OS REQUEBROS ESPIRITUAIS
Rogel Samuel
Não
fosse o câmbio, nunca esteve tão barato ir a Katmandhu.
Graças
aos maoístas.
Quando estive
lá pela primeira vez já lá existiam eles: o antigo rei assassinado tinha pouco
poder, mas controlava o Exército.
Quando
voltei, o Partido Comunista assumira o
parlamento. Mas não era maoístas.
Na
administração comunista a cidade ficou um pouco mais limpa.
Agora há
guerrilha 'maoista' no Nepal.
Katmandhu era
uma latrina, o lixo se acumulava nas ruas, ou queimado por populares.
Apesar de
vale nos Himalayas, a poeira se levanta cheia de calamitosas doenças, há muita
fumaça e água poluída (nas torneiras não se escovam os dentes, mas com água
mineral).
Mas gosto de
ir no período de Losar, que é o ano novo tibetano.
Boudanath,
cujo cartaz tenho na minha frente enquanto escrevo, é um bairro-cidade tibetano
ao redor da lendária Estupa de Jerukansor, que aparece em O Pequeno Buda.
Jerukansor
significa mais ou menos: 'tudo o que você pedir será atendido'.
Quando lá fui
pela primeira vez, começo me hospedando no Stupa Hotel.
Os gerentes
do Hotel me olhava com muita desconfiança, diziam que eu era um traficante,
porque eu disse que vinha da América do Sul.
Até ali a
viagem tinha sido um desastre.
Em Amsterdã
me impuseram pesada multa por excesso de bagagem (levava uma pequena biblioteca
para amigo tibetano monge Lobsang Tenpa).
Em Nova Delhi
passo a noite quase no exterior do Aeroporto, cercado de mendigos, as
autoridades locais disseram que eu não poderia permanecer dentro, já que só
viajaria no dia seguinte (fui culpado, deveria ter mentido no desembarque,
dizendo que estava em trânsito).
Tentei ir ao
sanitário com minhas três eruditas malas sem o conhecido carrinho (que ali não
havia) e descobri que o ambiente estava completamente molhado de urina. Depois
confiei a bagagem a duas jovens americanas.
No dia
seguinte, em Katmandhu, subi a montanha, ao
monastério de Kopan, para
entregar a preciosa carga, deixando o táxi esperando e almocei com o lama,
passei a tarde ali e em outros sítios históricos, voltando à noite no mesmo
táxi.
Por isso
ganhei a fama de 'o colombiano'.
Eles me
chamavam de 'o colombiano'.
Mas um dia
inteiro de táxi não saía mais do que 10 dólares...
Os primeiros
dias em KTM são terríveis.
Os demais,
melhores.
Depois você
se apaixona por aquela cidade e não quer mais sair.
Tudo
acontece.
Desde as
elevações espirituais até as delícias gastronômicas e as outras.
Vi tudo, fiz
de tudo, fiquei quase três meses naquele ano de 93.
O mais
interessante foi uma festa de casamento.
Ao lado da
Lótus Guest House uma casa rica de família nepalesa ofereceu ruidosa festa de
casamento.
Como não ia
mesmo conseguir dormir naquela noite, resolvi ir ver do lado de fora.
Os donos da
casa me viram e me convidaram para entrar.
É considerado
auspicioso você oferecer alegria, muita comida e bebida a muitos convidados
importantes, durante o casamento.
Significa que
o casal vai ser rico e feliz.
Todos estavam
de paletó e gravata, eu de pijama.
Deviam pensar
que aquela era a roupa típica de meu país de origem.
Muita gente.
Muita bebida
e comida.
Muita dança
masculina.
As damas
sentadas ao redor, aplaudindo e rindo.
Os maridos,
completamente embriagados, dançavam entre si, em requebros de quadris e das
mãos, exóticas dançarinas de cabaré.
Em KTM não se
vê um casal na rua: as moças e os rapazes andam em pares abraçados e separados.
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