terça-feira, 28 de janeiro de 2014

O auge e a decadência do ciclo econômico da borracha

Lucilene Gomes Lima
 
O auge e a decadência do ciclo econômico da borracha
 
       Benchimol também questiona se o fato da transplantação da hévea é realmente essencial para justificar a derrocada do ciclo. O autor argumenta que apesar de o amazônida cultivar ressentimento desse fato, a borracha não foi o único produto natural transplantado do mundo tropical amazônico para outros países e particularmente para o sudeste asiático. Cita uma extensa lista de outros produtos, como cacau, milho, batata, tabaco, abacaxi, caju, goiaba, maracujá, mandioca, macaxeira, açaí, guaraná e pupunha, além de plantas medicinais, como quinino, chinchona, ipeca, jaborandi e o capim-santo. Por outro lado, lembra que a Amazônia brasileira e países da América tropical também receberam uma grande variedade de produtos da Ásia e da África, tais como manga, jaca, café, arroz, cana-de-açúcar, banana, entre outros. Assim, segundo o autor,
 
[...] os produtos da flora e da fauna tropical sofreram intenso processo de transplante e migração entre continentes e países, a partir dos séculos XV e XVI, durante e após o ciclo dos grandes descobrimentos. Os colonizadores portugueses, espanhóis, ingleses, franceses, belgas e holandeses tiveram papel importante na difusão e propagação dos produtos tropicais entre os povos e países da Ásia, Oceania, África e América. Troca e intercâmbio, que muito contribuíram para ajudar os países tropicais a enriquecer e  buscar alternativas de desenvolvimento, graças ao seu diversificado patrimônio biológico e genético e pela aclimatação de novas espécies e cultivares de híbridos mais resistentes às pragas.[1]
 
       Benchimol conclui que Henry Wickham não pode ser condenado por ter levado as sementes de seringueiras sem que se condene também Francisco de Melo Palheta que, à semelhança do que fez o inglês, também teve de esconder as plantinhas de rubiáceas (café), trazendo-as de Caiena para as plantações do Pará e Amazonas, sendo que o café posteriormente seria transplantado para São Paulo e outros estados.
       Os dois autores – Ferreira Filho e Benchimol – vêem naturalidade no episódio da transplantação da hévea pelos ingleses. O primeiro considera legítima a ação imperialista inglesa de apoderar-se das sementes da hévea para auferir monopólio sobre ela. Não parece considerar, ao referir-se à escravidão do mundo à borracha amazônica, que os ingleses se beneficiavam com essa escravidão tanto na comercialização da borracha quanto na venda de seus produtos aos consumidores amazônicos. Portanto, não se tratava simplesmente de acabar com a escravidão da humanidade à produção de borracha amazônica, mas sim de obter um meio de exploração ainda mais lucrativo. O segundo, por sua vez, encara a transplantação da hévea pelo prisma da inevitabilidade da transmigração de espécies vegetais e animais entre os continentes. Na generalidade, pode-se dizer que o processo ocorrido com a hévea é o mesmo, mas quando ocorre a sua transplantação, ela já é um produto natural largamente explorado e de importância crescente para o mercado mundial. Mais que transplante, levar a semente da hévea significou assenhorear-se completamente do monopólio de extração, uma vez que o capital inglês já era um dos principais financiadores do negócio da borracha, mas ainda não tinha o completo domínio de sua fonte de produção ou de extração na natureza.       


[1] Samuel BENCHIMOL, Amazônia: formação social e cultural, p. 218-219.

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