sexta-feira, 30 de novembro de 2012

OS REQUEBROS ESPIRITUAIS

OS REQUEBROS ESPIRITUAIS

Rogel Samuel


       Não fosse o câmbio, nunca esteve tão barato ir a Katmandhu.
       Graças aos maoístas.
Quando estive lá pela primeira vez já lá existiam eles: o antigo rei assassinado tinha pouco poder, mas controlava o Exército.
Quando voltei,  o Partido Comunista assumira o parlamento. Mas não era maoístas.
Na administração comunista a cidade ficou um pouco mais limpa.
Agora há guerrilha 'maoista' no Nepal.
Katmandhu era uma latrina, o lixo se acumulava nas ruas, ou queimado por populares.
Apesar de vale nos Himalayas, a poeira se levanta cheia de calamitosas doenças, há muita fumaça e água poluída (nas torneiras não se escovam os dentes, mas com água mineral).
Mas gosto de ir no período de Losar, que é o ano novo tibetano.
Boudanath, cujo cartaz tenho na minha frente enquanto escrevo, é um bairro-cidade tibetano ao redor da lendária Estupa de Jerukansor, que aparece em O Pequeno Buda.
Jerukansor significa mais ou menos: 'tudo o que você pedir será atendido'.
Quando lá fui pela primeira vez, começo me hospedando no Stupa Hotel.
Os gerentes do Hotel me olhava com muita desconfiança, diziam que eu era um traficante, porque eu disse que vinha da América do Sul.
Até ali a viagem tinha sido um desastre.
Em Amsterdã me impuseram pesada multa por excesso de bagagem (levava uma pequena biblioteca para amigo tibetano monge Lobsang Tenpa).
Em Nova Delhi passo a noite quase no exterior do Aeroporto, cercado de mendigos, as autoridades locais disseram que eu não poderia permanecer dentro, já que só viajaria no dia seguinte (fui culpado, deveria ter mentido no desembarque, dizendo que estava em trânsito).
Tentei ir ao sanitário com minhas três eruditas malas sem o conhecido carrinho (que ali não havia) e descobri que o ambiente estava completamente molhado de urina. Depois confiei a bagagem a duas jovens americanas.
No dia seguinte, em Katmandhu, subi a montanha, ao  monastério de Kopan,  para entregar a preciosa carga, deixando o táxi esperando e almocei com o lama, passei a tarde ali e em outros sítios históricos, voltando à noite no mesmo táxi.
Por isso ganhei a fama de 'o colombiano'.
Eles me chamavam de 'o colombiano'.
Mas um dia inteiro de táxi não saía mais do que 10 dólares...
Os primeiros dias em KTM são terríveis.
Os demais, melhores.
Depois você se apaixona por aquela cidade e não quer mais sair.
Tudo acontece.
Desde as elevações espirituais até as delícias gastronômicas e as outras.
Vi tudo, fiz de tudo, fiquei quase três meses naquele ano de 93.
O mais interessante foi uma festa de casamento.
Ao lado da Lótus Guest House uma casa rica de família nepalesa ofereceu ruidosa festa de casamento.
Como não ia mesmo conseguir dormir naquela noite, resolvi ir ver do lado de fora.
Os donos da casa me viram e me convidaram para entrar.
É considerado auspicioso você oferecer alegria, muita comida e bebida a muitos convidados importantes, durante o casamento.
Significa que o casal vai ser rico e feliz.
Todos estavam de paletó e gravata, eu de pijama.
Deviam pensar que aquela era a roupa típica de meu país de origem.
Muita gente.
Muita bebida e comida.
Muita dança masculina.
As damas sentadas ao redor, aplaudindo e rindo.
Os maridos, completamente embriagados, dançavam entre si, em requebros de quadris e das mãos, exóticas dançarinas de cabaré.
Em KTM não se vê um casal na rua: as moças e os rapazes andam em pares abraçados e separados.

Nenhum comentário: