NEUZA MACHADO: DO PENSAMENTO CONTÍNUO À
TRANSCENDÊNCIA FORMAL
Restabelecendo um importante juízo de Bachelard, registrado em seu
livro A DIALÉTICA DA DURAÇÃO, no qual admite a possibilidade de intervalos temporais propiciando o
surgimento de obstáculos, desvios, impedimentos, que poderão ou não quebrar as
cadeias causais (ou seja, entre causa e efeito há sempre uma intervenção de
acontecimentos possíveis que não estão ligados ao dado causal), colocarei aqui
em evidência meus pensamentos dialetizados, situando-os exatamente nesse plano
de probabilidades. Este meu ponto de vista teórico-crítico, interagindo aqui
com a filosofia bachelardiana, é uma teoria não-causal no plano da Arte, uma
vez que estarei buscando novas argumentações críticas (transmutando pensamentos
já avaliados, aspirando a uma renovação nos atuais estudos da literatura
brasileira), próximas de nossa realidade cultural, objetivando desenvolver um
intercâmbio de idéias comunitárias com nossos artistas literários.
Não estarei presa simplesmente à causa, mas interessada em ultrapassar
os obstáculos, visando muito mais o que poderá surgir como novidade no âmbito
da Teoria ou da Crítica Literária, neste início de Terceiro Milênio. Penso
assim movimentar-me para um novo início teórico-crítico, que abarque a
realidade literária da qual faço parte, como leitora-intérprete consciente da
urgência de invenção de uma variante crítica autóctone que acompanhe a criação
literária de nossos escritores. Uma teoria causal, objetivando um fim imediato,
por ora, seria impossível, devido aos inevitáveis obstáculos, mas nada irá
impedir-me de aventurar-me nas veredas
das probabilidades quantificadas, probabilidades estas que darão conta
posteriormente dos resultados que procuro obter.
Nestas páginas iniciais, é necessário esclarecer que o meu envolvimento
intelectual com a filosofia bachelardiana surgiu de uma íntima recusa em seguir
fielmente os modelos europeus, analítico-cientificistas, de como se desenvolver
um estudo literário. É importante realçar que esses modelos foram projetados
para o estudo de obras literárias voltadas para a realidade européia, as quais,
em absoluto, não se ajustam à nossa realidade. As pesquisas acadêmicas, sobre a
literatura brasileira, deveriam pautar-se por um conhecimento teórico-interpretativo
próprio, um direcionamento crítico que se identifique mais com as idéias
criativas de nossos narradores e poetas. Por tais motivos, repito: As teorias e
críticas literárias européias foram inventadas para suprirem as necessidades de
análise e/ou compreensão de textos literários europeus. É preciso enfatizar que
essas teorias não abrangem o todo de nosso universo literário, uma vez que não
foram pensadas em função de nossas vivências. Entretanto, mesmo afirmando a
minha intenção de dialogar com os conceitos bachelardianos (conceitos
filosóficos oriundos da Europa), quero reafirmar que, ao longo desta sondagem
interdisciplinar, o meu ponto de vista sobre a ficção roseana desenvolver-se-á
sob uma particular interpretação dessas idéias.
Para a compreensão de minhas posteriores argumentações, ao longo dos
capítulos deste livro, faz-se necessário repetir e explicar (por um processo de
abordagem nitidamente tautológico) que o cogito(4), segundo
Bachelard, não se liga ao plano vital (de causa e efeito), mas ao plano
espiritual de difícil ascensão, e o meio racional para reconhecê-lo seria
pensar o intervalo vazio entre ambos.
Por esta via, se repenso a literatura-arte brasileira do século XX,
dou-me conta de que ela é originária do Mundo
do Silêncio (também conhecido por Vazio
Criador ou Vazio Bashoniano). Os
escritores das estéticas modernistas e pós-modernistas e os atuais estudiosos
de teoria literária são os venturosos conhecedores desse mundo sem formas
estabelecidas. Os Artistas — ficcionistas e poetas — dessas estéticas (íntimos
dessa realidade insólita) iniciam suas criações no auge de suas oposições aos
hábitos inveterados da realidade que os cerca. Rejeitando os limites vitais,
chocam-se com a vida ordinária e tentam, literariamente, fazer o tempo refluir
sobre si mesmo, racionalizando e, ao mesmo tempo, sentimentalizando em um grau
superior, distanciado dos sentimentos telúricos (esteticamente), suas próprias
realidades subjetivas, procurando renovar velhos conceitos ou criando novas substâncias.
É necessário ressaltar que, no que se refere aos modernistas e pós-modernistas
brasileiros, o ato de sentimentalizar
intimamente e esteticamente é bem diferente do sentimentalizar romântico, é um
sentimentalizar que passa pelo crivo da razão.
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