quinta-feira, 13 de março de 2014

Neuza Machado: O poder político

Neuza Machado: Esplendor e decadência do império amazônico
 
Sobre o romance O amante das amazonas de Rogel Samuel
 
Ribamar de Sousa: O Ficcional Personagem-Representante do Capitalismo Decadente da Cidade de Manaus
 
 
 
 
No caso do livro de Rogel Samuel, “os saberes locais” amazonenses foram obrigados a uma temporária retirada de cena, e, com isto, submetidos ao renovado capitalismo industrializado, conhecido pelo nome de Zona Franca de Manaus e realçado criativamente no romance O Amante das Amazonas, em sua terceira fase. A “crise” posta em evidência pelo narrador rogeliano, “o apagar do apogeu capitalista”, simplesmente demonstra que, no primeiro momento do capitalismo de base familiar, a extração da borracha já não era do interesse da Matriz Capitalista Pioneira, aquela que, verdadeiramente, dominava os proprietários seringalistas. A chamada Zona Franca ilumina-se a partir do segundo segmento do “capitalismo selvagem” industrial, e, pelos mesmos motivos que levaram à bancarrota os grandes seringalistas amazonenses, como o personagem Pierre Bataillon, assinala-se o desaparecimento da Zona Franca de Manaus (a decadência do “Armazém das Novidades”, a decadência de seu proprietário Juca das Neves), atualmente, neste século XXI, totalmente despersonalizada. Por conseqüência, e pelo meu ponto de vista, o personagem Ribamar de Souza, da terceira fase do romance de Rogel Samuel, assinala uma terceira etapa de poder e riqueza individual na região amazonense: o poder político.
 
A questão de todas estas genealogias é: o que é o poder, o poder cuja irrupção, força, dimensão e absurdo apareceram concretamente nestes últimos quarenta anos, com o desmoronamento do nazismo e o recuo do estalinismo? O que é o poder, ou melhor ─ pois a questão o que é o poder seria uma questão teórica que coroaria o conjunto, o que eu não quero ─ quais são, em seus mecanismos, em seus efeitos, em suas relações, os diversos dispositivos de poder que se exercem a níveis diferentes da sociedade, em domínios e em extensões tão variados? Creio que a questão poderia ser formulada assim: a análise do poder ou dos poderes pode ser, de uma maneira ou de outra, deduzida da economia?[i]
 
Então, por via foucaultiana, retomo algumas questões já levantadas anteriormente. “A Amazônia ficou sem 80% da sua economia”, ou seja, por intermédio da demanda capitalista, que só visava ao lucro e à grandeza de um único “saber” enérgico do chamado Primeiro Mundo, a Amazônia, retratada e recriada pelo escritor Rogel Samuel, tornou-se “um deserto morto, estéril, sobre a planície encharcada numa crise que durou meio século”. A citação foucaultiana eleva-se preciosa. Por meio dela, poderia refletir aqui a questão da “irrupção” do poder capitalista, o qual dominou inteiramente o século XX, além de dominar os países do Terceiro Mundo, incluindo o Brasil. Abstenho-me da reflexão, uma vez que as palavras de Michel Foucault exprimem com intensa propriedade a minha permanente angústia terceiromundista, enquanto brasileira consciente dos “absurdos” histórico-sociais que “apareceram concretamente nestes últimos [setenta e poucos] anos, com o desmoronamento” de muitos núcleos sociais, mundiais, em favor de um único poder capitalista. Entretanto, admito que a minha abstenção se faz viável, porque já visualizo modificações (transformações) no cenário histórico-social destes anos iniciais do século XXI. Penso que o personagem Ribamar de Souza, criado por meio da inventiva especialíssima de Rogel Samuel, poderia/poderá ser realçado como sinalizador destas transformações, em seus aspectos particulares e universais, ou seja, além das fronteiras do “saber local” amazonense e brasileiro.
 
Depois de alguns anos Ribamar de Souza não só resgatou as dívidas da firma como começou a liberar as casas, sob penhor, e não só as da Frei José dos Inocentes, como a da Rua Barroso, e o próprio prédio do Armazém, que ficou durante todo aquele tempo fechado. Ribamar, com o auxílio de Juca das Neves, modernizou o Armazém das Novidades, passando a representar vários produtos norte-americanos, como as máquinas de costura Singer ─ de enorme popularidade. Ribamar expandiu os negócios e começou a ameaçar o império comercial da poderosa família Gonçalves da Cunha e de seu ex-genro Antônio Ferreira.
 
Anos depois Ribamar de Sousa era apontado como uma das figuras mais sólidas de Manaus e inimigo político do Comendador Gabriel e de seu ex-genro. O velho Gabriel perdera o prestígio na Capital Federal. Havia um mistério envolvendo a origem do poder de Ribamar de Sousa que ninguém conseguia saber.[ii]
 
Nas páginas finais do romance de Rogel Samuel, o personagem (anteriormente, primeiro narrador) passa a representar a burguesia manauara pós-borracha, ou seja, será ele o representante da burguesia comercial da Zona Franca, a qual, já naquele momento, estava também, por sua vez, em decadência. Em verdade, o representante de fato da decadente burguesia comercial manauara é o personagem Juca das Neves, o falido proprietário do “Armazém das Novidades”. Penso que o Ribamar (d’Aguirre) de Souza vai além, como representante da burguesia comercial e política de uma diferenciada sociedade manauara (um novo rico; um paupérrimo retirante nordestino que enriqueceu “solidamente” e tornou-se Senador da República).
 


[i] FOUCAULT, Michel, 1990: 172 - 173.
[ii] SAMUEL, Rogel, 2005: 143.

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