terça-feira, 21 de janeiro de 2014

SALVE! SÃO SEBASTIÃO!

SALVE! SÃO SEBASTIÃO!
Isaac Melo


A moça, um tanto simpática, foi nos conduzindo por entre as catacumbas terra abaixo, enquanto o clima escaldante de Roma cedia lugar a uma temperatura enregelante, depois de uma longa caminhada pela estreita e milenar via Appia Antica. À medida que avançávamos por entre túneis estreitos e labirintosos, ela parava e nos assinalava uma ou outra tumba, acentuando a diferença conforme as condições sócio-econômicas de cada um, ou se era pagã ou cristã. Ainda estão lá as lâmpadas que alumiavam as tumbas, as ânforas de azeite, as pinturas, os símbolos sobrevivendo às mãos esfaimadas do tempo.
Via Appia Antica

Explicações para cá. Explicações para lá. Por mais que me agradassem, não era o ponto de vista histórico, nem arqueológico que me impulsionava naquele momento, e sim o da fé. Era a história de um soldado romano do II século que me atraía. Subimos uma pequena escada que dava para um salão mais amplo, porém sem nenhum ornamento. Sob um rústico altar, sustentado por quatro colunas, se encontrava um sarcófago de pedra. Na fadiga de quem já contou tal história centenas de vezes a centenas de peregrinos e turistas, a moça anunciou, sem muito entusiasmo, que ali estavam os restos mortais do mártir Sebastião.
Num deslize da guia, pois é proibido, conseguir sacar esta fotografia, tendo ao fundo,
sob o altar, o sarcófago com os restos mortais do mártir Sebastião.

Não se sabe com precisão a história de São Sebastião. Também é difícil separar os fatos históricos das lendas, que, com o decorrer dos séculos, se propagaram. O certo é que desde cedo o local se tornou um ponto de convergência e peregrinação de inúmeros cristãos, e que se estende até os tempos hodiernos. São os mistérios da fé. Talvez kierkegaard tenha razão, a fé é um salto no escuro. É a coragem de se lançar, mesmo não tendo certeza alguma. E, paradoxalmente, nessa ausência de certeza racional é que consistiria a salvação.
Basílica de São Sebastião ad catacumbas.
A Basílica está erguida sobre as catacumbas.

Duramos pouco junto à tumba do santo que um dia fora traspassado por flechas por se confessar cristão. Continuamos a percorrer aquelas passagens estreitas e pálidas. Durante os primeiros séculos, o cristianismo era uma religião ilegal e perseguida. As frias catacumbas serviam como lugar seguro para os cristãos se reunirem e celebrarem. Aí nas paredes e em lascas de pedras estão inúmeros escritos desse tempo, sobretudo, referindo-se a Pedro e Paulo, cujas relíquias foram trazidas para essas catacumbas, por volta do ano 258, para serem protegidas da invasão dos sarracenos.
Uma das flechas, segundo a Tradição, utilizada no martírio de Sebastião.
Catacumba é um termo cunhado a partir dessa tumba de São Sebastião ad catacumbas, tido como uma das tumbas mais conhecidas e visitadas de Roma. As catacumbas eram cemitérios subterrâneos utilizados pelos primeiros cristãos antes do Edito de Milão, a partir do qual o Império Romano se manteria neutro em relação ao credo religioso. Com a passar dos tempos catacumbas passou a designar todos os cemitérios cristãos subterrâneos. O aspecto rude e sem muita beleza no interior das tumbas vem da concepção cristã da vida eterna após a morte. Esta seria apenas uma passagem. A tumba servia apenas de descanso ao corpo, à matéria, sendo restabelecido e plenificado na ressurreição, a exemplo do próprio Cristo.

Minha admiração pelo mártir Sebastião se intensificou a partir de uma pequena comunidade católica encravada em plena selva amazônica. O seringal Capela, no Rio Muru, distante um dia de barco de Tarauacá, realiza a cada 20 de janeiro, anualmente, o novenário dedicado ao ex-soldado romano. Sobretudo nas últimas três noites o número de peregrinos dobra na pequena localidade. Nesse longínquo ermo, a milhares e milhares de quilômetros de onde vivera o santo, Sebastião revive no pensamento daquela gente simples, que talvez não saiba muita coisa dele. Aí acorrem não pelo santo em si, mas, em sentido mais profundo, por aquele anseio maior que reside no mais profundo de cada um, Deus.
Estátua em mármore de São Sebastião (1672), obra do escultor Giuseppe Giorgetti.
Basílica São Sebastião ad catacumbas.

A Igreja nos apresenta os santos como fonte de inspiração, um sinal de que a mensagem de Cristo pode ser vivida, apesar das fragilidades humanas, podendo estas também ser superadas. Atualmente vivemos uma inversão, em que a inspiração, no sentido ético, foi sobrepujada pela intercessão. Fazer milagre parece ser a única razão dos santos. Sendo que o verdadeiro milagre talvez se iniciasse com uma sincera mudança interior do nosso jeito de ser e de se relacionar com o que vemos e o que não vemos. Infelizmente abundam os vendedores do templo, os milagreiros, que barateiam a graça e a negociam como se Deus fosse um mero joguete ao nosso bel prazer. Por outro lado, os profetas escasseiam, enquanto padres-shows abundam entre plumas e paetês, a alimentar o povo com pão e circo, em vez de oferecer e propiciar o verdadeiro Pão da Vida.

Sou grato às pessoas do Seringal Capela, pois o meu rosto é semelhante aos seus. Sou grato ao mártir Sebastião. O homem antes do santo. O santo porque profundamente viveu sua humanidade. Humano é o que sou. Ser humano é o que me ensina Sebastião. Por me reconhecer plenamente humano é que o divino a mim começa a se desvelar. O amor de Deus nos vem não porque somos santos. O amor de Deus nos envolve porque antes somos humanos. A grandeza humana é reconhecer sua pequenez. Só quem é pequeno pode caber no coração de Deus.


> Imagens de arquivo pessoal de Isaac Melo.
> Texto publicado em 5/7/2012.

2 comentários:

Antonio Carlos Rocha disse...

Sou budista. Gosto muito de São Sebastião, vejo-o como um Espírito de Luz. Gratidão ao Padroeiro da Mui Leal e Heróica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Obrigado sempre !

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

sim, salve SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO!!!!!!!!!!!!!