sábado, 29 de março de 2014

OS LUSÍADAS, i, 15-20

 

Os Lusíadas - Canto I, 15-20
 



15
E, enquanto eu estes canto – e a vós não posso,
Sublime Rei, que não me atrevo a tanto –,
Tomai as rédeas vós do Reino vosso:
Dareis matéria a nunca ouvido canto.
Comecem a sentir o peso grosso
(Que polo mundo todo faça espanto)
De exércitos e feitos singulares,
De África as terras e do Oriente os mares.

16
Em vós os olhos tem o Mouro frio,
Em quem vê seu exício afigurado;
Só com vos ver, o bárbaro Gentio
Mostra o pescoço ao jugo já inclinado;
Tétis todo o cerúleo senhorio
Tem pera vós por dote aparelhado,
Que, afeiçoada ao gesto belo e tenro,
Deseja de comprar-vos pera genro.

17
Em vós se vêm, da Olímpica morada,
Dos dous avós as almas cá famosas;
Ua, na paz angélica dourada,
Outra, pelas batalhas sanguinosas.
Em vós esperam ver-se renovada
Sua memória e obras valerosas;
E lá vos têm lugar, no fim da idade,
No templo da suprema Eternidade.

18
Mas, enquanto este tempo passa lento
De regerdes os povos, que o desejam,
Dai vós favor ao novo atrevimento,
Pera que estes meus versos vossos sejam,
E vereis ir cortando o salso argento
Os vossos Argonautas, por que vejam
Que são vistos de vós no mar irado,
E costumai-vos já a ser invocado.

19
Já no largo Oceano navegavam,
As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Das naus as velas côncavas inchando;
Da branca escuma os mares se mostravam
Cobertos, onde as proas vão cortando
As marítimas águas consagradas,
Que do gado de Próteu são cortadas,

20
Quando os Deuses no Olimpo luminoso,
Onde o governo está da humana gente,
Se ajuntam em consílio glorioso,
Sobre as cousas futuras do Oriente.
Pisando o cristalino Céu fermoso,
Vêm pela Via Láctea juntamente,
Convocados, da parte de Tonante,
Pelo neto gentil do velho Atlante.


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