sábado, 29 de março de 2014

FERREIRA



NEUZA MACHADO: O FOGO DA LABAREDA DA SERPENTE


SOBRE O AMANTE DAS AMAZONAS DE ROGEL SAMUEL

No capítulo intitulado CINCO: FERREIRA, especialmente, o segundo narrador alcançou o que Bachelard denomina de “pensamentos de pura estética”, pensamentos situados no terceiro cogito da consciência singular, em outras palavras, pensamentos de transcendência formal. Por este ângulo, o criador ficcional sobrepujou os limites impostos pelas diversas leituras (foram dez anos de pesquisa), “pelas formas, através do apelo às formas”, por intermédio de uma intrigante “dialética temporal”. A apresentação de Pierre Bataillon não é uma simples identificação e qualificação de um personagem importante ao decurso narrativo. Pierre Bataillon é o símbolo dos primeiros capitalistas estrangeiros que povoaram a região amazonense, inclusive, símbolo das raízes estrangeiras da região. Em sua pessoa ficcional se concentra, além da exuberância dessas antigas figuras políticas, a questão de uma passada economia oriunda da extração da borracha, anterior ao momento culminante da Zona Franca de Manaus.
O  capítulo intitulado CINCO: FERREIRA é uma referência ao personagem Antônio Ferreira, advogado, “agente e sucessor dos negócios do riquíssimo velho” [Comendador Gabriel Gonçalves da Cunha, seu sogro], (...) “um menino”, um “meninão branco, mãos delicadamente tratadas, cabelos anelados, negros, caindo aos cachos sobre os aros de ouro dos óculos”. Antônio Ferreira aglutina em si todos os aventureiros-espertalhões que transitaram por Manaus nos anos iniciais do progresso amazônico, e ali enriqueceram (muitos, por intermédio de casamentos por conveniência).
O capítulo processa-se por meio do discurso da duração atuante (o que os críticos, avaliadores de grandes epopéias, denominam como presente histórico). O advogado Ferreira é/será um elo importante para o desenrolar do relato ficcional, porque, por exigências do narrar pós-moderno/pós-modernista de Segunda Geração, sua figura fará parte dos personagens/“corruptos” mais leais “ao tipo de capitalismo ali praticado, na época”. Somente este personagem, aparentemente passageiro ao longo do romance, ofereceria matéria importante sobre o assunto que ora está a movimentar-me, neste meu capítulo sobre o Capitalismo Primitivo do Império Amazônico em oposição aos Limites Ilimitados do Manixi Ficcional. Entretanto, o personagem de valia às minhas reflexões é Pierre Bataillon, inserido, por sua vez, no reduto dilatado do personagem maior da ficção rogeliana: o Seringal Manixi.
Ao idealizar ficcionalmente o personagem Pierre Bataillon, o senhor das terras do Manixi (a ilimitada, inominável, espetacular dimensão ficcional deste primeiro espaço geográfico de O Amante das Amazonas), o ficcionista de origem manauara o colocou em uma realidade extravital, oriunda de um imaginário-em-aberto dimensionado, caracterizando assim o pano de fundo das narrativas da pós-modernidade, propensas à manifestação de cenários grandiosos (aquilo que os críticos atuais chamam de simulacro ficcional).




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