domingo, 30 de março de 2014

A mulher que passa








A mulher que passa


Rogel Samuel



Passa. Ela passa, a viúva, elegante, balanço, o festão, o debrum, nobre, exata, ágil, belas pernas de estatuária, passa, e ele a vê, do café onde bebe ele a vê, perdido, crispado, ele a vê, a sente, a sabe, no seu olhar há o germe de um furacão, no seu olhar há a
doçura que se embala, há o frenesi que mata, o relâmpago... ou é o tempo, a noite? Ele, a aérea beldade, e de seu olhar vem um relâmpago de renascimento... ela a verá outra vez? ou só a verá por um instante na eternidade?

Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente!
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado - e o sabias demais.



A uma Passante

A rua em derredor era um ruído incomum,
Longa, magra, de luto e na dor majestosa,
Uma mulher passou e com a mão faustosa
Erguendo, balançando o festão e o debrum;
Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata.
Eu bebia perdido em minha crispação
No seu olhar, céu que germina o furacão,
A doçura que se embala e o frenesi que mata.
Um relâmpago, e após a noite! - Aérea beldade,
E cujo olhar me fez renascer de repente,
Só te verei um dia e já na eternidade?
Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente!
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado - e o sabias demais.

BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. São Paulo: Círculo do Livro, 1995. Tradução, posfácios e notas de Jamil Almansur Haddad.

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