Neuza
Machado: Esplendor e decadência do império amazônico
Sobre
o romance O amante das amazonas de
Rogel Samuel
Ribamar de Sousa: O Ficcional Personagem-Representante do
Capitalismo Decadente da Cidade de Manaus
Neste ponto
do relato, o(s) narrador(es) rogeliano(s) sofre(m) o que Gaston Bachelard
denomina “endosmose do devaneio e das lembranças”[i], o
que configura a necessidade de voltar(em)-se para dentro, protegido(s) por
uma membrana ou placa porosa (de acordo com os ensinamentos da Física), em
outras palavras, um renovado desenrolar ficcional entre duas matérias líquidas
(ambas propensas à profundidade) de espessuras corpóreas diferentes.
No início do
romance, o primeiro narrador Ribamar de Sousa apresentou a sua trajetória
ficcional de dentro para fora (a técnica do olhar), buscando, por meio
de simulacro narrativo (marca das narrativas pós-modernas), retomar a
própria história de vida do segundo narrador pós-moderno/pós-modernista de
Segunda Geração e a história sócio-mítico-substancial do Estado do Amazonas. O
ato de narrar de dentro para fora, resguardado pelo aparato histórico e
pelo arcabouço mítico particular e/ou universal, ao mesmo tempo em que revelava
um passado de glórias (familiares e sociais; de luxo e de riquezas), provindos
da extração da árvore da Seringa, desenvolveu-se muito bem camuflado,
propiciando ao primeiro narrador a exterior explanação de verdades
não-autorizadas pela consciência intelectualizada do segundo narrador.
Aquele
caminhar ficcional de dentro para fora, aquele percorrer pelos infernais
e mortíferos caminhos fluviais do Amazonas (um Caronte pós-moderno), que
custou ao escritor dez anos de pesquisas históricas e reformulações narrativas,
para a elaboração de sua proposta de criação ficcional (sem nenhuma dúvida, uma
diferenciada criação ficcional), favoreceu ao narrador principal, aquele que
viria em seguida, a possibilidade de singular rendimento ficcional e de fixar
as bases verossímeis de seu ato de narrar, para, com este favorecimento ímpar,
convencer o leitor do valor de sua Verdade.
No segundo instante
metafísico, suspenso entre o antes e o depois[ii],
no momento de um segundo renovado impasse narrativo (o primeiro foi depois da
morte dos “parentes” e o surgimento de Paxiúba, o conhecimento do arcabouço
mítico silvícola e universal, de dentro para fora), surge o comando de
Maria Caxinauá, enviando-o para Manaus (o retorno de fora para dentro).
O Manixi ficcional já estava em ruínas, acenando para a possibilidade de um
final narrativo não condizente com as propostas criativas do escritor. O
acionamento da figura mítica de Maria Caxinauá foi de fundamental importância,
porque foi, por intermédio dela, que o segundo narrador intuiu/intui a
finalização de seu romance. Neste segundo e último impasse narrativo, novamente
evidencia-se a extraordinária força do arcabouço mítico (repito, agora de
fora para dentro). A deusa lunar Maria Caxinauá reenviou o personagem
Ribamar até às citadinas dimensões interiorizadas e ensolaradas de Manaus (a
guardiã das trevas do Manixi, a plenipotenciária das mortes dos algozes de seu
povo, os seus próprios cruéis carcereiros, a poderosa agenciadora da destruição
do Manixi ─ destruição da dimensão infernal da Floresta ─, cuja missão
mítico-ficcional foi/é representar seu povo, dominado por potências
estrangeiras, e destruí-las), foi exatamente ela a induzir o
personagem-narrador a buscar “o dinamismo dos corredores e dos labirintos da
imaginação dinâmica”[iii] de
quem narra. Por que Maria Caxinauá incentivou Ribamar de Sousa a mudar-se para
Manaus? Não há como negar o fato de que ela, a Maria Caxinauá, escolheu o seu
máximo vingador. E este rigoroso vingador teria de ser um representante do povo
(o primeiro narrador-personagem), o ungido, o assinalado pelo
narrador principal para destronar as familiares potências capitalistas
estrangeiras que sugaram as reservas produtivas do Estado do Amazonas (e, por
extensão, do Brasil, e dos Países do chamado Terceiro Mundo) e, assim, por
acréscimo, teria de ser ele, o Ribamar de Sousa, o representante da burguesia manauara
da segunda metade do século XX, o escolhido para reerguer a moral de seus
desesperançados e escravizados parentes retirantes e dos indígenas
martirizados, fossem eles Caxinauás ou não. No titânico e histórico duelo entre
classes sociais discordantes, o representante do povo ─ dos subjugados
retirantes nordestinos e dos índios dizimados ─ haveria de sair vencedor, de
acordo com as novas leis da recente pós-modernidade socialista.
“Um dia, como
se tudo tivesse bem pensado, lhe disse a Caxinauá: ─ Agora você vai para
Manaus.” (Lembro-me agora de que, em certo dia do passado histórico dos
brasileiros não-abonados, uma desprotegida e amorosa mãe pernambucana disse a
seu filho caçula: “─ Agora nós vamos para São Paulo, você vai estudar na Escola
Técnica, para ser metalúrgico, e vencer na vida”. E este filho caçula se
tornou, em duas seguidas vitórias eleitorais, Presidente do Brasil. E venceu
por seu próprio mérito.) E, naquele instante dinamizado, “tudo dentro dele
dizia (àquele futuro Presidente) que ele
pisava aquele solo do Estado de São Paulo para vencer”.
[ii]
Conferir: BACHELARD, Gaston. A Dialética da
Duração. Tradução de Marcelo Coelho. São Paulo: Ática, 1988.
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