Neuza
Machado: Esplendor e decadência do império amazônico
Sobre
o romance O amante das amazonas de
Rogel Samuel
Ribamar de Sousa: O Ficcional Personagem-Representante do
Capitalismo Decadente da Cidade de Manaus
Assinalo a
palavra “solidamente”, porque ela está destacada no romance de Rogel Samuel. A
fortuna do personagem ficcional Ribamar de Souza, por vários motivos, é sólida.
O dinheiro que amealhou, posteriormente, em Manaus, não poderá ser conceituado
historicamente como ilegal. O fato de ter transformado as casas da Rua Frei
José dos Inocentes ─ hipotecadas por Juca das Neves ─ em “puteiro”, não
desmerece historicamente o talento comercial do personagem. À época, tal
comércio, era considerado aceitável. Em verdade, a Rua das Flores ─ em sua exterioridade,
como retrato ficcional da prostituição, ou mesmo interiormente, enquanto
criação literária ─ realça um dos maiores negócios da crise amazonense
pós-borracha.
O que ocorreu
na tenção ficcional rogeliana: Depois do falecimento de Juca das Neves, Ribamar
de Souza, como sócio do patrão, herda as dívidas do velho, resgata as hipotecas
e compra os terrenos da Rua Frei José dos Inocentes, transformando-os em
“puteiro”. Por meio de uma transação comercial com a dona do prostíbulo de
Transvaal, traslada as “meninas” de “D. Conchita” para Manaus. Posteriormente,
induzido naturalmente por Maria Caxinauá (que o enviou para Manaus, depois do
declínio econômico do Seringal Manixi), casa-se com Diana d’Artigues, neta da Caxinauá,
herdando ─ por intermédio do casamento ─ a fortuna “roubada” pela índia, e, com
isto, tornando-se um dos maiores novos ricos da Cidade.
Páginas
atrás, afirmei que não considero a apropriação das libras esterlinas de
Ifigênia Vellarde, por parte de Maria Caxinauá, como roubo. Reflito
conscientemente que tal fortuna pertencia aos índios caxinauás e aos
trabalhadores seringueiros (os quais eram escravizados pelo dono do Seringal),
portanto, os verdadeiros fraudulentos que se apoderaram do alheio foram os
invasores seringalistas, no princípio, filiados ao iniciante “capitalismo
selvagem” de base familiar. Bem enlevada na extremidade de minha binária
consciência reflexiva ─ refletindo os “juízos afirmativos” e os “juízos
negativos” de minha própria realidade social, a realidade social deste início
de século XXI, e propensa a “juízos de descoberta”, sejam eles vitais ou
ficcionais (cf. Gaston Bachelard) ─, entendo o “roubo” de Maria Caxinauá,
assinalado ficcionalmente por Rogel Samuel, pelo prisma do antigo descamisado e
escravizado perdedor e atual ganhador.
Contudo,
retomando a questão de difícil explicação ─ sobre a fortuna do personagem ─,
graças à sua inteligência comercial e ao casamento com a neta abastada de Maria
Caxinauá, o ex-retirante pernambucano Ribamar de Souza, torna-se uma
personalidade no cenário político manauara, extensivo ao cenário político do
Brasil, um momento, certamente e extratexto, de pós-Ditadura Militar (se me
aproprio convenientemente das informações sublineares, referentes à passagem do
tempo vital, decalcadas no romance de Rogel Samuel). Nas páginas finais do
romance, o plenipotenciário da terceira fase da narrativa de Rogel Samuel,
aquele que centraliza poderosamente o relato, filia-se a um partido político da
região e consegue elevar-se ao cargo de Senador da República e, de modo
inclusivo, “apontado como uma das figuras mais sólidas de Manaus e inimigo
político do Comendador Gabriel e de seu ex-genro”.
Por ser o
relato rogeliano representativo da criativa entropia pós-moderna/pós-modernista
dos anos finais do século passado, reflito a atuação do personagem Ribamar,
nesta terceira fase desta diferenciada narrativa ficcional ─ ficção
pós-moderna/pós-modernista de Segunda Geração ─, como personagem-representante
das duas fases do Capitalismo Selvagem aclimatados na Cidade de Manaus ─ no
Brasil ─ ao longo do século XX. Em um primeiro momento ─ representativo do
capitalismo de base familiar ─, atuando como um subordinado; posteriormente,
destaca-se como um dos baluartes do capitalismo industrializado, inclusive como
representante comercial, no Amazonas, da indústria norte-americana das máquinas
de costura Singer.
Nos anos finais do referido século, a idéia de
globalização se solidificou no mundo, o que ocasionou, posteriormente, o
aparecimento de uma fase de transição comercial, industrial e política mais de
acordo com os ideais sócio-históricos da pós-modernidade.
Finalizando
este capítulo, penso ─ extratexto, certamente, uma vez que a proposição
ficcional pós-modernista de Rogel Samuel, reconhecidamente criativa, obsta
decodificações vitais ─ que o personagem em questão, nesta terceira fase do
romance, foi baseado possivelmente em alguma figura real da Cidade de Manaus,
ou seria ele um somatório dos muitos políticos desta recente pós-modernidade,
quase todos provindos de famílias humildes e alcançando o panteón da glória
político-social. Como já refleti alhures, já nos anos finais do século XX, os
herdeiros de sobrenomes notáveis, herdeiros das anteriores grandes famílias
políticas ─ herdeiros dos “coronéis” do sertão, ou seja, das regiões of
hinterland do Brasil, “majores”, etc., todos possuindo títulos honoríficos comprados
─, com raras exceções, foram relegados ao ostracismo político, perderam o poder
do apelido familiar. Os novos políticos brasileiros, os atuais, poderão ser
conceituados a posteriori como uma pioneira leva de detentores dos
recentíssimos negócios públicos, todos eles almejando o reconhecimento
sócio-político de seus sobrenomes familiares, inventados ou não. São eles,
esses “humildes” que alcançaram o poder sócio-político, neste início de
pós-modernidade, primitivos troncos de um Novíssimo Tempo, e seus herdeiros, em
um Futuro Logo-Ali, se considerarão os “donos” das novas leis sociais. Enfim,
se o aparato mítico tradicional é algo inerente ao ser humano, seja ele
primitivo ou civilizado, a temática do intermitente sempre renomeado “eterno
retorno” continuará atuando nas gerações futuras.
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