RIO
- No ranking dos pintores mais roubados do mundo, o primeiro lugar é do
espanhol Pablo Picasso (1881-1973). Até o início de 2011, havia 642
obras de sua autoria desaparecidas por conta de roubos, segundo a
fundação Art Loss Register, que tem sede em Londres e monitora crimes
contra a arte pelo mundo. No mês passado, a cifra aumentou. "O louco
(cabeça de Arlequim)", pintado por Picasso em 1971, foi levado do Museu
Kunsthal, em Roterdã, na calada da noite. Ainda não há sinais de seu
paradeiro, nem dos criminosos. O que poucos lembram, no entanto, é que
Picasso também já esteve envolvido (e bem de perto) num caso de roubo de
arte. Só não foi preso em 1911, em Paris, pelo crime de ter guardado em
casa duas estátuas extraídas do acervo do Museu do Louvre graças a um
amigo que decidiu virar o bode-expiatório da história e proteger o
artista.
Peças voltaram ao museuO crime data do início do século XX. A história, que permaneceu oculta, só foi remexida nos últimos anos. E voltou à tona após o roubo de Roterdã. O caso é assunto de pelo menos três livros lançados entre 2009 e 2011. "The thefts of the Mona Lisa", do historiador de arte americano radicado da Itália Noah Charney, e "Le musée invisible" e "Une femme disparait", dos jornalistas franceses Nathaniel Herzberg e Jéróme Coignard, respectivamente, trazem capítulos dedicados à "mão leve" de Picasso. É que, em 1907, ele comprou por 50 francos duas estátuas que haviam sido tiradas do Louvre por um jovem belga. As obras em tudo lembram os traços de Picasso. E ficaram escondidas numa gaveta de seu ateliê por pelo menos quatro anos.
- Sabemos que Picasso manteve essas peças roubadas entre suas roupas graças a Fernande Olivier, sua amante na época, que deixou essa informação escrita em suas memórias - conta Charney em entrevista ao GLOBO. - Ela estranhava muito o fato de ele expor tudo o que produzia no ateliê e manter aquelas duas obras superguardadas.
O ladrão belga era Joseph-Honoré Géry Pieret, um desertor do exército de seu país, que por algum tempo dividiu apartamento com o escritor e crítico de arte Guillaume Appolinaire, um dos melhores amigos de Picasso. Certo dia, após ir ao Louvre, Pieret apareceu em casa com as duas estátuas ibéricas e perguntou a Appolinaire quem poderia comprá-las. O belga precisava de dinheiro.
- Appolinaire repreendeu-o, mas Pieret disse que não devolveria as peças, principalmente porque elas não mereciam ficar no museu porque estavam mal protegidas (num móvel sem tranca) - diz Coignard. - Então, Pieret as ofereceu a Picasso.
O pintor desembolsou 50 francos - quantia considerável naquela época - por uma das estátuas. Pieret resolveu dar-lhe a outra de presente.
O crime poderia ter ficado para sempre em segredo, não fosse o escândalo gerado pelo roubo da "Mona Lisa", de Leonardo Da Vinci, em 1911.
- Ao investigar o desaparecimento da Gioconda (recuperada dois anos depois), a polícia de Paris tinha certeza de que o crime havia sido cometido por um grupo de estrangeiros anarquistas e começou a investigar para todos os lados - conta Coignard. - Preocupados, Appolinaire, que era polonês, foi atrás do belga Pieret e sugeriu que ele e Picasso, que era espanhol, devolvessem as estátuas pelo jornal "Paris-Journal", onde ele próprio trabalhava. Pieret concedeu então uma longa entrevista em que pedia um resgate de 50 mil francos (o mesmo oferecido pela "Mona Lisa") para devolver as estátuas. O tiro saiu pela culatra. Até que Pieret levasse 250 francos do jornal em troca das peças, Picasso e ele chegaram a cogitar a ideia de jogá-las no Rio Sena.
Em pouco tempo, a imprensa francesa descobriu o vínculo entre os três. Com o dinheiro do jornal, Pieret tomou um trem para Marselha e nunca mais foi visto. Appolinaire e Picasso tiveram que depor.
- O curioso é que não há nos documentos oficiais o nome de Picasso - informa Coignard. - De alguma forma que não sabemos explicar, Appolinaire ficou à frente e protegeu o amigo, conseguindo que ele aparecesse nos registros policiais apenas como "um pintor".
Appolinaire ficou preso por sete dias e morreu na Segunda Guerra Mundial sem perdoar Picasso, que, em seu depoimento à polícia, negou conhecê-lo. O pintor manteve-se calado sobre o assunto até pouco antes de sua morte.
- Na biografia "Picasso", de Pierre Daix, e em registros que consultei, Picasso admitia que o caso era uma das maiores vergonha de sua vida - conta Coignard.
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