Neuza
Machado: O que deixou sem fazer
[Neuza
Machado faleceu sem terminar sua obra. Aqui estão alguns pontos que ainda ia
analisar]
Esplendor
e decadência do império amazônico
Sobre
o romance O amante das amazonas de
Rogel Samuel
XIII – Retrospectiva: Do Palácio do Seringal Manixi a Manaus
Pierre Bataillon X Frei Lothar: Música e lirismo no Manixi
Eu não sou. Sou de outra
época. Sou do tempo de um capitalismo primitivo, arcaico, luxuoso, feito
tricotado em ouro e pedras preciosas, de um outro modo, daquele tempo em que o
Palácio era a imagem em busca de sua natureza profunda. Ali se dispunha de uma
sala de música onde se ouvia principalmente Beethoven, de um piano Pleyel, a
vitrine onde Pierre Bataillon ostentava sua coleção de violinos (...), as
gravuras representando Viotti, Baillot, David, Kreuzer, Vieuxtemps, Joachim; a
máscara mortuária de Beethoven, laureado em bronze, de Stiasny. A Biblioteca,
em que alguém uma noite leu em voz alta versos de Lamartine. E salas e salas se
interrogando para quê, salões e galerias e cômodos se intercomunicando por
portas sucessivas que se abriam em galerias e corredores restritos, que se
fechavam em si mesmos, ao som do piano de Pierre Bataillon dialogando com o
violino de Frei Lothar uma sonata Mozart, como alguém que se concentra em si
mesmo, de um poder mortal, ágil e terrível que se expressava nas paredes de
estuque pintado, por irisações de um ouro esverdeado e escuro, na entrançadura
de seus ritmos de galhadas e folhagens, de uma vegetação alucinada e japonesa
que subia por aquelas formas pelo teto multirefletido nos bisotados espelhos de
cristal, e nas flores dos lustres de modo a evocar a lembrança de exótico
prazer. Sim, sou um velho de um outro século, e ali vivi, observando,
aprendendo e comendo durante o longo daqueles anos todos, no círculo e em torno
daquela povoação de objetos e móveis antigos, que descreviam monstros consumidores:
como na cômoda veneziana a visão da atividade sexualizada da imagem; no armário
de Boulle cenas de caça com javalis do consumo e cães mastigando sangrentas
aves abatidas a tiros pelo Duque de Chartres e outros cavaleiros fidalgos na
idiotia de vistosas calças vermelhas e botas pretas; no silêncio rigoroso do
gabinete inglês, na dinâmica, na morfologia prostituta do divã de Delanois; na
unidade e variante elíptica do canapé ─ e nos cipós, íris, cardos, insetos
estilizados, poliformes, incorporando-se aos móveis e às linhas dos painéis
franceses num delírio neo-rococó como não quis a natureza: estátuas sobre
lambrequins, rocalhas e rosáceas ecléticas, urnas nas cimalhas dos balcões
simbolizando a energia, a ontologia e o desejo do capitalismo de tudo consumir,
de tudo gastar, de tudo produzir, de tudo poupar e de tudo faltar e
apropriar-se, transbordando e abortando na loucura, na miséria e na morte.[i] (p. 19)
Esgarçados sobre o tapete,
brincam bordados com as sombras e luzes que saem da porta. Reverberações de
luzes na lâmina do espelho, foco de velas nos castiçais de ferro e círios que
cantam um momento lírico. Quando o coronel toca, elas parecem dançar. As
lembranças familiares me levam num aporte imaginativo. (p.76)
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