Lucilene
Gomes Lima
O
auge e a decadência do ciclo econômico da borracha
É
preciso não perder de vista que o “crescimento” das duas capitais amazônicas
significou o transplante de uma idéia de progresso, fomentada com o ciclo, e
que não alterou a face colonial da economia amazônica, dependente das
contingências do mercado internacional. Urbanidade, civilização, progresso,
tudo isso parece não se coadunar com trabalho semi-escravo, condição de vida
indigna e animalizada nas estradas dos seringais e castigos físicos e morais
para os que se recusassem a aceitar as regras do trabalho, como lembra Souza:
[...] A face
oficial do látex era a paisagem urbana, a capital coruscante de luz elétrica, a
fortuna de Manaus, e Belém, onde imensas somas de dinheiro corriam livremente.
O outro lado, o lado terrível, as estradas secretas, estavam bem protegidas,
escondidas no infinito emaranhado de rios, longe das capitais. O lado festivo,
urbano, civilizado, que procurou soterrar as grandes monstruosidades cometidas
nos domínios perdidos, poucas vezes foi perturbado durante a sua vigência no
poder [...].[1]
A
decadência do ciclo econômico da borracha está inevitavelmente associada ao
crescimento da produção da borracha na Ásia (Malásia, Ceilão, Índia e
Indonésia), resultante da introdução das mudas de seringueiras levadas para
aquele continente pelos ingleses, desenvolvendo ali um sistema de plantação
racional e não mais apenas natural como ocorria na Amazônia. A produção de
borracha amazônica, que era a maior até então, passou a sofrer a concorrência
da produção asiática, não resistindo e entrando em colapso. Apesar do
otimismo por parte de alguns exploradores e investidores em relação à produção
da borracha amazônica, ela era, na verdade, insuficiente para atender a demanda
do mercado mundial, o que ocasionava seu alto preço. A experiência da plantação
na Ásia levou mais de vinte e cinco anos para se desenvolver satisfatoriamente,
mas quando, enfim, a produção se iniciou em 1898 com 1 tonelada e manteve um
nível de produção crescente até atingir
47.618 toneladas em 1913, superando a produção amazônica, esses
resultados compensaram o investimento nas técnicas de melhoramento do plantio e
ofereceram ao mercado mundial abundância do produto a um baixo custo.
O
quadro oferecido pela produção asiática desmantelou o sistema de
exploração montado na Amazônia. Os
investidores abandonaram a região, levando o capital que movimentava a economia
gomífera, capital que mesmo no período da alta cotação da borracha amazônica já
era drenado para fora da região. A esse respeito, Antõnio Loureiro informa que
três grupos se beneficiaram com a comercialização da borracha, sem precisarem
se responsabilizar pelos custos da sua produção: o aparelho estatal que
arrecadou 25% de impostos; os exportadores que compravam a borracha dos
aviadores para revendê-la no mercado exterior e os intermediários,
especuladores das bolsas de Nova Iorque e Londres.[2]
Esses lucros reverteram em benefício de outras regiões brasileiras, ampararam a
produção cafeeira do sudeste, serviram para desenvolver as empresas de
plantação asiática.
A
decadência do “ciclo da borracha” e a conseqüente crise em que entraram os
estados que concorreram para aumentar os saldos de divisas do país[3]
são vistas por alguns estudiosos da história econômica da Amazônia como uma
incapacidade dos governantes locais de gerirem competentemente os recursos da
região, revertendo-os para o seu desenvolvimento. Para Ferreira Filho, essa
constatação não deve ser desviada para outras justificativas de menor importância,
como, por exemplo, o episódio da transplantação das sementes da hevea brasiliensis pelo inglês Henry
Wickham:[4]
[...] Não creio
que tenha havido escritor, jornalista de profissão ou simples comentarista
ocasional que, ao relembrar o episódio do deslocamento da produção de borracha
para terras asiáticas, não se demore em sovar e malsinar o tal senhor Henry
Wickmam, acusando-o de imperdoável crime de haver furtado as sementes da ‘hevea
brasiliensis’ para servir aos interesses de sua majestade britânica. Essas
carpideiras ainda não compreenderam que, tendo a borracha se convertido em
matéria-prima essencial ao bem-estar da humanidade, não poderia o mundo ficar
escravizado à limitada e imperfeita produção dos seringais nativos da Amazônia.
E que, por meios pacíficos ou violentos, mais tarde ou mais cedo, as nações
industrializadas que a utilizavam teriam de apoderar-se de suas matrizes. O que
deve ser pranteado é a nossa incúria e falta de iniciativa, deixando de formar
grandes plantações de seringueiras para neutralizar a tremenda competição que,
cinqüenta anos mais tarde, viria arrasar a economia extrativa da Amazônia
[...].[5]
[1] Márcio
SOUZA, Breve história da Amazônia, p. 139-140.
[2] Antônio
J. S. LOUREIRO, A grande crise
(1908-1916), p. 15.
[3] É
digno de destaque o fato de que em 1910 cada habitante da Amazônia produzia 14
vezes mais divisas do que os demais brasileiros (Cf. Antônio J. S. LOUREIRO, Amazônia: 10.000 anos, p. 177).
[4]
Optamos pela grafia Wickham por ser a
mais freqüente nos textos pesquisados. Dentre esses textos, a grafia Wickmam é empregada por Arthur Cezar Ferreira Reis, Cosme
Ferreira Filho e Samuel Benchimol.
[5] Cosme
FERREIRA FILHO, Amazônia em novas
dimensões, p. 155.
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