O OLHO BURRO por Neuza Machado
“Mas
o olho burro tudo vê, e registra (...)”. O teórico da literatura de
orientação fenomenológica, neste início de século e de milênio, não
poderá desprestigiar as expressões ficcionais que o “incomodam”. Por que
“olho burro”? Será que este “olho burro” representa o olhar do primeiro
narrador, um ser híbrido, resultante do cruzamento entre o telúrico e o
espetaculoso, aquele representante dos narradores que vêem em demasia?
Mas, a realidade ficcional do século XX e início do século XXI está ali a
exigir-lhe (ao narrador da primeira fase ficcional) um cenário
grandioso para apresentação do personagem mítico que se aproxima. Então,
quem tem consciência desse “olho burro” é o segundo narrador,
possivelmente, narrador de um terceiro narrador, o qual intui, por sua
vez, uma possível quarta chave (imaterial), propiciadora de uma insólita
condução para o quarto cogito, onde se percebe o Tempo Espiritual.
(Esse terceiro narrador se encontra muito bem camuflado nas tramas
ficcionais do romance, nesses primeiros capítulos da narrativa). Ou será
que “olho burro” representa outra expressão já conhecida, ou seja, “dar
com os burros n’água”, o que, em outras palavras, significaria a perda
momentânea do poder narrativo singular, exclusivo da ficção
paradigmática. O olho do escritor-artista paradigmático não “registra”,
recria a realidade que o cerca. No entanto, continuo aqui a resistir às
assertivas ficcionais rogelianas. Se me atenho à idéia de uma afirmação
diferenciada, consciente da capacidade criativa do escritor, infiro que o
“olhar” esclarecido, intelectual, do segundo narrador, acompanha por
sua vez a perspectiva visual do primeiro narrador. O “olho burro tudo
vê, e registra ele-mesmo” a aproximação de Paxiúba, “remando silencioso e
feroz pela face da manhã, no luxo de frente do porto do Laurie Costa”,
criativamente secundado pelo olhar talentoso do escritor ficcional da
pós-modernidade. Os narradores sintagmáticos não possuem tal visão
diferenciada. Assim, o “olho burro”, explícito na narrativa rogeliana,
sublinearmente e paradoxalmente, se transforma em “olho inteligente”, se
for avaliado pelo ponto de vista do crítico fenomenológico. Por meio de
um narrar paradoxal, o incomum ficcionista de O Amante das Amazonas revelou (revela e revelará), aos “incomodados” leitores de seu romance, a indiscutível qualidade de sua ficção.
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