(detalhe de monumento em Manaus na época da borracha)
O além narrativo
Neuza Machado
A
barca do Caronte/Narrador Ribamar de Sousa vai singrando
desafiadoramente em direção ao Igarapé do Inferno. Que é o Igarapé do
Inferno? Seria o rio/“Inferno” de Dante Alighieri localizado no
Amazonas? Seria um rio-Inferninho localizado nos limites do fim do mundo
da floresta amazonense? Uma região do deus-me-livre onde nenhum humano
conseguiu colocar os pés, a não ser o personagem ficcional Pierre
Bataillon e sua família, os seus subordinados brancos, caboclos, bugres e
índios, acrescentando o contra-ponto das visitas esporádicas de Frei
Lothar, representante de uma religiosidade cristã há muito afastada das
primitivas leis disciplinatórias da Igreja de Cristo?
De
acordo com a minha assertiva anterior, o Caronte/Pierre Bataillon (assim
como o Ribamar de Sousa) é o barqueiro-guardião do mistério númico.
Para solucioná-lo, Pierre Bataillon (acompanhado pelo narrador Ribamar
de Sousa, momentaneamente atingido pelos valores do inconsciente do
narrador principal) avançou “na parte mais secreta da floresta”,
penetrou a região dos Numas, de barco (imaginário que seja), costeou “os
limites imprecisos da morte”, ofereceu miçangas e outros objetos aos
Numas e estes não aceitaram a oferenda (ritual mítico-religioso), e,
assim, os Numas continuaram Numes (seres espiritualizados), e Pierre,
apesar da recusa numística, postou-se poderosamente humanizado,
tornou-se o guardião de um segredo concernente ao homem da floresta - o
índio, o retirante nordestino, o caboclo e o bugre - enquanto
personalidade ativada.
Então, vou ao mistério: Pierre
Bataillon dominava o homem da floresta (o povo silvícola subjugado
residente no Manixi), mas não pode dominar os Numas enquanto seres
espiritualizados. E eis a pergunta a incomodar a História do grandioso
Amazonas, a História do imenso Brasil, a incomodar principalmente o(s)
narrador(es) ficcionais pós-modernos: Como um pequenino estrangeiro
europeu, pode dominar a nação Caxinauá (nação silvícola brasileira) e
não conseguiu dominar os Numas/Numes (espaço universal)? “Entre a tropa
de guerra [os Caxinauás domesticados de Pierre Bataillon] e a floresta
dos Numas se estabelecia uma reciprocidade tática de respeito e de
raivas”. A “tropa de guerra” já não possuía a floresta como lar, seus
componentes, os Caxinauás domesticados, submissos a um tirano
pré-capitalista, eram a milícia da “floresta”/prisão de Pierre
Bataillon. “Os Numas, não”. Os voluntariosos Numas ainda tinham a
Floresta do Fim do Mundo como lar, pois eram livres. Por tais motivos,
não havia canal entre o Manixi social e os Numas/Numes, enquanto
dimensões substanciais diferentes, alternadas e não compatibilizadas.
O fogo da labareda da serpente (Sobre O AMANTE DAS AMAZONAS, de Rogel Samuel)
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