Neuza
Machado: Esplendor e decadência do império amazônico
Sobre
o romance O amante das amazonas de
Rogel Samuel
Ribamar de Sousa: O Ficcional Personagem-Representante do
Capitalismo Decadente da Cidade de Manaus
No caso do
livro de Rogel Samuel, “os saberes locais” amazonenses foram obrigados a uma
temporária retirada de cena, e, com isto, submetidos ao renovado capitalismo
industrializado, conhecido pelo nome de Zona Franca de Manaus e realçado
criativamente no romance O Amante das Amazonas, em sua terceira fase. A
“crise” posta em evidência pelo narrador rogeliano, “o apagar do apogeu
capitalista”, simplesmente demonstra que, no primeiro momento do capitalismo de
base familiar, a extração da borracha já não era do interesse da Matriz
Capitalista Pioneira, aquela que, verdadeiramente, dominava os proprietários
seringalistas. A chamada Zona Franca ilumina-se a partir do segundo segmento do
“capitalismo selvagem” industrial, e, pelos mesmos motivos que levaram à
bancarrota os grandes seringalistas amazonenses, como o personagem Pierre
Bataillon, assinala-se o desaparecimento da Zona Franca de Manaus (a decadência
do “Armazém das Novidades”, a decadência de seu proprietário Juca das Neves),
atualmente, neste século XXI, totalmente despersonalizada. Por conseqüência, e
pelo meu ponto de vista, o personagem Ribamar de Souza, da terceira fase do
romance de Rogel Samuel, assinala uma terceira etapa de poder e riqueza
individual na região amazonense: o poder político.
A questão de todas estas
genealogias é: o que é o poder, o poder cuja irrupção, força, dimensão e
absurdo apareceram concretamente nestes últimos quarenta anos, com o
desmoronamento do nazismo e o recuo do estalinismo? O que é o poder, ou melhor
─ pois a questão o que é o poder seria uma questão teórica que coroaria o
conjunto, o que eu não quero ─ quais são, em seus mecanismos, em seus efeitos,
em suas relações, os diversos dispositivos de poder que se exercem a níveis
diferentes da sociedade, em domínios e em extensões tão variados? Creio que a questão
poderia ser formulada assim: a análise do poder ou dos poderes pode ser, de uma
maneira ou de outra, deduzida da economia?[i]
Então, por
via foucaultiana, retomo algumas questões já levantadas anteriormente. “A
Amazônia ficou sem 80% da sua economia”, ou seja, por intermédio da demanda
capitalista, que só visava ao lucro e à grandeza de um único “saber” enérgico
do chamado Primeiro Mundo, a Amazônia, retratada e recriada pelo escritor Rogel
Samuel, tornou-se “um deserto morto, estéril, sobre a planície encharcada numa
crise que durou meio século”. A citação foucaultiana eleva-se preciosa. Por
meio dela, poderia refletir aqui a questão da “irrupção” do poder capitalista,
o qual dominou inteiramente o século XX, além de dominar os países do Terceiro
Mundo, incluindo o Brasil. Abstenho-me da reflexão, uma vez que as palavras de
Michel Foucault exprimem com intensa propriedade a minha permanente angústia terceiromundista,
enquanto brasileira consciente dos “absurdos” histórico-sociais que “apareceram
concretamente nestes últimos [setenta e poucos] anos, com o desmoronamento” de
muitos núcleos sociais, mundiais, em favor de um único poder capitalista.
Entretanto, admito que a minha abstenção se faz viável, porque já visualizo
modificações (transformações) no cenário histórico-social destes anos iniciais
do século XXI. Penso que o personagem Ribamar de Souza, criado por meio da
inventiva especialíssima de Rogel Samuel, poderia/poderá ser realçado como
sinalizador destas transformações, em seus aspectos particulares e universais,
ou seja, além das fronteiras do “saber local” amazonense e brasileiro.
Depois de alguns anos
Ribamar de Souza não só resgatou as dívidas da firma como começou a liberar as
casas, sob penhor, e não só as da Frei José dos Inocentes, como a da Rua
Barroso, e o próprio prédio do Armazém, que ficou durante todo aquele
tempo fechado. Ribamar, com o auxílio de Juca das Neves, modernizou o Armazém
das Novidades, passando a representar vários produtos norte-americanos,
como as máquinas de costura Singer ─ de enorme popularidade. Ribamar expandiu
os negócios e começou a ameaçar o império comercial da poderosa família
Gonçalves da Cunha e de seu ex-genro Antônio Ferreira.
Anos depois Ribamar de Sousa
era apontado como uma das figuras mais sólidas de Manaus e inimigo político do
Comendador Gabriel e de seu ex-genro. O velho Gabriel perdera o prestígio na
Capital Federal. Havia um mistério envolvendo a origem do poder de Ribamar de Sousa que ninguém
conseguia saber.[ii]
Nas páginas
finais do romance de Rogel Samuel, o personagem (anteriormente, primeiro
narrador) passa a representar a burguesia manauara pós-borracha, ou seja, será
ele o representante da burguesia comercial da Zona Franca, a qual, já naquele
momento, estava também, por sua vez, em decadência. Em verdade, o representante
de fato da decadente burguesia comercial manauara é o personagem Juca das
Neves, o falido proprietário do “Armazém das Novidades”. Penso que o Ribamar
(d’Aguirre) de Souza vai além, como representante da burguesia comercial e
política de uma diferenciada sociedade manauara (um novo rico; um paupérrimo
retirante nordestino que enriqueceu “solidamente” e tornou-se Senador da
República).
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