sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

FICÇÒES DO CICLO DA BORRACHA NO AMAZONAS

Lucilene Gomes Lima
 
            A ABORDAGEM DO CICLO DA BORRACHA NA FICÇÃO AMAZONENSE
 
 
 
       O romance Coronel de barranco centra-se mais na margem e expõe o sistema extrativista da borracha através da personagem Cipriano, seringalista rude que desconhece as determinações econômicas do ciclo e ignora os riscos a que está exposto, confiando apenas na exploração da borracha nativa. Como A selva, o romance tem o objetivo claro de ensinamento conforme se nota nessa passagem em  que a personagem Matias elucida para a personagem Cipriano o sistema de funcionamento econômico do ciclo:
 
- Veja bem, coronel. Todos os domingos, os seus seringueiros chegam aqui no armazém, para se aviar, levam tudo que precisam, a comida, a cachaça, o querosene, alguma ferramenta, remédios, uma peça de roupa...
- Levam tudo que precisam. Está aqui o besta velho pra dar tudo que eles querem, fiado.
- Exatamente. Eles não pagam ao senhor, não é verdade? Tudo fiado, não é verdade? A Casa Flores manda os vapores carregados de aviamentos...
- Manda, não. Mandava.
- Sempre mandou, Coronel. Mas, bem. A Casa Flores lhe manda tudo que o senhor pedir e até o que não pedir. Cobra do senhor à vista? Algum dia marcou data certa para o senhor pagar?
- Mas a minha seringa está lá no armazém deles.
- Perfeitamente. Chegaremos lá. E como a Casa Flores compra essas mercadorias, todas importadas do [sic] outros Estados ou do estrangeiro? Sobretudo do estrangeiro. Onde ela vai  buscar o dinheiro, se o dinheiro só pode entrar depois que a seringa for vendida?
- Pra que é que eles têm a burra cheia de dinheiro?
- Que burra cheia de dinheiro, Coronel? O dinheiro eles vão sempre buscar nos bancos, Coronel. E em que bancos? Nos bancos estrangeiros. E como é que se pagam os bancos, Coronel? Não é como o seu seringueiro para o senhor, quer dizer, quando puder, quando Deus ajudar.
- Quando paga. E se o cabra foge? Ou morre? Ou leva o diabo?
- Também não é assim que o senhor paga a Casa Flores?
- Nunca deixei de pagar.
- Claro. Mas paga quando chega a Manaus. Quando a borracha já foi vendida. Quando o senhor chega lá para acertar as contas, sem data certa, porque o senhor tem crédito.
- Tenho porque mereço.
- E como é que a Casa Flores paga o banco?
- Quando quiser? Só quando puder? Não senhor, Coronel. Numa data certa, num prazo fixo. E quando chega o fim desse prazo, se não tiver dinheiro, a Casa Flores tem de reformar a dívida, dar um tanto por conta, para os juros, para esperar vender a borracha que o senhor mandou e ver entrar o dinheiro. Quer dizer, no fim da safra.
- Então? Que novidade, seu Albuquerque.
- Pois bem. Agora, Coronel, neste ano fatídico de 1914, nesta hora em que se está esperando uma guerra na Europa, uma guerra em que a Inglaterra terá também de entrar...
- Entrar pra quê? Besteira de guerra.
- Nesta hora difícil, Coronel, as matrizes dos bancos de lá mandam ordens às suas filiais de Manaus para não reformarem os títulos; querem o dinheiro na data marcada, no prazo fixado. Compreendeu agora, Coronel? Se a Casa Flores não paga, o banco pede a falência da Casa Flores.
- E por que o filho do Comendador, homem moço, não vai lá no banco dos bifes e quebra o focinho do gerente? Se fosse comigo, era assim. Ou um tiro nas ventas.
- Para não falir, a Casa Flores consegue a muito custo um último prazo, e pede ao senhor que pague a ela as mercadorias que lhe mandou a crédito durante o ano inteiro. Pergunto agora, o senhor pode obrigar o seu seringueiro a lhe pagar o que o senhor vendeu a ele fiado? O resto o senhor já sabe. E não se esqueça que citei a Casa Flores só para dar um exemplo. Todas as casas aviadoras estão vivendo a mesma situação, igualzinha, ou até pior. Compreendeu agora o funcionamento da máquina, Coronel? Compreendeu a situação?[1]
 
       A presença constante do tema do “ciclo da borracha” na ficção amazonense levou Mário Ypiranga Monteiro, em Fatos da literatura amazonense, a criticar o filão em torno desse tema, observando: “[...] lamentavelmente todo contista que se inicia ou mesmo romancista já experimentado se deixa seduzir pelo denominador comum da economia da borracha [...].[2] Para o autor, o tema do ciclo é o principal motivo do infernismo literário, o qual consiste em escandalizar a paisagem e explorar a tragédia em torno da figura opressora do coronel da borracha e da conseqüente submissão do seringueiro. A ficção da borracha padeceria, segundo sua avaliação, de um tautologismo ao repetir desgastadamente sempre os mesmos aspectos.
       Opondo o infernismo do “ciclo da borracha” ao edenismo do ciclo do cacau, Monteiro demonstra as diferenças fundamentais entre esses ciclos. Observa que o ciclo do cacau promoveu a fixação à terra, criou condições para que se estabelecesse uma cultura expressiva do sedentarismo burguês. A própria estrutura arquitetônica da casa-grande do ciclo econômico do cacau ostentava permanência, comodidade, com sua variedade de janelas, seus quartos amplos, suas salas de jantar e de estar, seus móveis em estilo clássico e as redes armadas nas salas de jantar ou à sombra dos cacauais. Já o “ciclo da borracha” apresentou um panorama social bastante diverso. Sendo economia de transplantação, suas características eram as relações de desconfiança entre patrão e freguês, suas moradias ostentavam o aspecto da improvisação dos que não tomavam assento definitivo à terra. Nas palavras de Monteiro, a sociedade econômica do ciclo
 
[...] conduz os trabalhadores da ‘margem’ para o ‘centro’, da liberdade para a reclusão, isola-os, explora-os, escravíza-os ao regime da conta sem-fim, animalíza-os, brutalíza-os, inutilíza-os até para a satisfação sexual, instaurando um quadro de renúncia forçada aos acenos ambiciosos da vida, um estatuto de anacoretismo em que parece mais evidente o contexto da sabedoria popular: mente desocupada é oficina de satanás. A ausência da fêmea, nutrindo a preocupação dos machos famintos de associação e presença, é suprida pela imaginação sofredora e urgentiza a paródia, a busca de soluções desesperadas. Daí para os conflitos sangrentos é um passo.
Nasce o infernismo literário, produto da economia predatória e da paixão solitária.[3]


[1] Cláudio de Araújo LIMA, Coronel de barranco, p. 311-315.
[2] Mário Ypiranga MONTEIRO, Fatos da literatura amazonense, p. 297.
[3] Mário Ypiranga MONTEIRO, Fatos da literatura amazonense,  p. 41.

Francês deixa 102 anos de idade para trás e bate recorde no ciclismo

 

Das agências internacionais, em Paris (FRA)

  • REUTERS/Denis Balibouse
    Robert Marchand abre sorriso após completar nova façanha em sua carreira como ciclista centenário Robert Marchand abre sorriso após completar nova façanha em sua carreira como ciclista centenário

 

Para a maioria das pessoas, passar dos 100 anos de idade parece improvável. Já ultrapassar a marca como um atleta ainda em atividade parece impossível. Mas o francês Robert Marchand deu mais uma prova de como o corpo humano é incrível nesta sexta-feira, quando bateu o Recorde da Hora de ciclismo para centenários, percorrendo 26,927 km em 60 minutos, em Paris.
Aos 102 anos de idade, o idoso bateu a sua própria marca na categoria, que havia sido estabelecida dois anos antes, na Suíça. Na oportunidade, o ciclista pedalou por 24,251 km, 'obrigando' a União Ciclística Internacional (UCI) a criar a disputa para maiores de 100 anos de idade, que inexistia até então por falta de competidores.
Nascido em 1911, três anos antes da Primeira Guerra Mundial, na pequena cidade de Amiens, Marchand tem apenas 1,50 m de altura e realizou a prova na capital do seu país, tendo o velódromo de Saint-Quentin-en-Yvelines como palco.
Extremamente cansado após o feito inédito, o veteraníssimo ciclista teve que se submeter a um exame antidoping para a oficialização da marca, o que não o deixou preocupado, uma vez que afirmou ter se alimentado apenas de mel antes de pedalar.
Antes de se dedicar ao ciclismo, Marchand trabalhava como bombeiro em Paris, mas já se preocupava com uma dieta equilibrada fundamentada em frutas e verduras. Em 2012, o francês já havia batido o recorde de velocidade para centenários em 100 km, fazendo o percurso em 4 horas, 17 minutos e 27 segundos.

Na Ucrânia a União Europeia está brincando com fogo


            POR FLÁVIO AGUIAR




postado em: 29/01/2014

Berlim - Há muita cortina de fumaça na Ucrânia, e não apenas nas manifestações: também na mídia. Em primeiro lugar, porque é mesmo difícil discernir o que está de fato acontecendo, quais são as forças em jogo, quem lucra, quem perde, quais são as alternativas. Em segundo lugar porque há em muitos espaços da mídia do Ocidente uma tendência de ler os acontecimentos ainda em termos de Guerra Fria, aindaem termos de “mocinhos” versus “bandidos”.

Para uma leitura deste tipo, as coisas são mais ou menos simples. Trata-se do enfrentamento entre manifestantes que desejam uma Ucrânia livre, associada à Europa, que, para esta leitura, segue sendo o ‘modelo civilizatório’, liberta da corrupção. Do outro lado está o governo autoritário de Viktor Yanukovitch, apoiado pelo “pérfido” Putin que, como patrão político da Rússia, é, “naturalmente”, o vilão da história, chantageando a pobre Ucrânia desamparada com seus bilhões de rublos e seu gás inesgotável, necessário para aquecer o inverno rigoroso do país.

Na verdade, as coisas não são tão simples, ou melhor dizendo, tão simplórias.

Algumas recentes matérias vem pondo um pouco de luz neste tíunel aparentemente sem saída chamado Ucrânia. Refiro-me particularmente a duas: “Viktor Yanukovitch [o presidente]’s future may depend on oligarchs as much as protesters” (The Guardian, 28.01.2014, de Shaun Walker) e “The Right Wing’s Role in Ukranian Protests” (Spiegel International, 27.01.2014, da Redação).

Quando o comunismo espatifou-se na Ucrânia, o país quebrou. Tudo foi privatizado a toque de caixa. Mas, como sóe acontecer, muita gente lucrou, e lucrou muito, neste processo. Fortunas se fizeram da noite para o dia, algumas vezes, melhor dizendo, do dia para a noite, porque nem sempre, como também sóe acontecer, os procedimentos podiam vir à luz do dia. Formaram-se, como na Rússia de Yeltsin, alguns conglomerados financeiros, industriais e comerciais, em torno dos novos oligarcas subitamente enriquecidos, seis, para ser mais preciso, segundo o Guardian. Estes seis passaram a dar as cartas nos bastidores da política ucraniana.

Um deles, o mais poderoso, e rico, Rinat Akhmetov, tornou-se muito próximo do atual presidente, vindo que era da mesma região, no leste do país.

Por sua parte, Yanukovitch é de fato um político relativamente popular, e acabou eleito legitimamente para a presidência. Quando isto aconteceu, Yanukovitvch começou a cercar-se de uma nova geração de a princípio pequenos oligarcas, mas que foram crescendo, e são hoje os chamados “lobos”. Isto desagradou a velha oligarquia estabelecida. Para complicar a situação, três forças externas estão na dança: a União Europeia, a OTAN e a Rússia. A União Europeia, desde sua criação, está em processo de expansão – uma expansão meio descontrolada, como se vê pelo atual estado de crise em que boa parte dela – arrastando o todo – está metida. Uma fatia importante deste crescimento são os “mercados emergentes” das ruínas do comunismo. Por que não a Ucrânia?

Por outro lado, sob a liderança (em estilo czarista) de Putin, a Rússia vem recuperando a força política e diplomática perdida, e a Ucrânia é peça-chave nesta recuperação, seja pela extensa fronteira que compartilha com ela, seja pela cobertura do Mar Negro logo abaixo, cujo controle, evidentemente a OTAN cobiça , coisa que Moscou não pode admitir.

Dito isto, pode-se ver que de fato uma grande parte do destino do atual governo ucraniano depende do que Moscou e Bruxelas fizerem ou deixarem de fazer, e da conveniência deste governo para os oligarcas por detrás, a quem, disputas internas à parte, interessa tanto o dinheiro (15 bilhões de euros para um país virtualmente quebrado) russo e seu gás, quanto as finanças europeias cujo ímpeto, também como soe acontecer, é restringir gastos públicos, sobretudo na área social,  diminuir salários e aposentadorias, cortar o poder dos sindicatos, etc., na receita por demais conhecida.

Mas há também a praça, onde as manifestações se sucedem, sem que arrefeçam até o momento. Pela matéria do Spiegel, pode-se discernir três grandes forças principais animando as manifestações: o Partido da Pátria-Mãe (ou Pai, na versão original), ligado à ex-lider Yulia Timoshenko, hoje presa, o Partido Udar, do principal líder da oposição, Vitaly Klitschko, e – aí vem a complicação maior – o Partido Svoboda (Liberdade), liderado por Igor Myroshnychenko, de extrema-direita. Todos estes três partidos têm representantes no Parlamento.

Mas o que a matéria do Spiegel explora é que de longe quem predomina nas mabifestações, que teriam arrefecido sem isto, é o ultra-nacionalista e xenófobo Svoboda. As ações e declarações dos membros e lideranças deste partido – inclusive de Myroshnychenko – rescendem a xenofobia, antissemitismo, ressentimento nacionalista (que na Europa é palavra associada sempre à direita), anti-homossexualismo, anti-minorias, além de práticas esdrúxulas, para dizer o mínimo, como já foi observado: recentemente jovens ligados ao partido distribuíam panfletos com trechos dos discursos de Goebbels, o homem forte da propaganda nazista. Além disto até recentemente o nome do Partido era “Social-Nacional”, numa alusão mais do que clara ao nome oficial do Partido de Hitler, o “Nacional-Socialista”.

Estes são os que se dizem “prontos para morrer” em nome da luta que estão levando. Para azar de todos, na hipótese de a oposição querer formar um governo sem Yanukovitch, ela terá forçosamente de incluir o Svoboda.

Ou seja, todos da oposição – e de quebra a União Europeia – estão flertando com o perigo.

No momento, é difícil discernir alguma nova configuração política que rompa com os poderes dos oligarcas – novos ou menos novos – e crie uma outra força mais democrática do que aquelas em jogo. No curto prazo o que de melhor pode acontecer é a formação de uma articulação política entre Yanukovych e os dois partidos de oposição, Udar e Pátria-Mãe (ou Pai), isolando ou pelo menos neutralizando o Svoboda. Também que Moscou mantenha o empréstimo prometido e a promessa de cobrar menos pelo gás que fornece ao país, e que a presença da União Europeia no jogo (o que também, de momento, é inevitável) seja suficientemente contrabalançada para trazer o menor estrago possível, com seus ‘planos de austeridade’,  à política de recuperação da Ucrânia, quando esta for possível.

CAPA


A MORTE DO MITO


NEUZA MACHADO - ESPLENDOR E DECADÊNCIA DO IMPÉRIO AMAZÔNICO


 

SOBRE O ROMANCE O AMANTE DAS AMAZONAS DE ROGEL SAMUEL

 

 

 

 “Meio envergonhado, como convinha tratar a uma senhora-dama, ele veio dizendo uns “bons dias...”. Aquele que, “meio envergonhado”, se aproxima dizendo uns “bons dias” à senhora-dama Conchita Del Carmen, não é o mesmo Paxiúba que “assustou” a lavadeira Zilda, mulher do Laurie Costa, com a urgência de sua mítica necessidade sexual.

Nesta seqüência da narrativa rogeliana, Paxiúba perde a sua primazia heróica, pois penetrou no Olimpo telúrico da prostituição do recinto de Transvaal, e quem se coloca em evidência agora é o narrador da fase final do século XX, oferecendo aos leitores de seu romance a possibilidade de alcançarem o reverso da medalha da narrativa em prosa que caracteriza a escritura literária da era pós-moderna. A partir do capítulo oito, a sensibilidade criativa de Rogel Samuel, já distinguida desde as primeiras linhas de seu romance, alcança um reanimado pódio ficcional. Nesta seqüência, já não há lugar para as ações engrandecidas de Paxiúba, ou mesmo dos outros personagens (brancos ou índios) situados nas fronteiras do Manixi. Em princípio, o ficcionista amazonense se mobilizou em função de uma vigorosa retomada dos valores históricos do Estado do Amazonas, seu lugar de nascimento, espaço geográfico brasileiro de onde se originaram os créditos culturais que sedimentaram sua caminhada vivencial. O escritor, no início de sua narrativa, retoma ficcionalmente o grandioso passado histórico do Amazonas (em sentido positivo e negativo), para reagir paradoxalmente contra as injustiças, sócio-políticas, que, gradativamente, propiciaram a decadência do lugar. O amoroso descendente de um povo mitificado, o amante (cultural, intelectual) das lendárias guerreiras amazonenses, o admirador inconteste da grandiosidade histórica de seus irmãos naturais, percebe que há mistérios a serem revelados. Esses mistérios, ao contrário das regras oficiais da narrativa ficcional, terão de ser engendrados ficcionalmente por sua sensibilidade ímpar, e esta sensibilidade de ficcionista incomum não se enquadra (não se encaixilhará jamais) em padrões pré-estabelecidos. Depois da grandiosa extensão territorial do Manixi, inédita e diferenciada, (com o seu “magnífico, supremo, inominável, majestoso”[i] Palácio), surgem “ratos” na cidade de Manaus. Os “ratos” se manifestam depois da decadência e “morte do Manixi”[ii], ativados pelo terceiro cogito do escritor-testemunha do crepúsculo da era da borracha, surpreendido agora pela necessidade de contemplar para a posteridade, mesmo que seja por intermédio de fragmentos narrativos, as frestas dessa decadência (contrária às regras e aos bons costumes das puras e antigas sociedades mitificadas, reverenciadas pelas gerações posteriores).

Revela-se, nos capítulos finais de O Amante das Amazonas, a autêntica documentação (pelo ponto de vista ficcional) do que não se pode avaliar, porque a presente história sócio-cultural do escritor amazonense ainda não se completou. Urge fazer justiça aos seus naturais (ao seu povo, que sentiu na própria pele os estragos da decadência); urge encontrar um justiceiro que aceite a co-participação em seus atos de autoridade judicial. Urge eliminar o mito do grandioso em proveito do pequeno, do incompreensível, das migalhas de pão que caem da mesa dos antigos poderosos, agora, decadentes.

Gaston Bachelard, em A Terra e os Devaneios do Repouso[iii], cita Tristan Tzara: “Aumentadas no sonho da infância, vejo de muito perto as migalhas secas de pão e a poeira entre as fibras de madeira dura ao sol”. A Manaus da ficção rogeliana saiu de seu arcabouço vivencial infanto-juvenil. O escritor, enquanto criança e adolescente, foi testemunha dos últimos estilhaços do esplendor da borracha, do que restou da grandeza capitalista. Ele foi testemunha da decadência. Foi ele que viu, por intermédio de sua sensibilidade provinda da infância em Manaus, os “ratos”, como “um traço cinematográfico, contínuo”, se infiltrando “entre as frestas da construção carcomida”[iv] de sua anterior realidade sócio-existencial. Assim, percebe-se a urgência em causar a morte do mito (autoritário, alegórico, exemplar), adotando ficcionalmente o descontínuo existencial do momento, em prol de uma futura nova ordem fundamental. Por este ângulo interpretativo, Paxiúba terá de morrer, “afigurado” como homem primitivo (Paxiúba, o Mulo). Alguém terá de apertar o gatilho e eliminar o mito, agora transmutado em ser primitivo, da face do Amazonas. Para tanto, o narrador delega esse poder a um outro personagem, o Benito Botelho. “Benito atirou no meio do tórax, matando-o. Benito o matou, sim. O morto era Paxiúba, o Mulo.”[v]

Pela ótica da crítica literária cientificista-estruturalista, terá de existir uma razão para a morte do bugre. Por enquanto, fica a pergunta à moda da crítica fenomenológica: Qual foi o motivo (real ou ficcional) que levou o personagem Benito Botelho a matar Paxiúba? Sobre este assunto secreto, indagarei no capítulo a ele reservado.





[i] SAMUEL, Rogel, 2005: 151.


[ii] Idem: 90.


[iii] TZARA, Tristan. L’antitête. Lê nain dans soncornet, p. 44. In.: BACHELARD, Gaston. A Terra e os Devaneios do Repouso. 1. ed. brasileira. Tradução: Paulo Neves da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 1990: 15.


[iv] SAMUEL, Rogel, 2005: 89.


[v] Idem: 138.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

ECLIPSE SOLAR DE HOJE

O SDO - Solar Dynamics Observatory registrou um eclipse solar hoje. E a foto acima é uma prova irrefutável do belo evento.
Mas não fique triste se você não viu. Nem você nem ninguém daqui da Terra poderia ver o fenômeno que só foi observado do espaço, pelos olhos da sonda que orbita o nosso planeta.
Anualmente o SDO registra a passagem da Lua diante do disco solar. Mas o evento de hoje foi especial pois durou 2,5 horas, o mais longo nos quatro anos da missão. E o disco solar teve obstrução de 90%.
A sonda do SDO utiliza energia solar. Para evitar problemas, ela recebeu uma carga extra nas baterias para "sobreviver" à passagem da Lua diante da sua fonte de energia. 
Não deixe de ver uma animação feita a partir de imagens sequenciais capturadas pelo  SDO. Note que, curiosamente, logo que a Lua sai da frente do Sol, ocorre um belo flare solar que tem origem na enorme região ativa AR 1967 que surgiu por esses dias e, por conta da rotação do Sol, ficará de frente para a Terra nos próximos dias. 
 

A MORTE NO ENVELOPE

A MORTE NO ENVELOPE

ROGEL SAMUEL

A vida é breve. O Brasil não tem tradição de literatura policial. Outros gêneros literários sumiram, também. A nova poesia, os novos contistas, o novo romance. Falta mídia? Não acredito. Faltam editoras. Não faltam leitores. Coelho Neto escreveu 112 livros e 50 peças de teatro. Vida breve. Raquel de Queiroz  escreve muito (e muito bem) no "Estado de São
Paulo". Pode ser lida pela Internet. "Por que os pássaros cantam?"
Recebo um e-mail: "Caro R., o que é diferente em sua crônica é que ela se vai encadeando a partir de referências, sem fixar-se no tema inicialmente proposto. Você segue o fluxo labiríntico..." No tempo de Humberto de Campos, não havia e-mail. Ele recebia inúmeras cartas.
Escreveu obra gigantesca, hoje desconhecida. "A morte no envelope" de Luiz Lopes Coelho vem à lembrança nos dias de antraz. Toda semana decido parar de escrever esta crônica. Mas recebo e-mail de gente importante que diz que leu e gostou. Ler já é muito. A literatura não morre no
envelope, mas na estante. Coelho Neto e Humberto de Campos escreveram muito, como Camilo, um gênio, que ainda se lê com prazer. Estilo rápido, nervoso e elétrico. A grande massa da literatura morre, morreu, ou morrerá. Balzac escrevia por compulsão. Um dos mais bem sucedidos escritores do Brasil, Jorge Amado, produzia um bom livro a cada dois
anos. Mas há autores de um livro só, como Manuel Antonio de Almeida.
Assis Brasil escreveu (e continua escrevendo) mais de cem livros. Vive de literatura, produz romances, ensaios, antologias. É um mestre. A "Tragédia burguesa", de Otavio de Faria, tem quinze grossos volumes. Elogiada por Mestre Alceu, hoje desapareceu. Ele era excelente crítico de cinema. Tobias Barreto, dono de respeitável obra, não se encontra.
Escreveu obras filosóficas importantes. Onde estão seus livros? Vida breve. Bach resumiu a "poética" de sua música na "A Arte da Fuga" (que contém o seu nome: si bemol, lá, dó, si). Conhecida um século depois. Mas A Arte da Fuga ficou incompleta. A última fuga não acaba; continua a
rolar, sem fim. Vida breve. Infinita.

100 000 people sign petition to deport Justin Bieber from US

100 000 people sign petition to deport Justin Bieber from US




Bang Showbiz |




COPPED: Justin Bieber was arrested for driving under the influence

Pop star Justin Bieber could be deported back to Canada after over 100 000 people signed a petition to have him removed from the US.The 19-year-old singer - who is from Ontario - may be asked to leave the country and have his green card revoked by the White House after an official We The People campaign against him received more than 100 000 signatures in just six days.

The government promises to review and respond to a petition once it receives more than 100 000 signatures in 30 days.
The campaign comes after the Beauty and A Beat hitmaker was arrested last week in Miami for driving under the influence (DUI), driving with an expired license and resisting arrest.
The petition reads: "We the people of the United States ... would like to see the dangerous, destructive, and drug abusing Justin Bieber deported and his green card revoked ...
"He is not only threatening the safety of our people, but he is also a terrible influence on our nation's youth.We the people would like to remove Justin Bieber from our society."
Meanwhile, as well as facing legal problems in Miami, Bieber could also potentially face felony charges after an incident where one of his neighbours' homes was egged, causing $20 000 of damage.
Officers for the Los Angeles County Sheriff's department said they will soon be submitting evidence to the District Attorney, who will then decide whether to press charges.

ÍNDIO


PICASSO BRINCA COM FILHO



Pablo Picasso brinca com seu filho, Claude, em Vallauris, França, em 1948. Afastada da típica imagem de repórter de guerra, a faceta de Capa como retratista de personalidades da cultura floresceu no final dos anos quarenta e cinquenta.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

poema


uivo longo noite
escura vento
o vento evoca suas vozes
longas e ecos cavernas fundas
por que parece que morri?
uivo longo, muitas vozes
silenciada
madrugada escancarada
prata ouro lanterna mágicas
calma nos arredores e arrepio
uivo longo na murada
volto a sonhar

mar


rogel samuel

As Amazonas


As Amazonas

OLAVO BILAC

Nem sempre durareis, eras sombrias
De miséria moral! A aurora esperas,
Ó Pátria! e ela virá, com outras eras,
Outro sol, outra crença em outros dias!

Davi renascerá contra Golias,
Alcides contra os pântanos e as feras:
Os corações serão como crateras,
E hão de em lavas mudar-se as cinzas frias.

As nobres ambições, força e bondade,
Justiça e paz virão sobre estas zonas,
Da confusa fusão da ardente escória.

E, na sua divina majestade,
Virgens, reviverão as Amazonas
Na cavalgada esplêndida da glória!


AS AMAZONAS DE BILAC



 

 
 
ROGEL SAMUEL
 
Só Bilac para essa capacitação perene, essa atualidade.
 
Ainda é, para mim, Bilac o maior poeta do Brasil. Ainda o leio, anos após ano, sempre com renovado prazer. Digo e repito: prazer. Pois para que serve a arte a poesia a vida senão para isso, para nos proporcionar o prazer, o verdadeiro prazer que a poesia a musica a pintura o teatro todas as grandes artes nos levam ao gozo do supremo, ao gozo da estesia. O resto é bobagem tolice, cerebral artifício estéril de professores sem talento (pois sou professor) que ficam analisando classificando matando a arte. Bilac atravessou o modernismo e o pós, Bilac compôs sonetos que quem souber ler pode ainda hoje usufruir. Patrimônio nacional, Bilac merecia um monumento em cada praça. Cabral é descendente de Bilac.
Por isso releio As Amazonas:
 
Nem sempre durareis, eras sombrias
De miséria moral! A aurora esperas,
Ó Pátria! e ela virá, com outras eras,
Outro sol, outra crença em outros dias!
Davi renascerá contra Golias,
Alcides contra os pântanos e as feras:
Os corações serão como crateras,
E hão de em lavas mudar-se as cinzas frias.
As nobres ambições, força e bondade,
Justiça e paz virão sobre estas zonas,
Da confusa fusão da ardente escória.
E, na sua divina majestade,
Virgens, reviverão as Amazonas
Na cavalgada esplêndida da glória!
 
 
Quem são essas Amazonas míticas? Elas representam outro sol outra crença outros dias! Davi, Alcides, corações, lavas, nobres ambições, força, bondade, justiça, paz, esplêndida glória!
As Amazonas de Bilac são a Revolução.
Representam a virada, a vitória contra o obscurantismo.


O personagem lendário

NEUZA MACHADO - ESPLENDOR E DECADÊNCIA DO IMPÉRIO AMAZÔNICO

 
SOBRE O ROMANCE O AMANTE DAS AMAZONAS DE ROGEL SAMUEL
 

 

 
 
A Caxinauá olhou aquelas margens [as margens de um dos igarapés do Manixi]. Ali viveram seus antepassados. Ali estivera entre os seus. A Caxinauá gostava de visitar aquele lugar histórico. Do passado não havia traço. (...)
 
Súbito pressentiu o perigo.
 
De repente sentiu que, de dentro, do fundo da mata, se aproximava algo ameaçador. Ela sabia que aquilo vinha muito rápido ─ nada o tinha denunciado, mas ela rapidamente saiu de dentro d’água.
 
Mas era tarde: Foi agarrada por mãos enormes, por enormes braços de um ser monstruoso, por trás, e ela sentiu o cheiro de cumaru e o forte calor daquele corpo e soube de imediato de quem se tratava, que seria ela mais uma das vítimas de Paxiúba, o Mulo.
 
Avaliou a situação: um dos braços do Mulo podia quebrar o seu pescoço, ela ia começar a sufocar, sabia daquela força insuperável besta selvagem. Ficou imóvel. Deixou-se levar. Sabia o que ele queria. O corpo do monstro estremecia, de prazer, era quente, o desejo roçava pelas costas da índia, arfando, como um cão.[i]
 
O personagem lendário de Rogel Samuel, o Paxiúba, nos últimos capítulos, passa a interagir (pela ótica interativa do segundo narrador rogeliano) com as induções visíveis e invisíveis do capitalismo desenfreado (benéficas ou maléficas), intrínsecas no plano sócio-substancial relativo à decadência do aparato capitalista do Manixi (o Manixi mítico permaneceu/permanece intacto, pois o ficcionista, por intermédio de seu narrador-auxiliar, na página 103, afirma que “a floresta vencera”). Posteriormente, envolvido por tais induções, disseminadas na maneira de pensar dos personagens relacionados com o aparato empresarial amazonense, Paxiúba começa a perder a sua aura guerreira ─ o brilho mítico, explícito, que o dignificava ─, terminando sua existência de uma forma diferente do narrar fabuloso, ou seja, pela forma exigida pelo tempo vital, acionada pelo dinamismo cíclico da ficção.
É bem verdade que a dimensão ficcional do Manixi, o lugar onde o poder mítico de Paxiúba se fez / se faz visível, já estava maculado por valores capitalistas, desde o início da trajetória ficcional do primeiro narrador Ribamar de Sousa (e isto será decodificado nos próximos capítulos desta minha apreciação fenomenológica da obra de Rogel Samuel), entretanto, nas duas primeiras fases do romance, o espaço de concepção da obra se projetou por meio da fusão do sócio-substancial com o mítico-substancial (o que os teóricos da literatura em prosa denominam como realismo-mágico). Na primeira etapa, reinou o narrador Ribamar, como representante da dimensão sócio-substancial. Na segunda etapa, o (verdadeiro) narrador, criativamente, cedeu o privilégio ao bugre Paxiúba, pois se percebeu motivado a reclamar a aura lendária do gigantesco personagem, para iluminar e revigorar o seu desenrolar narrativo. Eis aqui a razão crítica (fenomenológica) da imponência do personagem. No entanto, a aura de Paxiúba não permanecerá visível nos capítulos subseqüentes da terceira fase ficcional (e final). E a nova face (ficcional) de Paxiúba começa/começará a aparecer a partir da decadência exterior do Manixi, sustentada e assinalada por ocasião de seu encontro voluptuoso com a Caxinauá.
No capítulo intitulado DEZESSETE: A RUA DAS FLORES, o bugre Paxiúba reaparece como homem “original” (ser primitivo), ao aproximar-se de Conchita Del Carmen, “uma mulher gorda, muito gorda e muito sexy”, “a dona da Rua das Flores”, “o mais belo jardim humano da prostituição bem-educada da cidade de Manaus, uma Transvaal incrustada nos domínios do Mito Indígena e recriada pela arte ficcional rogeliana (de uma forma nunca vista em outros escritores da pós-modernidade).
 
Conchita Del Carmen esperou que o homem se voltasse.
 
Não havia ninguém naquela rua. Rua estreita, na Vila de Transvaal. Ladeira. Exuberância de plantas e flores. Do Rio Jordão, que ali passava, no fim da descida. Dois gatos se lambiam na calçada. Conchita, sentada numa cadeira de embalo, olhava o homem e lixava as unhas. Fernandinho de Bará, nervosamente, sorriu para ela quando o homem se voltou. Fernandinho estava de pé, ao lado dela, sob as begônias. Antes que o homem se voltasse, ela não tinha reparado bem, distraída, examinando as unhas, a revista francesa caída sobre o colo. Conchita Del Carmen uma mulher gorda, muito gorda e muito sexy.[ii]
 
Conchita Del Carmen já era a dona da Rua das Flores. (...)
 
Mas Conchita não acreditava no que estava vendo quase à sua frente. Aquilo nunca tinha sido visto antes, que Fernandinho, sempre atento às observações daquele tipo, lhe tinha chamado a atenção. (...)
 
Era um bugre alto e escuro, quanto à fortaleza dos músculos e dos membros, monstruosamente enorme, meio índio meio negro, mal vestido e descalço. Porém, tinha, a seu modo, certa simpatia.
 
Conchita Del Carmen vivia ainda sonhando com o filho do lendário Coronel Pierre Bataillon, que tinha sido o oposto daquilo que estava na sua frente.[iii]
 
Pois o monstruoso homem era o contrário do que tinha sido o príncipe perdido. (...) Olhando aquilo, enojou-se. O monstro se afastava em direção do fim da ladeira da Rua das Flores, o chapéu na mão com que os cumprimentara. Tinha chegado do Rio Jordão..
 
Mas voltou.
 
Voltava! ele passava em revista as portas das casas. Como era de manhã, elas dormiam. A princípio, o Mulo. Depois ... se decidiu por ela.
 
Mas Conchita não se sentiu lisonjeada por aquela cortesia, mesmo fosse outro.[iv]
 
Mas homem não queria. Principalmente um índio daqueles ─ via-se ali um assassino, um homem mau, com quem deveria desenvolver logo umas evasivas amáveis mas firmes falas. Aquilo era um bandido, ela conhecia bem.
 
Mas o homem se aproximava.
 
Meio envergonhado, como convinha tratar a uma senhora-dama, ele veio dizendo uns “bons dias...”.
 
Foi quando De Bará deu um grito, olhando o homem de perto:
 
─ D. Conchita, este é o Paxiúba, do Manixi.[v]
 
Paxiúba se “afigurou”[vi] como homem ─ primitivo ─ diante de Conchita Del Carmen. Transitando dentro dos limites poderosos de um complexo populacional urbano, calcogênico, repleto de emanações terrestres, Paxiúba perde a aura lendária, aquela aparência miticamente iluminada que o caracterizou, quando de sua atuação como ser extraordinário, o “emblema da Amazônia amontoada e brutal, sombria, desconhecida, nociva”.


[i] Idem: 103.
[ii] Idem: 127.
[iii] Idem: 130.
[iv] SAMUEL, Rogel, 2005: 132 - 133.
[v] Idem: 134.
[vi] Ibidem.