“Paxiúba, emblema da Amazônia amontoada e brutal,
sombria, desconhecida, nociva”.[i]
Por que o narrador visualiza “Paxiúba (como) emblema da Amazônia amontoada e
brutal, sombria, desconhecida, nociva”? Paxiúba é o símbolo do guerreiro
mítico, gerado por seres excepcionais: a índia caxinauá e o negro barbadiano. O
pai de Paxiúba, para o projeto mítico-ficcional em questão, teria de ter uma
ascendência diferenciada, notável. Paxiúba teria de ser oriundo da fusão do
lendário indígena com o fantástico do imaginário africano. Há poucos negros no
Estado do Amazonas. O “pai” teria de se constituir diferente dos outros pais
das miscigenações usuais da realidade dos costumes amazonenses. O caboclo,
originário da mistura entre o índio e o branco, não possui o porte, o vigor
deste personagem. Paxiúba é o “emblema”, o símbolo dos poucos “bugres”,
representantes da raça forte que por ali transita. Para a “Amazônia amontoada e
brutal, sombria, desconhecida, nociva”, o autor reserva os símbolos
depreciativos. “Amazônia amontoada”: todos os estratos sociais (brasileiros e
universais) que para ali vão, em busca de riqueza fácil. “Amazônia brutal”:
espaço geográfico onde se digladiam, em prol do rendimento pecuniário, seres
grosseiros e violentos, já maculados pelas regras insanas do capitalismo
selvagem. “Amazônia sombria”: receptáculo de seres tristes, lúgubres,
despóticos, capazes de quaisquer ações de conseqüências desagradáveis para
alcançarem seus intentos progressistas. “Amazônia desconhecida”: espaço
geográfico ignorado politicamente (pelo menos, durante a ocasião do
desenvolvimento do projeto ficcional), “terra de ninguém” onde se faz presente
a lei do preferencialmente forte, social e miticamente apresentada. “Amazônia
nociva”: Amazônia em que todos estes danos, apresentados pelo narrador, ameaçam
destruir a hegemonia da nação brasileira. Paxiúba é o “emblema” (símbolo)
porque, por intermédio de sua face sócio-substancial, duplicada pela ficção, o
narrador o coloca como “pistoleiro do rei”, o capanga profissional, o assecla
do poderoso dono do Manixi. E, para ser o “emblema” do Amazonas e sustentar a
honraria, o candidato ao cargo e ao título teria (terá) de ostentar (mesmo que
não fosse / que não seja imortal) a poderosa face do mito.
“Paxiúba,
pistoleiro do rei”. A partir desta assertiva, inicia-se a transformação
dimensional do personagem. O semi-humano Paxiúba foi apresentado aos leitores,
anteriormente, à moda dos lendários heróis mitificados, mas, como assecla do
poderoso dono do Manixi, vigorará, daqui para frente, como personagem da
dimensão sócio-substancial. A proposta ficcional do escritor amazonense não lhe
concedeu o direito de gloriosamente retornar à (retomar a) dimensão mítica, uma
vez que Paxiúba não é herói de narrativa épica. Mesmo assim, até aqui, os
adjetivos abonadores caracterizam o herói lendário, e os adjetivos que não
combinam com a aura do mito saem da perspectiva diferenciada do escritor da
segunda fase do pós-modernismo brasileiro de Segunda Geração. Neste interregno
mítico-ficcional, Paxiúba caracteriza o “soldado”, o assecla, o jagunço, o
matador profissional, o lugar-tenente dos antigos e poderosos donos-de-terra do
Brasil, regidos há bem pouco tempo por normas políticas imperiais.
“E naqueles
mesmos dias ocorreram grandes fatos em outros lugares e horas, históricos e decisivos para a sucessão
desta ficção e que relatarei no momento oportuno, mais que para tanto ainda
tenho de revelar surpresas de muitos outros ocorridos”[ii].
O desenrolar narrativo de “grandes fatos (...) históricos e decisivos” e as
“surpresas de muitos outros ocorridos” ficcionais, daqui para frente, serão
relatadas pelo segundo e principal narrador, estrategicamente fortalecido pelo
incomum imaginário-em-aberto do escritor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário