cultura brasileira é seu estudo “Historiografia literária do Brasil” que, apesar de ter seu foco orientador na tradição literária, faz com que esta se irradie envolvendo um conjunto de fatos e processos de cunho mais abrangente, conferindo ao levantamento um alcance muito maior do que sugere seu título.

Em seu ensaio “Machado de Assis e a Filosofia” busca apresentar a obra do autor de Dom Casmurro e suas relações com as idéias filosóficas de seu tempo, trazendo com essa forma de abordagem literária, uma contribuição essencial para visualizarmos a recepção de correntes filosóficas e de como elas viajavam até nós, muitas vezes aos fragmentos, como aponta o estudo.
Além do recurso utilizado inicialmente para se obter “a recomposição exemplificativa do pensamento filosófico machadiano por meio de passagens isoladas dos romances”, como o que ele utilizou, Benedito Nunes sugere que um outro, de teor análogo, que seria o de destacar o conteúdo conceitual ou a intenção argumentativa de certos contos, corre o risco de incorrer em tentativa hermenêutica falsa, equivocada. Equivocada porque procura utilizar a obra ficcional para ilustrar ou fazer referência às idéias filosóficas do autor real. Engana-se, portanto, ao tratar a ficção como veículo de idéias, esquecendo-se que esta, ao se distanciar da realidade imediata para transfigurá-la esteticamente, é capaz de absorver filosofias e de imprimir a elas destinos diferentes dos que possuíam em suas origens (p131).

Rir da filosofia com Machado de Assis.

Esclarece que Machado de Assis, não sendo filósofo, “ri da filosofia, coisa rara entre filósofos de vocação e profissão”, lembrando a propósito, a sugestão de Nietzsche para que classificássemos os filósofos de acordo com a sua capacidade de rir. E assim Machado de Assis “alveja a filosofia com riso zombeteiro ou irônico no conto, no romance e até mesmo na crônica”.
O ensaio com que Benedito Nunes nos brinda sobre a presença de idéias filosóficas no autor é na verdade concebido e consumado a partir de sua própria familiaridade com o campo filosófico e a impressão que temos é que ele se deleita com os “achados” que ele realiza na obra, o que pode ser confirmado em trechos como os seguintes:
“enfim, o Bruxo teria sumarizado esse pessimismo que lhe impregna a ficção, não sem antes compatibilizá-lo com a atitude cética e a tragicidade pascaliana, em três momentos exemplares de sua obra: a prosopopéia de ‘o delírio’ – em Memórias póstumas de Brás Cubas, a expressão dialogística do sistema filosófico do personagem Quincas Borba -, o ‘humanitismo – nas mesmas Memórias e no romance seguinte, ‘Quincas Borba’- e o paralelo desenvolvido no capítulo IX (A ópera) de Dom Casmurro”(p.130).
“Complemento discursivo teórico dessa visão delirante, a doutrina de Humanitas, exposta pelo filósofo Quincas Borba a Brás Cubas e a Rubião, seria, em substância, uma transposição pessoal da filosofia de Schopenhauer.”
“O terceiro momento exemplar é o paralelo da vida com uma ópera, cujo libreto fosse escrito por Deus e a música pelo demônio, conflitivas numas partes e repetitivas noutras, obscuras em certas passagens, nunca havendo identidade de vistas entre seus co-autores”.
Enfim, toda a filosofia do homem de carne e osso Machado de Assis estaria sintetizada nessas três diferentes situações e momentos
Como a ironia, o sarcasmo e o riso são elementos identificados com a razão cética, “modalizada ludicamente dentro da compreensão humorística” estaria aí para Benedito Nunes o “foco mais incisivo do pensamento ficcional de Machado de Assis”. (p.138) E conclui indicando que:
“O subversivo narrador machadiano transformou a seu gosto, as filosofias para zombar da filosofia. A que nos ofereceu, como pensamento ficcional, resumida em “Memórias póstumas de Brás Cubas”, foi “desigual, agora austera, logo brincalhona, coisa que não edifica nem destrói, não inflama nem regala e é todavia mais do que passatempo e menos do que apostolado”.

De Sagarana a Grande Sertão: Veredas.

Há com a obra de Guimarães Rosa a eclosão de um momento transformador, como que o paradigma de profunda revolução que sua literatura faz acontecer na cultura brasileira e não apenas na ficção literária.
O ensaio de Benedito Nunes parte dessa constatação, mas seu propósito é nos revelar de que maneira ocorre a recepção dessa totalidade de escritos, ou seja sua preocupação está voltada, segundo seus próprios termos, para o tema “das possibilidades interpretativas dos vários modos de leitura do sempre aberto espólio literário de Guimarães Rosa”.
Dois aspectos devem ser mencionados em relação ao presente ensaio. O primeiro deles é a criteriosa recuperação de aspectos fundamentais da extensa fortuna crítica que se adensou ao longo desses últimos cinqüenta anos, principiando pela recepção de Sagarana, segundo sua feliz expressão, pela porta de “Corpo de Baile”.
Sem evidentemente podermos nos deter em passagens elucidativas da construção ficcional em questão, não podemos deixar de mencionar as referências às leituras críticas de Oswaldino Marques (Canto e plumagem da palavra, 1956) inventário meticuloso do repertório verbal de Guimarães Rosa, de onde brotou o termo prosoema. De Franklin de Oliveira, nos encaminha para seus artigos de jornal de 1957 sobre Corpo de baile, a partir de cujas leituras, assinala que seu autor “já adotava os processos modernos de composição romanesca, como a representação pluridimensional da consciência”. Em seus cursos de 1966, Antônio Cândido, por sua vez,. buscava compreender o universo psíquico do jaguncismo como uma das chaves no universo ficcional.
Entre os autores que escreveram sobre Guimarães Rosa, Benedito Nunes nos apresenta também juízos que dizem respeito ao significado filosófico da obra, como os que estão na investigação empreendida por Francis Uteza em “João Guimarães Rosa: Metafísica do Grande Sertão (1994)”, “equiparando o termo metafísica, tal como o utilizava o próprio romancista, à tradição iniciática, secreta, ocultista, situada acima das Igrejas, numa confluência doutrinária entre o Ocidente e o Oriente” (p.260).

Benedito Nunes e a Amazônia.

Como estudioso da cultura brasileira, em particular da literatura, devem ser mencionados entre outros, seus ensaios sobre Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Machado de Assis e João Cabral de Melo Neto, além de sua “Historiografia literária do Brasil”.
Em todos esses ensaios e estudos empreende, de forma sempre consistente, a aproximação da obra literária com os fundamentos filosóficos da teoria estética, utilizando-se de diferentes recursos hermenêuticos para a tradução e desvelamento das estruturas narrativas, da invenção dos personagens, dos processos de transfiguração da realidade em substância estética.
Quando, por exemplo, iniciamos a leitura do ensaio dedicado ao universo ficcional de Clarice Lispector, somos remetidos ao seu texto sobre a Náusea, de Sartre e sobre o tema da angústia em Heidegger, o que nos esclarece aspectos essenciais do destino do ser nos dois autores mencionados.
Sobre Machado de Assis, anota com tempero de humor e ironia, a presença na obra do autor, das idéias filosóficas que viajam até os trópicos e se enraízam na consciência e percepção de um autor surpreendentemente “antenado” com as tendências e demarcações do campo filosófico e ideológico da época.
Em relação a Guimarães Rosa, reconhece-o como marco maior da verdadeira revolução que sua literatura representa na cultura brasileira, analisando com perspicácia única, o processo inverso, que tão bem observou, em que se dá a recepção de sua obra.

Queremos concluir, a propósito do que apresentamos aqui de forma panorâmica, que sua obra, construída com rigor crítico, sem nunca abrir mão da clareza de sua escrita, ainda permanece relativamente desconhecida em sua terra, a Amazônia, necessitando ser devidamente incorporada por nossa inteligência em seu movimento teórico e reflexivo.
É necessário, portanto, nesse momento de sua partida, lembrar-nos que ele nos deixa um exemplo de vida e uma obra viva, profunda e desafiadora. Benedito Nunes foi certamente um homem amado e admirado por todos nós que tivemos a sorte de conhecê-lo, de ouvi-lo e de lê-lo.
Assim, como homem de seu tempo e de sua terra, , amparado em sua formação humanística e crítica, não se deixou capturar pelas idéias correntes como o regionalismo e o desenvolvimento, que encantam e conduzem o pensamento de nossos intelectuais e artistas. Muito ao contrário, sua obra é também documento de resistência à barbárie e ao colonialismo profundo que fortemente ainda nos envolve.



Algumas de suas principais obras:
O mundo de Clarice Lispector (l966)
A Filosofia Contemporânea (1967)
No tempo do Niilismo e outros ensaios (1993)
Passagem para o poético (1986)
Crivo de Papel (1998) 2a edição.

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