Personagens-Narradores
NEUZA MACHADO
Tais quais os anteriores pós-modernos/modernistas
do início do século XX, os narradores pós-modernos/pós-modernistas de Segunda
Geração foram jogados à pressão do progresso. Mas, diferentes dos anteriores,
não quiseram desenvolver um olhar acima da realidade (a partir do segundo
cogito dialetizado), não se propuseram a agir como demiurgos, a criar uma
insólita realidade ficcional. Exigiram mais de si mesmos. Assumiram uma
participação ativa em seus textos ficcionais, posicionando-se como
escritores-personagens-narradores, denunciando, inclusive, suas próprias
inquietações existenciais, mostrando-se aparentemente fragilizados ante o
imensurável de uma degradada realidade globalizada. Preferiram a preocupação
com o presente (mesmo simulacrado em passado histórico, ou escrito em presente
histórico), ao invés de se reportarem paraliterariamente ao passado real, ou
mesmo se preocuparem profeticamente com o futuro incógnito, desenvolvendo a diferente
criatividade ficcional por intermédio de uma inquietação revestida por uma
simulação da tal realidade (afinal, quem reproduz fielmente a realidade são os
cronistas e jornalistas, ou seja, os escritores paraliterários, não os
autênticos criadores ficcionais).
As mãos que trabalham (a criação ficcional), os olhos
que vêem (o homem como um produto das aparências), ambos acrescidos do
imaginário particular ímpar do ficcionista, repleto de conhecimento de que
natureza for (mesmo que o ficcionista esteja desiludido por se ver submetido às
exigências sócio-ideológicas de seu momento estético), impõem a visão do
chamado hiper-realismo, visão transformadora, intensamente grandiosa,
abeirando-se ao plano metafísico do sonho. Mas a vida ordinária pós-moderna já é
por si um sonho dantesco, os simulacros existenciais são maiores e até mais
interessantes do que a própria realidade. Assim, os narradores deste momento da
pós-modernidade sonham a realidade que desejam transmitir aos seus
leitores (aos leitores do futuro, bem entendido), mas não podem furtar-se à
transmissão criativa de tais simulacros. Entre os personagens desses sonhos
amplos, resgatados pela mão poderosa, pelo olhar poderoso, e pelo
especialíssimo imaginário-em-aberto (imaginário sem limites) do escritor, esses
sonhos são antes de tudo reveladores de personagens atuantes, e cada um deles
terá de se mostrar repleto de brilho, mesmo que apareça e desapareça
rapidamente ao longo do texto ficcional. Por tais motivos, todos os personagens
de Rogel Samuel, em seu romance O Amante das Amazonas, são importantes e
são atuantes. São todos imprescindíveis ao desenrolar da ficção, porque, mesmo
que (alguns) apareçam esporadicamente, ao longo da narrativa, como, por
exemplo, a Sabá Vintém, a manicura das ricas senhoras (ela que sabe de tudo o
que acontece no ambiente narrado), não poderão ser descartados. São poderosos
auxiliares dos narradores rogelianos (quantas informações preciosas foram
repassadas aos narradores, por intermédio de Sabá Vintém, ou pela personagem-bibliotecária
Estella de Sousa?).
Do princípio ao fim da narrativa, a presença
interativa do narrador pós-moderno/pós-modernista de Segunda Geração se
encontra visível. Não importa que sejam dois ou mais narradores (invisíveis e
passageiros, como a manicura Sabá Vintém ou a bibliotecária Estella de Sousa,
ou Benito Botelho, ou qualquer outro personagem), eles se unem como
representantes dos narradores do escritor pós-modernista. Os narradores
rogelianos, desta diferenciada narrativa, gradativamente, vão hiper-realizando
o amplo espaço sócio-mítico-substancial da floresta amazonense, e,
posteriormente, o espaço sócio-substancial da cidade de Manaus,
transformando-os (os dois universos narrativo-ficcionais) em momentos de
criativos e impagáveis espetáculos. É bem verdade que os leitores do futuro
merecerão a grandiosidade destas múltiplas visões arrebatadoras de uma Floresta
plantada no princípio de tudo, Floresta que ainda faz parte do atual momento
histórico da humanidade, com a ressalva de que a mesma, possivelmente, não se
perpetuará, pois poderá desaparecer em um dos interregnos do tempo.
Assim reflito sobre os narradores de Rogel Samuel. A
história pessoal desse incomum escritor é grandiosa e ela interage com a
grandiosidade sócio-mitológica de seu Estado de nascimento. A história
pessoal/familiar do autor é grandiosa, o Amazonas é grandioso, assim como
aconteceu com João Guimarães Rosa e o Sertão de Minas Gerais. Ficcionistas e
Ficções: grandiosos, importantes, perpetuados pelo poder do imaginário alargado.
O Amazonas é hiper-fascinante, um repositório de lendas espetaculares,
muitíssimo além da imaginação linear. Os narradores rogelianos não são comuns,
são avatares excepcionais de vários narradores, ao longo da história do homem
(e é exatamente este o conceito que poderemos oferecer aos chamados narradores
pós-modernistas de Segunda Geração), os quais vão possibilitando o exagero
criativo (e aqui, nesta expressão “exagero criativo” não há nenhuma depreciação
crítica), transformando, em se tratando da incomum ficção de Rogel Samuel, o
que seria aparentemente normal (os acontecimentos cotidianos da Grande Floresta) em espetáculo grandioso.
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