(FOTO DE A. C. ARAUJO)
Personagens-Narradores
O narrador
moderno, cujos olhos o obrigavam a ver o momento incógnito de uma
novíssima Era desconcertada, amedrontadora,
intuiu que, por intermédio de uma perspectiva dialetizada, o seu ato de
narrar alcançaria camadas desconhecidas daquela realidade que lhe estava
próxima, escoltado por seu singularíssimo grau de conhecimento do mundo e por
sua capacidade de registrar, ao longo de sua narrativa, palavras
plurissignificativas, que levassem o leitor a pesquisar os seus vários
significados, e, com isto, obrigando-o a interagir com a camada oculta do texto
ficcional. O criador desse iniciante ardil ficcional foi Miguel de Cervantes,
quando criou a expressão “moinhos de vento”, expressão que remete aos diversos
obstáculos enfrentados por seu personagem principal, o Quixote (um herói
decaído, impossibilitado de representar os antigos heróis do passado medieval),
acompanhado de seu fiel escudeiro Sancho Pança (o personagem-representante
legal, racional, da Era que se iniciava). Como bem se pode avaliar, a origem da
plurissignificação literária é ficcional; a forma poética lírica a adotou,
posteriormente, (A poesia lírica, inclusive a renascentista, anterior ao século
XVII, não é plurissignificativa; possui os fenômenos estilísticos do gênero
lírico, mas não se vale da plurissignificação, um fenômeno literário da Era
Moderna, a partir da estética barroca).
O ciclo de
narradores ficcionais modernos, iniciado a começar de Cervantes, termina aqui
no Brasil no final do século XIX e anos iniciais do XX, com as narrativas
realista-impressionistas, de Machado de Assis a Lima Barreto. Assim, as
narrativas ficcionais do século XX, de escritores brasileiros do pós-22, em
conformidade com as expressões literárias dos escritores de outros países
ocidentais (James Joyce, Kafka e outros), já poderiam ser inseridas, em se
tratando de Era, naquela a que denominamos de Pós-Moderna. Segundo os
especialistas, há ainda muita dificuldade para um julgamento eficiente sobre o
início desta atual Era, pois ela está muito próxima, historicamente, de nossa
realidade existencial. Entretanto, penso que o século XX (desde a sua
alvorada), presentemente, já poderá ser recebido como o princípio de algo bem
diferente da Era anterior. Teria de gastar um tempo distendido para provar tal
tese. Por enquanto, não é esta a intenção que me orienta. Mas, de qualquer
forma, para o desenvolvimento de minhas reflexões sobre o romance de Rogel
Samuel, catalogarei os anos iniciais do século XX como o início desta nova Era,
chamada (depois de diversas negações e reprovações) de Pós-Moderna.
Penso que as
narrativas dos escritores da segunda fase do Modernismo Brasileiro (a partir do
Macunaíma de Mário de Andrade) até aos anos finais da década de 1960, já
poderiam ser reconhecidas como narrativas pós-modernas (refiro-me à Era,
evidentemente). Por conseqüência, já teríamos, historicamente falando, dois
momentos histórico-literários relacionados com o nosso atual momento (estes
anos iniciais do século XXI): o Modernismo (da segunda fase até aos anos
sessenta, dividido em dois segmentos) e o Pós-Modernismo (dos anos sessenta em
diante, já computando também dois segmentos).
Ao chamado
Modernismo de Terceira Fase (anos quarenta aos sessenta), percebo-o como um
momento de transição para o pós-modernismo literário (estética pós-modernista).
Para a valorização da criatividade do escritor brasileiro, foi um momento
literário excepcional, com todos os seus grandes ficcionistas epifânicos, os
quais souberam guiar, catarticamente, seus leitores ao mais alto grau de
interação reflexiva por meio de textos ímpares, iluminados; ficcionistas esses,
únicos, cada um diferenciando o estilo criativo de seus escritos por meio de
suas peculiares formas, obstruindo o posterior desenvolvimento de textos
semelhantes, impedindo a proliferação de plágios, assinados por outros
pseudo-escritores. (É lícito lembrar que Cervantes foi vítima de tal conduta
por parte de um outro escritor. Depois de sua morte, houve uma continuação das
aventuras do Dom Quixote). E aqui vamos assinalar, inclusive, o Modernismo
Brasileiro das duas últimas fases, a partir dos anos trinta aos anos sessenta,
como estéticas Pós-Modernas (relacionadas à Era), com o advento das mudanças
políticas aqui percebidas, mas, também, como reflexo das leituras estrangeiras
feitas pelos intelectuais nos anos anteriores, desde o término da Primeira
Guerra Mundial. Leituras teórico-críticas importadas principalmente da França,
trazidas também pelos professores-pesquisadores e sociólogos franceses, que
aqui vinham pesquisar, leituras que refletiam as idéias do denominado “novo
romance francês”, o qual desenvolvia a chamada “técnica do olhar” em alta
rotatividade, técnica esta já utilizada desde o início do século XX por
perspectivas ficcionais diferentes (narrativa paradigmática normal, narrativa
de absurdo, narrativa fantástica, narrativa do realismo-mágico), todas, sem
distinção, diretrizes ficcionais relacionadas com as chamadas Narrativas de
Acontecimento.
Só que os
narradores brasileiros, os pós-modernos/pós-modernistas de Segunda Geração,
foram além do “olhar” em alta rotatividade dos chamados
pós-modernos/pós-modernistas da Primeira Geração (Murilo Rubião, Roberto
Drummond e outros). Diverso dos antigos narradores experientes que “tinham mãos
para pensar” (teoria de Anaxágoras de Clazomene) e dos narradores modernos (os
quais pensavam porque tinham olhos e mãos para escrever), os narradores
pós-modernistas (do segundo momento ficcional da Era pós-Moderna até ao momento)
passaram a pensar porque tinham mãos criadoras à moda dos antigos narradores,
olhos para ver a realidade globalizada, como os pós-modernos/pós-modernistas da
Primeira Geração, mas possuindo, concomitantemente, um incomum
imaginário-em-aberto, dinâmico, acionado pela capacidade de apropriação e
transformação interativa do cotidiano, do conhecimento em todas as suas
vertentes, das informações generalizadas, em outras palavras, de tudo o que
pudesse instigá-lo criativamente, a partir de sua própria realidade histórica,
ou seja, do cheio ao vazio existencial.
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