quinta-feira, 13 de março de 2014

Neuza Machado: Esplendor e decadência do império amazônico


Neuza Machado: Esplendor e decadência do império amazônico

 

Sobre o romance O amante das amazonas de Rogel Samuel

 

Ribamar de Sousa: O Ficcional Personagem-Representante do Capitalismo Decadente da Cidade de Manaus

 

 

Assinalo a palavra “solidamente”, porque ela está destacada no romance de Rogel Samuel. A fortuna do personagem ficcional Ribamar de Souza, por vários motivos, é sólida. O dinheiro que amealhou, posteriormente, em Manaus, não poderá ser conceituado historicamente como ilegal. O fato de ter transformado as casas da Rua Frei José dos Inocentes ─ hipotecadas por Juca das Neves ─ em “puteiro”, não desmerece historicamente o talento comercial do personagem. À época, tal comércio, era considerado aceitável. Em verdade, a Rua das Flores ─ em sua exterioridade, como retrato ficcional da prostituição, ou mesmo interiormente, enquanto criação literária ─ realça um dos maiores negócios da crise amazonense pós-borracha.

O que ocorreu na tenção ficcional rogeliana: Depois do falecimento de Juca das Neves, Ribamar de Souza, como sócio do patrão, herda as dívidas do velho, resgata as hipotecas e compra os terrenos da Rua Frei José dos Inocentes, transformando-os em “puteiro”. Por meio de uma transação comercial com a dona do prostíbulo de Transvaal, traslada as “meninas” de “D. Conchita” para Manaus. Posteriormente, induzido naturalmente por Maria Caxinauá (que o enviou para Manaus, depois do declínio econômico do Seringal Manixi), casa-se com Diana d’Artigues, neta da Caxinauá, herdando ─ por intermédio do casamento ─ a fortuna “roubada” pela índia, e, com isto, tornando-se um dos maiores novos ricos da Cidade.

Páginas atrás, afirmei que não considero a apropriação das libras esterlinas de Ifigênia Vellarde, por parte de Maria Caxinauá, como roubo. Reflito conscientemente que tal fortuna pertencia aos índios caxinauás e aos trabalhadores seringueiros (os quais eram escravizados pelo dono do Seringal), portanto, os verdadeiros fraudulentos que se apoderaram do alheio foram os invasores seringalistas, no princípio, filiados ao iniciante “capitalismo selvagem” de base familiar. Bem enlevada na extremidade de minha binária consciência reflexiva ─ refletindo os “juízos afirmativos” e os “juízos negativos” de minha própria realidade social, a realidade social deste início de século XXI, e propensa a “juízos de descoberta”, sejam eles vitais ou ficcionais (cf. Gaston Bachelard) ─, entendo o “roubo” de Maria Caxinauá, assinalado ficcionalmente por Rogel Samuel, pelo prisma do antigo descamisado e escravizado perdedor e atual ganhador.

Contudo, retomando a questão de difícil explicação ─ sobre a fortuna do personagem ─, graças à sua inteligência comercial e ao casamento com a neta abastada de Maria Caxinauá, o ex-retirante pernambucano Ribamar de Souza, torna-se uma personalidade no cenário político manauara, extensivo ao cenário político do Brasil, um momento, certamente e extratexto, de pós-Ditadura Militar (se me aproprio convenientemente das informações sublineares, referentes à passagem do tempo vital, decalcadas no romance de Rogel Samuel). Nas páginas finais do romance, o plenipotenciário da terceira fase da narrativa de Rogel Samuel, aquele que centraliza poderosamente o relato, filia-se a um partido político da região e consegue elevar-se ao cargo de Senador da República e, de modo inclusivo, “apontado como uma das figuras mais sólidas de Manaus e inimigo político do Comendador Gabriel e de seu ex-genro”.

Por ser o relato rogeliano representativo da criativa entropia pós-moderna/pós-modernista dos anos finais do século passado, reflito a atuação do personagem Ribamar, nesta terceira fase desta diferenciada narrativa ficcional ─ ficção pós-moderna/pós-modernista de Segunda Geração ─, como personagem-representante das duas fases do Capitalismo Selvagem aclimatados na Cidade de Manaus ─ no Brasil ─ ao longo do século XX. Em um primeiro momento ─ representativo do capitalismo de base familiar ─, atuando como um subordinado; posteriormente, destaca-se como um dos baluartes do capitalismo industrializado, inclusive como representante comercial, no Amazonas, da indústria norte-americana das máquinas de costura Singer.

 Nos anos finais do referido século, a idéia de globalização se solidificou no mundo, o que ocasionou, posteriormente, o aparecimento de uma fase de transição comercial, industrial e política mais de acordo com os ideais sócio-históricos da pós-modernidade.


Finalizando este capítulo, penso ─ extratexto, certamente, uma vez que a proposição ficcional pós-modernista de Rogel Samuel, reconhecidamente criativa, obsta decodificações vitais ─ que o personagem em questão, nesta terceira fase do romance, foi baseado possivelmente em alguma figura real da Cidade de Manaus, ou seria ele um somatório dos muitos políticos desta recente pós-modernidade, quase todos provindos de famílias humildes e alcançando o panteón da glória político-social. Como já refleti alhures, já nos anos finais do século XX, os herdeiros de sobrenomes notáveis, herdeiros das anteriores grandes famílias políticas ─ herdeiros dos “coronéis” do sertão, ou seja, das regiões of hinterland do Brasil, “majores”, etc., todos possuindo títulos honoríficos comprados ─, com raras exceções, foram relegados ao ostracismo político, perderam o poder do apelido familiar. Os novos políticos brasileiros, os atuais, poderão ser conceituados a posteriori como uma pioneira leva de detentores dos recentíssimos negócios públicos, todos eles almejando o reconhecimento sócio-político de seus sobrenomes familiares, inventados ou não. São eles, esses “humildes” que alcançaram o poder sócio-político, neste início de pós-modernidade, primitivos troncos de um Novíssimo Tempo, e seus herdeiros, em um Futuro Logo-Ali, se considerarão os “donos” das novas leis sociais. Enfim, se o aparato mítico tradicional é algo inerente ao ser humano, seja ele primitivo ou civilizado, a temática do intermitente sempre renomeado “eterno retorno” continuará atuando nas gerações futuras.

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