No entanto, este narrador da pós-modernidade, narrador
do escritor do final do século XX e princípio do século XXI, querendo ou não,
pois se vê envolvido pelas diferenciadas normas ficcionais de seu momento
social, terá de se valer da técnica do
olhar simulador para apresentar o
Manixi, o espaço sócio-ficcional de sua narrativa. Assim, o Palácio do Manixi e
as terras que o rodeiam terão de aparecer em toda a sua grandiosidade e
imponência, à moda dos simulacros
televisivos e cinematográficos que imperaram (imperam) em sua atualidade. Por
enquanto, a saída digna, irrepreensível, para que, posteriormente, o verdadeiro
narrador possa desmistificar a sua própria realidade vital e a sua outra
diferenciada realidade sócio-ficcional, é buscar nos domínios do mito uma
diretriz qualificada que apresente, aos leitores do momento e aos leitores do
futuro, a suntuosidade exigida pelo hodierno momento histórico das grandezas
simuladas. O arcabouço mítico será sempre uma dimensão que em todo tempo
satisfará tais requisitos. Paxiúba é o guardião da chave. O narrador terá de
elevá-lo à categoria de herói mítico-ficcional. No entanto, como semi-humano, o
seu aparecer glorioso, ao longo da
segunda etapa da narrativa, não representará um simulacro. A verdade da
ficção-arte do Pós-Moderno/Pós-Modernismo de Segunda Geração ultrapassa os
limites da simulação do fingir
depreciativo (simulacro), para, em seguida, alcançar a glória do fingir da literatura-arte (recriar). E
convenhamos: são poucos os escritores eleitos para tal missão, neste tempo
presente de incomuns calamidades.
“Mas o olho burro tudo vê, e registra (...)”. O
teórico da literatura de orientação fenomenológica, neste início de século e de
milênio, não poderá desprestigiar as expressões ficcionais que o “incomodam”.
Por que “olho burro”? Será que este “olho burro” representa o olhar do primeiro
narrador, um ser híbrido, resultante do cruzamento entre o telúrico e o
espetaculoso, aquele representante dos narradores que vêem em demasia? Mas, a
realidade ficcional do século XX e início do século XXI está ali a exigir-lhe
(ao narrador da primeira fase ficcional) um cenário grandioso para apresentação
do personagem mítico que se aproxima. Então, quem tem consciência desse “olho
burro” é o segundo narrador, possivelmente, narrador de um terceiro narrador, o
qual intui, por sua vez, uma possível quarta chave (imaterial), propiciadora de
uma insólita condução para o quarto cogito, onde se percebe o Tempo Espiritual.
(Esse terceiro narrador se encontra muito bem camuflado nas tramas ficcionais
do romance, nesses primeiros capítulos da narrativa). Ou será que “olho burro”
representa outra expressão já conhecida, ou seja, “dar com os burros n’água”, o
que, em outras palavras, significaria a perda momentânea do poder narrativo
singular, exclusivo da ficção paradigmática. O olho do escritor-artista paradigmático não “registra”, recria a
realidade que o cerca. No entanto, continuo aqui a resistir às assertivas
ficcionais rogelianas. Se me atenho à idéia de uma afirmação diferenciada,
consciente da capacidade criativa do escritor, infiro que o “olhar” esclarecido,
intelectual, do segundo narrador, acompanha por sua vez a perspectiva visual do
primeiro narrador. O “olho burro tudo vê, e registra ele-mesmo” a aproximação
de Paxiúba, “remando silencioso e feroz pela face da manhã, no luxo de frente
do porto do Laurie Costa”, criativamente secundado pelo olhar talentoso do
escritor ficcional da pós-modernidade. Os narradores sintagmáticos não possuem
tal visão diferenciada. Assim, o “olho burro”, explícito na narrativa
rogeliana, sublinearmente e paradoxalmente, se transforma em “olho
inteligente”, se for avaliado pelo ponto de vista do crítico fenomenológico.
Por meio de um narrar paradoxal, o incomum ficcionista de O Amante das Amazonas revelou (revela e revelará), aos
“incomodados” leitores de seu romance, a indiscutível qualidade de sua ficção.
O “olhar inteligente” do narrador, nesta segunda fase
da criação ficcional, se sustentará pela ligação da forma de expressão da
linguagem mítica com as inovações da linguagem ficcional da pós-modernidade.
Assim, o nomear enigmático colabora
com o narrado pós-moderno, oferecendo-lhe, nesta segunda etapa do romance, um
princípio ficcional à moda do narrar mítico-lendário, mas, paradoxalmente,
imbuído de expressões dialetais familiarizadas. “Pois sim. Que diz-que Paxiúba
era filho de um negro barbadiano da Madeira-Mamoré com uma índia Caxinauá que
não conheci, e se tornou lendário e eterno”.[i]
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