LUIZ
BACELLAR
Passei o Natal em Manaus.
Desembarco tarde da noite, mesmo assim ainda consigo energia para encontrar uns queridos amigos no Galvez, onde conversamos até o início da madrugada, ao ar livre.
No dia seguinte, depois do café da manhã no hotel, saio para rever minha cidade.
A primeira pessoa que encontro: Luiz Bacellar.
Ele é o poeta maior da Amazônia. Escreveu pouco.
Retrata tardes manauaras, quentes, ensolaradas, vazias, quase inúteis.
Fala de quintais, saputilheira, dos sanhaçus, da prata das aranhas. Da
infância, da "Porta para o quintal":
Bem haja o sol e a brisa neste canto! Cá fico maginando a tarde inteira
deixando relaxar nesta cadeira
de embalo o corpo bambo de quebranto.
Brincam nas folhas da saputilheira
brilhos metalescentes, cor de amianto
saltitam sanhaçus de curto canto,
aranhas tecem prata na trapeira.
As telhas debruçadas dos beirais
vão com as calhas de lata, lá entre elas,
coisas de chuva e vento conversando
quais velhinhas comadres; nos varais
a roupa brinca de navio de velas
minha infância perdida reinventando...
Ele já viveu numa casa brasileira, bem grande.
Bem interiorana. Conhece a porta, sua paisagem - o quintal, árvores,
varais, infâncias, o passado. A porta para o quintal dá para vida voltada
sobre si mesma, para dentro, o recolhido, uterino. Não a porta do espaço
público. Mas do interno. A rua difere, como no "rondel da
cana":
caba - colete rolete - cana
danças na rua
tua pavana,
dança que a tua
dança é geral
dançada ao vento
do canavial
Há uma hierarquia metafísica na poesia, na poética do seu encontro com sua cidade. A poesia de unidade, de tempo, aquela cidade ficava uma pacata província pós-moderna (moderno foi o extrativismo da borracha),
pós-modernismo decadentista, o da econômica crise dos 50 anos - de 1912 a 1962.
No texto fragmentos do passado recente, destruído
pela civilização de shopping da "zona franca". Manaus devagar,
tudo se centralizava na Avenida Eduardo Ribeiro e poucas mais. Manaus de
chafarizes, estatuária
afrancesados. Manaus das tacacazeiras. Da lembrança.
Ponha, numa cuia açu afrancesados. Manaus das tacacazeiras. Da lembrança.
ou numa cuia mirim
burnida de cumatê:
camarões secos, com casca,
folhas de jambu cozido
e goma de tapioca.
Sirva fervendo, pelando,
o caldo de tucupi,
depois tempere a seu gosto:
um pouco de sal, pimenta
malagueta ou murupi.
Quem beber mais de 3 cuias
bebe fogo de velório.
Se você gostar me espere
na esquina do purgatório.
(Receita de tacacá)
Às vezes o poema se inventa clássico, como no "rondel do sapoti":
pardo mamilo
de cunhatã
que aromatizas
o ar da manhã
tua rosa polpa
destila mel
poma leitosa
doce farnel
tuas duras folhas
verdes espelhos
bisando o sol
a passarada
te faz varanda
para o arrebol
Quando vou a Manaus, das primeiras pessoas que
encontro é Bacellar. Ele aparece, fidalgo (que é), sai da moldura de um
quadro de símbolos antigos: pontes, feiras, S. Jorge, Cachoeirinha, São
Sebastião. Sai com
seus "Sonetos provincianos", "Três noturnos municipais", "Romanceiro suburbano", "Sol de feira". Existe um caso de amor com aquela cidade em cada poema. Ele a ama, e nela se reconhece:
Como um prisioneiro seus "Sonetos provincianos", "Três noturnos municipais", "Romanceiro suburbano", "Sol de feira". Existe um caso de amor com aquela cidade em cada poema. Ele a ama, e nela se reconhece:
a lua me espia pelas
grades do banheiro.
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