quarta-feira, 12 de março de 2014

Neuza Machado: Esplendor e decadência do império amazônico

Neuza Machado: Esplendor e decadência do império amazônico
 
Sobre o romance O amante das amazonas de Rogel Samuel
 
Ribamar de Sousa: O Ficcional Personagem-Representante do Capitalismo Decadente da Cidade de Manaus
 
 
A crise se demonstrava naquele silêncio quente, ao pôr-do-sol, luzes moribundas, o apagar do apogeu capitalista. A Amazônia ficou sem 80% da sua economia, um deserto morto, estéril, sobre a planície encharcada numa crise que durou meio século.[i]
 
Repensando o problema sócio-político-e-financeiro da Cidade de Manaus, ou seja, a crise econômica que se abateu sobre a Capital do Amazonas (a perda do poder político sócio-familiar, o qual gerenciava a economia do Estado do Amazonas, naquele momento de impasse), depois do auge da extração da árvore da Seringa (da borracha) e, posteriormente, do apagar do brilho incomum da Zona Franca, gradativamente, do princípio do século XX ao final dos anos oitenta, percebo a necessidade de repensar a questão pelo ponto de vista de Michel Foucault. Ao questionar “genealogia e poder”, em todos os seus matizes, em meados dos anos setenta do século XX, ele afirmou:
 
A genealogia seria, portanto, com relação ao projeto de uma inscrição dos saberes na hierarquia de poderes próprios à ciência, um empreendimento para libertar da sujeição os saberes históricos, isto é, torná-los capazes de oposição e de luta contra a coerção de um discurso teórico, unitário, formal e científico. A reativação dos saberes locais ─ menores, diria talvez Deleuze ─ contra a hierarquização científica do conhecimento e seus efeitos intrínsecos de poder, eis o projeto destas genealogias desordenadas e fragmentárias. Enquanto a arqueologia é o método próprio à analise da discursividade local, a genealogia é a tática que, a partir da discursividade local assim descrita, ativa os saberes libertos da sujeição que emerge desta discursividade.
 
Todos esses fragmentos de pesquisa, todos estes discursos, poderiam ser considerados como elementos destas genealogias, (...). Questão: por que então não continuar com uma teoria da descontinuidade, tão graciosa e tão pouco verificável, por que não analisar um novo problema da psiquiatria ou da teoria da sexualidade, etc.? É verdade que poderíamos continuar (...) se não fosse um certo número de mudanças na conjuntura. Em relação à situação que conhecemos nestes últimos quinze anos, as coisas provavelmente mudaram; a batalha talvez não seja mais a mesma. Existiria ainda a mesma relação de força que permitiria fazer prevalecer, fora de qualquer relação de sujeição, estes saberes desenterrados? Que força eles têm?
 
Repenso o doado: A história das linhagens familiares (aquelas que embarcaram no e/ou embasaram o capitalismo inicial), se fosse retomada, naqueles anos setenta, assinalados por Michel Foucault, seria “um empreendimento para libertar da sujeição [submissão, dependência, subordinação] os saberes históricos de base familiar, isto é, torná-los capazes de oposição e de luta contra a coerção [constrangimento, exigência para uma nova idéia de produção capitalista, ou seja, a manufaturação industrial renovada, com novos argumentos, para a fabricação de produtos em grande quantidade] de um discurso teórico, unitário, formal e científico”. Quanto àqueles renovados argumentos dos antigos saberes desenterrados, que força eles teriam, naqueles anos setenta de Michel Foucault? Seria a força da renovação capitalista, que se efetivou por intermédio das novas normas do capitalismo mundialmente industrial?
Usando outras palavras, aquele “discurso” para uma provável “reativação dos saberes locais contra a hierarquização científica do conhecimento e seus efeitos intrínsecos de poder”, dos anteriores últimos quinze anos até ao momento de Michel Foucault (anos setenta), conformaria e se adaptaria à expressão discursiva poderosa do “capitalismo selvagem” como representante do domínio das grandes empresas estrangeiras, e, inclusive, com o consentimento dos influentes mandatários de uma determinada região de qualquer parte do mundo capitalizado. Tal proposta ─ com o passar do tempo ─ não se efetivou por serem “desordenadas e fragmentárias”, segundo Michel Foucault. “A reativação dos saberes locais contra a hierarquização científica do conhecimento e seus efeitos intrínsecos de poder”, naquele momento, não pode impedir o crescimento de uma novíssima etapa do “capitalismo selvagem” em seu ativo exercício de poder, distanciado dos “saberes locais”.
Penso que foi exatamente isto o que aconteceu na região de extração da árvore da borracha, no Amazonas e, posteriormente, na Zona Franca de Manaus, pois aqueles “saberes locais” estavam “desordenados e fragmentados” em virtude da falta de base genealógica (eram todos estrangeiros naquela realidade da Floresta Amazonense, incluindo os nordestinos brasileiros que ali ficaram ricos) e da ambição desmedida de seus proprietários. A “hierarquização” do Capitalismo representativo do domínio das grandes empresas estrangeiras estava assentada e culminada (elevada) em outra paragem, afastada das picuinhas próprias dos “saberes locais” da região amazonense (e mesmo de outras regiões submissas do chamado Terceiro Mundo). Uma “genealogia” estrangeira, muito mais ativa e preparada, uma “genealogia maior”, um “saber local” muitíssimo mais intensificado, naquele momento, ou talvez desde o princípio do Capitalismo Original, coagiu os “saberes locais menores” (usando aqui a expressão de Jules Deleuze, distinguida por Michel Foucault) do Terceiro Mundo.


[i] Idem: 116.

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