domingo, 16 de março de 2014

NEUZA MACHADO: DO PENSAMENTO CONTÍNUO À TRANSCENDÊNCIA FORMAL

NEUZA MACHADO: DO PENSAMENTO CONTÍNUO À TRANSCENDÊNCIA FORMAL
 
 
 
 
Restabelecendo um importante juízo de Bachelard, registrado em seu livro A DIALÉTICA DA DURAÇÃO, no qual admite a possibilidade de intervalos temporais propiciando o surgimento de obstáculos, desvios, impedimentos, que poderão ou não quebrar as cadeias causais (ou seja, entre causa e efeito há sempre uma intervenção de acontecimentos possíveis que não estão ligados ao dado causal), colocarei aqui em evidência meus pensamentos dialetizados, situando-os exatamente nesse plano de probabilidades. Este meu ponto de vista teórico-crítico, interagindo aqui com a filosofia bachelardiana, é uma teoria não-causal no plano da Arte, uma vez que estarei buscando novas argumentações críticas (transmutando pensamentos já avaliados, aspirando a uma renovação nos atuais estudos da literatura brasileira), próximas de nossa realidade cultural, objetivando desenvolver um intercâmbio de idéias comunitárias com nossos artistas literários.
 
Não estarei presa simplesmente à causa, mas interessada em ultrapassar os obstáculos, visando muito mais o que poderá surgir como novidade no âmbito da Teoria ou da Crítica Literária, neste início de Terceiro Milênio. Penso assim movimentar-me para um novo início teórico-crítico, que abarque a realidade literária da qual faço parte, como leitora-intérprete consciente da urgência de invenção de uma variante crítica autóctone que acompanhe a criação literária de nossos escritores. Uma teoria causal, objetivando um fim imediato, por ora, seria impossível, devido aos inevitáveis obstáculos, mas nada irá impedir-me de aventurar-me nas veredas das probabilidades quantificadas, probabilidades estas que darão conta posteriormente dos resultados que procuro obter.
 
Nestas páginas iniciais, é necessário esclarecer que o meu envolvimento intelectual com a filosofia bachelardiana surgiu de uma íntima recusa em seguir fielmente os modelos europeus, analítico-cientificistas, de como se desenvolver um estudo literário. É importante realçar que esses modelos foram projetados para o estudo de obras literárias voltadas para a realidade européia, as quais, em absoluto, não se ajustam à nossa realidade. As pesquisas acadêmicas, sobre a literatura brasileira, deveriam pautar-se por um conhecimento teórico-interpretativo próprio, um direcionamento crítico que se identifique mais com as idéias criativas de nossos narradores e poetas. Por tais motivos, repito: As teorias e críticas literárias européias foram inventadas para suprirem as necessidades de análise e/ou compreensão de textos literários europeus. É preciso enfatizar que essas teorias não abrangem o todo de nosso universo literário, uma vez que não foram pensadas em função de nossas vivências. Entretanto, mesmo afirmando a minha intenção de dialogar com os conceitos bachelardianos (conceitos filosóficos oriundos da Europa), quero reafirmar que, ao longo desta sondagem interdisciplinar, o meu ponto de vista sobre a ficção roseana desenvolver-se-á sob uma particular interpretação dessas idéias.
 
Para a compreensão de minhas posteriores argumentações, ao longo dos capítulos deste livro, faz-se necessário repetir e explicar (por um processo de abordagem nitidamente tautológico) que o cogito(4), segundo Bachelard, não se liga ao plano vital (de causa e efeito), mas ao plano espiritual de difícil ascensão, e o meio racional para reconhecê-lo seria pensar o intervalo vazio entre ambos.
 
Por esta via, se repenso a literatura-arte brasileira do século XX, dou-me conta de que ela é originária do Mundo do Silêncio (também conhecido por Vazio Criador ou Vazio Bashoniano). Os escritores das estéticas modernistas e pós-modernistas e os atuais estudiosos de teoria literária são os venturosos conhecedores desse mundo sem formas estabelecidas. Os Artistas — ficcionistas e poetas — dessas estéticas (íntimos dessa realidade insólita) iniciam suas criações no auge de suas oposições aos hábitos inveterados da realidade que os cerca. Rejeitando os limites vitais, chocam-se com a vida ordinária e tentam, literariamente, fazer o tempo refluir sobre si mesmo, racionalizando e, ao mesmo tempo, sentimentalizando em um grau superior, distanciado dos sentimentos telúricos (esteticamente), suas próprias realidades subjetivas, procurando renovar velhos conceitos ou criando novas substâncias. É necessário ressaltar que, no que se refere aos modernistas e pós-modernistas brasileiros, o ato de sentimentalizar intimamente e esteticamente é bem diferente do sentimentalizar romântico, é um sentimentalizar que passa pelo crivo da razão.

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