domingo, 26 de janeiro de 2014

O auge e a decadência do ciclo econômico da borracha

Lucilene Gomes Lima
 
O auge e a decadência do ciclo econômico da borracha
 
  
       É preciso não perder de vista que o “crescimento” das duas capitais amazônicas significou o transplante de uma idéia de progresso, fomentada com o ciclo, e que não alterou a face colonial da economia amazônica, dependente das contingências do mercado internacional. Urbanidade, civilização, progresso, tudo isso parece não se coadunar com trabalho semi-escravo, condição de vida indigna e animalizada nas estradas dos seringais e castigos físicos e morais para os que se recusassem a aceitar as regras do trabalho, como lembra Souza:
 
[...] A face oficial do látex era a paisagem urbana, a capital coruscante de luz elétrica, a fortuna de Manaus, e Belém, onde imensas somas de dinheiro corriam livremente. O outro lado, o lado terrível, as estradas secretas, estavam bem protegidas, escondidas no infinito emaranhado de rios, longe das capitais. O lado festivo, urbano, civilizado, que procurou soterrar as grandes monstruosidades cometidas nos domínios perdidos, poucas vezes foi perturbado durante a sua vigência no poder [...].[1]
 
       A decadência do ciclo econômico da borracha está inevitavelmente associada ao crescimento da produção da borracha na Ásia (Malásia, Ceilão, Índia e Indonésia), resultante da introdução das mudas de seringueiras levadas para aquele continente pelos ingleses, desenvolvendo ali um sistema de plantação racional e não mais apenas natural como ocorria na Amazônia. A produção de borracha amazônica, que era a maior até então, passou a sofrer a concorrência da produção asiática, não resistindo e entrando em colapso. Apesar do otimismo por parte de alguns exploradores e investidores em relação à produção da borracha amazônica, ela era, na verdade, insuficiente para atender a demanda do mercado mundial, o que ocasionava seu alto preço. A experiência da plantação na Ásia levou mais de vinte e cinco anos para se desenvolver satisfatoriamente, mas quando, enfim, a produção se iniciou em 1898 com 1 tonelada e manteve um nível de produção crescente até atingir  47.618 toneladas em 1913, superando a produção amazônica, esses resultados compensaram o investimento nas técnicas de melhoramento do plantio e ofereceram ao mercado mundial abundância do produto a um baixo custo.
       O quadro oferecido pela produção asiática desmantelou o sistema de exploração  montado na Amazônia. Os investidores abandonaram a região, levando o capital que movimentava a economia gomífera, capital que mesmo no período da alta cotação da borracha amazônica já era drenado para fora da região. A esse respeito, Antõnio Loureiro informa que três grupos se beneficiaram com a comercialização da borracha, sem precisarem se responsabilizar pelos custos da sua produção: o aparelho estatal que arrecadou 25% de impostos; os exportadores que compravam a borracha dos aviadores para revendê-la no mercado exterior e os intermediários, especuladores das bolsas de Nova Iorque e Londres.[2] Esses lucros reverteram em benefício de outras regiões brasileiras, ampararam a produção cafeeira do sudeste, serviram para desenvolver as empresas de plantação asiática.
       A decadência do “ciclo da borracha” e a conseqüente crise em que entraram os estados que concorreram para aumentar os saldos de divisas do país[3] são vistas por alguns estudiosos da história econômica da Amazônia como uma incapacidade dos governantes locais de gerirem competentemente os recursos da região, revertendo-os para o seu desenvolvimento. Para Ferreira Filho, essa constatação não deve ser desviada para outras justificativas de menor importância, como, por exemplo, o episódio da transplantação das sementes da hevea brasiliensis pelo inglês Henry Wickham:[4]
 
[...] Não creio que tenha havido escritor, jornalista de profissão ou simples comentarista ocasional que, ao relembrar o episódio do deslocamento da produção de borracha para terras asiáticas, não se demore em sovar e malsinar o tal senhor Henry Wickmam, acusando-o de imperdoável crime de haver furtado as sementes da ‘hevea brasiliensis’ para servir aos interesses de sua majestade britânica. Essas carpideiras ainda não compreenderam que, tendo a borracha se convertido em matéria-prima essencial ao bem-estar da humanidade, não poderia o mundo ficar escravizado à limitada e imperfeita produção dos seringais nativos da Amazônia. E que, por meios pacíficos ou violentos, mais tarde ou mais cedo, as nações industrializadas que a utilizavam teriam de apoderar-se de suas matrizes. O que deve ser pranteado é a nossa incúria e falta de iniciativa, deixando de formar grandes plantações de seringueiras para neutralizar a tremenda competição que, cinqüenta anos mais tarde, viria arrasar a economia extrativa da Amazônia [...].[5]


[1] Márcio SOUZA, Breve história da Amazônia,  p. 139-140.
[2] Antônio J. S. LOUREIRO, A grande crise (1908-1916), p. 15.
[3] É digno de destaque o fato de que em 1910 cada habitante da Amazônia produzia 14 vezes mais divisas do que os demais brasileiros (Cf. Antônio J. S. LOUREIRO, Amazônia: 10.000 anos,  p. 177).
[4] Optamos pela grafia Wickham por ser a mais freqüente nos textos pesquisados. Dentre esses textos, a grafia Wickmam é empregada  por Arthur Cezar Ferreira Reis, Cosme Ferreira Filho e Samuel Benchimol.
[5] Cosme FERREIRA FILHO, Amazônia em novas dimensões, p. 155.

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