[FOTO DE ROCHA]
Neuza
Machado: Esplendor e decadência do império amazônico
Sobre
o romance O amante das amazonas de
Rogel Samuel
Ribamar de Sousa: O Ficcional Personagem-Representante do
Capitalismo Decadente da Cidade de Manaus
Repenso agora
o Ribamar rogeliano: “Ribamar desceu a Rua Barroso”. Ficcionalmente, poderia
ter subido a Rua assinalada e permanecido por lá (a residência de João
das Neves era vizinha a de D. Maria de Abreu), se o poder monetário de João das
Neves estivesse firmemente se estabelecido no alto. O poder seja de que ordem
for se estabelecerá sempre nas alturas, e no Centro, mesmo que o ambiente
revele degradação social. Mas, a subida exige esforço físico, trabalho árduo, e
um personagem, descendo, já não visualiza trabalho pesado, apenas
mental. Descer a ladeira da rua comodamente, e ao longo da descida adquirir uma
sólida riqueza (e o tesouro de Maria Caxinauá era sólido, não era roubado, era
realmente dela e de Ribamar ─ ou seja, dos índios dominados e dos retirantes
nordestinos escravizado ─ e não de Ifigênia Vellarde) e um papel de destaque no
mundo político, seria mais prazeroso. A estadia no Seringal Manixi, como
atencioso secretário de Ifigênia Vellarde, abriu-lhe as comportas do
conhecimento monetário (e político). Não é por ventura uma função do secretário
assessorar e resguardar a fortuna de seu patrão? E, por osmose, não é a partir
de tal emprego que se aprende a arte de ganhar dinheiro e socializar-se,
ao intermediar as transações pecuniárias do patrão? No entanto, graças ao
segundo narrador, antes da aprazível “descida”, o Ribamar de Sousa teria de
conhecer e demarcar seu novo ambiente social, o qual já sofria a “estagnação da
crise econômica” pós-borracha.
Agora ele se admirava da
bela rua, porque Manaus era bela. Calma, profunda, na estagnação da crise
econômica, esquecida, abandonada, mas solene. Os grandes e belos palacetes, o
ar de soberania art-nouveau ─ Manaus era uma espécie de cidade-fantasma,
minimetrópole esquecida, batida pela claridade de um sol esplendidamente
brilhante. O brilho escorria pelas pedras de morona das calçadas.
Ribamar descia devagar,
passava pela portada da capela de Santa Rita ─ lugar tão sagrado, que não mais
existe. A rua deserta. Todas as casas tinham portas e janelas fechadas. Mas um
belo lugar, limpo. Lembrava Paris.
Ele se sentia feliz, como se
estivesse no início do caminho de sua vitória. Manaus decaída aparecia, para
ele, algo que ele podia reerguer e que amava.[i]
Ribamar “se
admirava da bela rua, porque Manaus era bela. Calma, profunda, na estagnação da
crise econômica”. “Manaus era uma espécie de cidade-fantasma, minimetrópole
esquecida, batida pela claridade de um sol esplendidamente brilhante”. Reflito
as informações sócio-ficcionais, mas necessito investigar a descida do
personagem Ribamar pela rua de Manaus, ou seja, ao profundo mundo do segundo
narrador rogeliano, auxiliada pela filosofia bachelardiana:
Seriam
precisas longas páginas para expor, em todos os seus caracteres e com todos os
seus planos de fundo, a consciência de estar abrigado. São inumeráveis
as impressões claras. Contra o frio, contra o calor, contra a tempestade,
contra a chuva, a casa é um abrigo evidente, e cada um de nós tem mil variantes
em suas lembranças para animar um tema tão simples. Coordenando todas essas
impressões e classificando todos esses valores de proteção,
perceberíamos que a casa constitui, por assim dizer, um contra-universo ou um
universo do contra. Mas é talvez nas mais frágeis proteções que
sentiremos a contribuição dos sonhos de intimidade. Basta pensar, por exemplo,
na casa que se ilumina no crepúsculo e nos protege contra a noite. Logo
temos o sentimento de estar no limite dos valores inconscientes, sentimos que
tocamos um ponto sensível do onirismo da casa.[ii]
Ribamar
(depois da ascensão e queda do Seringal Manixi, buscando uma casa onírica
que difunda uma luz incomum em seu diferenciado crepúsculo existencial)
se sente “feliz”, a caminho de “sua vitória” sócio-político-ficcional, porque o
segundo narrador iluminou-lhe o atual itinerário narrativo, uma vez que este
segundo se sentia seguro, abrigado nos sonhos de sua própria intimidade, como
profundo conhecedor daquelas imediações citadinas. Refletindo esta Casa/Cidade
“esplendidamente brilhante”, ainda posso recuperar uma outra assertiva
bachelardiana. A Casa/Cidade iluminou-se, quando da entrada de Ribamar, porque,
naquele preciso instante (instante metafísico), ela era “uma ilhota de
luz no mar das trevas” do escritor (trevas representativas do abandono da amada
terra natal), e em sua “memória, uma lembrança isolada em anos de esquecimento”[iii].
Em verdade, quem está descendo comodamente e criativamente a Rua Barroso (um
dos labirintos em declive, para o fundo, da inesquecível Casa/Cidade) é
o dono do relato ficcional. Quem gostaria de reerguer a Cidade amada,
“esquecida, abandonada, mas solene”, é o segundo narrador rogeliano. Quem está,
em um presente histórico resgatado da própria casa onírica, a se
sentir feliz, “como se estivesse no início do caminho de sua vitória”,
avaliando a beleza da Cidade, é o escritor dos sonhos profundos aninhados nos
íntimos segredos de sua “meia-noite psíquica onde germinam virtudes de origem”[iv].
O sonhador está a vaguear suas lembranças pelas ruas de sua cidade natal. É ele
quem está a descer devagar a Rua Barroso, “passa pela portada da capela de
Santa Rita”. É ele quem percebe solitariamente que a rua está deserta e é
também o que enxerga todas as casas com as portas e janelas fechadas (fechadas
para o escritor?).
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