sábado, 11 de janeiro de 2014
Morre Moacy Cirne, aos 70 anos
Morre Moacy Cirne, aos 70 anos
Corpo será enterrado neste sábado em São José do Seridó, onde o escritor nasceu
RIO - Considerado o maior estudioso brasileiro das histórias em quadrinhos e um dos fundadores do movimento conhecido como Poema/Processo, o poeta, artista visual e professor Moacy Cirne morreu neste sábado, aos 70 anos, em Natal, por volta das 13h. O corpo será velado ainda hoje, a partir das 20h, no Centro de Velório do Morada da Paz, no bairro Lagoa Seca. O sepultamento será realizado em São José do Seridó, onde o escritor nasceu.
Moacy sofreu uma parada cardíaca pouco depois de ser submetido a uma cirurgia. O poeta chegou a ficar em coma induzido, mas não resistiu. Ele havia descoberto um câncer no fígado recentemente.
O poeta nasceu em São José do Seridó/Jardim do Seridó, em 1943 e é considerado referência até hoje quando se trata de Histórias em Quadrinhos no Brasil, de acordo com a editora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pioneiro na área, escreveu livros como “Bum! – a explosão criativa dos quadrinhos” e “Literatura em quadrinhos no Brasil”.
Seu livro mais recente, “Seridó Seridós”, foi lançado em 14 de dezembro e trazia, segundo o próprio autor, “um pouco de tudo: de críticas a memórias e fotos, de homenagens, poemas a listas de livros e filmes”.
Em 1967 participou do lançamento do poema/processo (em Natal e no Rio de Janeiro), movimento de vanguarda literária próxima das artes plásticas, ao lado de Wlademir Dias-Pino, Alvaro de Sá, Neide Dias de Sá, Anselmo Santos, Dailor Varela, Anchieta Fernandes, Falves Silva, Nei Leandro de Castro, Sanderson Negreiros, Pedro Bertolino, Hugo Mund Jr. e outros. Em seguida, Joaquim Branco, Sebastião Carvalho, José Arimathéa, Ronaldo Werneck e, mais tarde, Jota Medeiros e Bianor Paulino se incorporaram ao movimento, com seus poemas semiótico-gráfico-visuais, além dos projetos semântico-verbais.
Na década de 1970 escreveu a coluna EQ, juntamente com Marcio Ehrlich, no jornal carioca Tribuna da Imprensa. Foi editor da Revista de Cultura Vozes, de Petrópolis (1971-1980), e colaborador do suplemento Livro do Jornal do Brasil (Rio, 1972-76)
Professor (aposentado) do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense – onde lecionava disciplinas sobre Histórias em Quadrinhos e Ficção Científica, dentre outras – era famoso no Instituto de Arte e Comunicação Social da UFF por editar e distribuir um fanzine independente de uma única página, o Balaio Porreta. Cirne costumava organizar comemorações chamadas "Balaiadas", com distribuição de brindes como livros de arte e poesia entre os alunos do curso de Comunicação Social, para divulgar as edições especiais do Balaio. Desde 2007 o fanzine, que une textos provocativos, listagens de filmes, pensamentos e poesias, se transferiu para a internet sob a forma de um blog, o Balaio Vermelho. O fanzine Balaio foi um dos principais meios de divulgação no Rio de Janeiro das poesias eróticas do polêmico Chico Doido de Caicó, durante muito tempo considerado um personagem fictício e alter-ego do próprio Moacy Cirne.
POEMAS
A PRAÇA
joão da paraíba oferece a alguém,
com
muito
amor
e carinho,
"lábios que beijei", na voz de orlando silva
[in Cinema Pax, 1983]
NÃO BEBA
ESTE POEMA
você
pode
virar
um
VAMPIRO
[Versão original in Docemente experimental, 1988]
RECOMEÇO
Sei do sonho:
procuro tua sombra na
penumbra
da memória líquida
e nada encontro.
A lua não é vermelha
não é violeta
não é verdecoisa
mas
os loucos da madrugada
anunciam as primeiras águas da manhã.
Sei do sonho?
Tua sombra pagã
é um corpo que me foge
das mãos cansadas de espantos
e abismos.
A árvore sonolenta
anoitece os meus delírios.
Não te vejo na claridade
do silêncio.
O sol é um pássaro ferido
na solidão
de meus gestos de meus gritos
e a hora cruviana
é uma graviola
grávida
de aromas e carnes
pronta para ser saboreada.
Sei.
Não foi um sonho.
Como encontrar,
então,
na
arquitetura fluvial
de meus quereres,
as linhas
e curvas
de teu corpo barrento-canela?
Ah, não! Ah, sim!
Existe
um
grande sertão
nas veredas da minha paixão.
E eu sei do sonho.
Procuro tua sombra líquida
e nada encontro.
A lua não é verdeluã
mas
tua sombra pagã
anoitece os meus delírios.
Como encontrar,
sol e solidão,
a arquitetura colonial
de teu corpo fluvial?
Como encontrar,
no silêncio de meus gritos,
tua sombra teus aromas tuas carnes?
Sim,
não.
Tua memória vermelha
é uma sombra grávida
de morenezas e reentrâncias
azuis.
Docemente azuis.
Barrentas e azuis.
[ Originalmente publicado em
Qualquer tudo (1993); republicado em
Continua na próxima (1994) ]
POEMA FINAL
o homem só,
velho e cansado,
olha para a frente
e nada vê.
olha para os lados
e nada vê.
olha para o fim do mundo
e nada vê.
entre
o espanto dos suicidas
e
o silêncio dos desamados,
o homem cansado,
velho e só,
olha para o poema
e nada vê.
será
que os sinos
dobrarão por ele?
[in Continua na próxima, 1994]
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