Neuza
Machado: Esplendor e decadência do império amazônico
Sobre
o romance O amante das amazonas de
Rogel Samuel
Ribamar de Sousa: O Ficcional Personagem-Representante do
Capitalismo Decadente da Cidade de Manaus
A crise se
demonstrava naquele silêncio quente, ao pôr-do-sol, luzes moribundas, o apagar
do apogeu capitalista. A Amazônia ficou sem 80% da sua economia, um deserto
morto, estéril, sobre a planície encharcada numa crise que durou meio século.[i]
Repensando o
problema sócio-político-e-financeiro da Cidade de Manaus, ou seja, a crise
econômica que se abateu sobre a Capital do Amazonas (a perda do poder político
sócio-familiar, o qual gerenciava a economia do Estado do Amazonas, naquele
momento de impasse), depois do auge da extração da árvore da Seringa (da
borracha) e, posteriormente, do apagar do brilho incomum da Zona Franca,
gradativamente, do princípio do século XX ao final dos anos oitenta, percebo a
necessidade de repensar a questão pelo ponto de vista de Michel Foucault. Ao
questionar “genealogia e poder”, em todos os seus matizes, em meados dos anos
setenta do século XX, ele afirmou:
A genealogia seria,
portanto, com relação ao projeto de uma inscrição dos saberes na hierarquia de
poderes próprios à ciência, um empreendimento para libertar da sujeição os
saberes históricos, isto é, torná-los capazes de oposição e de luta contra a
coerção de um discurso teórico, unitário, formal e científico. A reativação dos
saberes locais ─ menores, diria talvez Deleuze ─ contra a hierarquização
científica do conhecimento e seus efeitos intrínsecos de poder, eis o projeto
destas genealogias desordenadas e fragmentárias. Enquanto a arqueologia é o
método próprio à analise da discursividade local, a genealogia é a tática que,
a partir da discursividade local assim descrita, ativa os saberes libertos da
sujeição que emerge desta discursividade.
Todos esses fragmentos de
pesquisa, todos estes discursos, poderiam ser considerados como elementos
destas genealogias, (...). Questão: por que então não continuar com uma teoria
da descontinuidade, tão graciosa e tão pouco verificável, por que não analisar
um novo problema da psiquiatria ou da teoria da sexualidade, etc.? É verdade
que poderíamos continuar (...) se não fosse um certo número de mudanças na
conjuntura. Em relação à situação que conhecemos nestes últimos quinze anos, as
coisas provavelmente mudaram; a batalha talvez não seja mais a mesma. Existiria
ainda a mesma relação de força que permitiria fazer prevalecer, fora de
qualquer relação de sujeição, estes saberes desenterrados? Que força eles têm?
Repenso o
doado: A história das linhagens familiares (aquelas que embarcaram no
e/ou embasaram o capitalismo inicial), se fosse retomada, naqueles anos
setenta, assinalados por Michel Foucault, seria “um empreendimento para
libertar da sujeição [submissão, dependência, subordinação] os saberes
históricos de base familiar, isto é, torná-los capazes de oposição e de luta
contra a coerção [constrangimento, exigência para uma nova idéia de produção
capitalista, ou seja, a manufaturação industrial renovada, com novos
argumentos, para a fabricação de produtos em grande quantidade] de um discurso
teórico, unitário, formal e científico”. Quanto àqueles renovados argumentos
dos antigos saberes desenterrados, que força eles teriam, naqueles anos setenta
de Michel Foucault? Seria a força da renovação capitalista, que se efetivou por
intermédio das novas normas do capitalismo mundialmente industrial?
Usando outras
palavras, aquele “discurso” para uma provável “reativação dos saberes locais
contra a hierarquização científica do conhecimento e seus efeitos intrínsecos
de poder”, dos anteriores últimos quinze anos até ao momento de Michel Foucault
(anos setenta), conformaria e se adaptaria à expressão discursiva poderosa do
“capitalismo selvagem” como representante do domínio das grandes empresas
estrangeiras, e, inclusive, com o consentimento dos influentes mandatários de
uma determinada região de qualquer parte do mundo capitalizado. Tal proposta ─
com o passar do tempo ─ não se efetivou por serem “desordenadas e
fragmentárias”, segundo Michel Foucault. “A reativação dos saberes locais
contra a hierarquização científica do conhecimento e seus efeitos intrínsecos
de poder”, naquele momento, não pode impedir o crescimento de uma novíssima
etapa do “capitalismo selvagem” em seu ativo exercício de poder, distanciado
dos “saberes locais”.
Penso que foi
exatamente isto o que aconteceu na região de extração da árvore da borracha, no
Amazonas e, posteriormente, na Zona Franca de Manaus, pois aqueles “saberes
locais” estavam “desordenados e fragmentados” em virtude da falta de base
genealógica (eram todos estrangeiros naquela realidade da Floresta
Amazonense, incluindo os nordestinos brasileiros que ali ficaram ricos) e da
ambição desmedida de seus proprietários. A “hierarquização” do Capitalismo
representativo do domínio das grandes empresas estrangeiras estava assentada e
culminada (elevada) em outra paragem, afastada das picuinhas
próprias dos “saberes locais” da região amazonense (e mesmo de outras regiões
submissas do chamado Terceiro Mundo). Uma “genealogia” estrangeira, muito mais
ativa e preparada, uma “genealogia maior”, um “saber local” muitíssimo mais
intensificado, naquele momento, ou talvez desde o princípio do Capitalismo
Original, coagiu os “saberes locais menores” (usando aqui a expressão de Jules
Deleuze, distinguida por Michel Foucault) do Terceiro Mundo.
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