sexta-feira, 4 de março de 2011

MOACYR SCLIAR


Flávio Aguiar




DEBATE ABERTO

Moacyr Scliar
Uma das histórias de Scliar que mais me ficou na memória foi a de alguém (um menino?) que tomava um barco na beira do Guaíba e desaparecia na cerração que se erguia do rio. Era ao mesmo tempo a resposta a um chamado e uma ironia do destino. Ela foi uma das que inaugurou a página de "Estórias brasileiras" do jornal Movimento, nos idos de 1975.

Ouvi dizer que, segundo um antigo provérbio árabe, quando morre um contador de histórias elas morrem um pouco também. O provérbio não deve se referir às narrativas propriamente ditas. Tradicionais, elas permanecerão na memória coletiva; originais, essa originalidade lhes garantirá a permanência. O provérbio deve se referir ao modo como as histórias são contadas, ou mesmo lidas. Até no livro, a persona - o jeito do escritor - permanece junto com as palavras da história.

De agora em diante, será impossível, pelo menos para os da minha geração, ler uma história do Scliar sem lembrar de que ele se foi para os eternos campos do seja-onde-for. Lá ele continuará, por certo, caçando palavras e histórias, e encantando as companheiras e os companheiros das peregrinações estreladas com seu jeito ao mesmo tempo translúcido e denso de contar.

Scliar escrevia simples e maneiro, cativava e espantava ao mesmo tempo. Universal, ele universalizou o seu bairro, o Bonfim, onde suas histórias - todas, mesmo aquelas que não tinham por tema as aventuras judaicas no mundo gaúcho - começavam. As histórias do Scliar tinham seu centro na idéia do deslocamento, eram histórias centrífugas.

Uma das que mais me ficou na memória foi a de alguém (um menino?) que tomava um barco na beira do Guaíba e desaparecia na cerração que se erguia do rio. Era ao mesmo tempo a resposta a um chamado e uma ironia do destino. Que histórias essa história continha? Ela foi uma das que inaugurou a página de "Estórias brasileiras" do jornal Movimento, nos idos de 1975.

Independentemente de outras que essa história materializava, ela tinha por moldura o chamado a que o próprio Scliar respondia, naquele afã de lutar contra a certeza do arbítrio ditatorial com a incerteza das palavras balbuciadas. A esse chamado da liberdade Scliar nunca se negou.

É justo que nos lembremos disso, no momento em que seu jeito de contar fica privado de sua presença física.

Um comentário:

Leila Miccolis disse...

Belo texto, Rogel, bela homenagem. Beijo, Leila