NEUZA MACHADO - ESPLENDOR E DECADÊNCIA DO IMPÉRIO AMAZÔNICO
Conseqüentemente, vejo-me induzida a novamente
explicar as diferenças entre estética modernista (seja de que geração for) e
estética pós-modernista, principalmente no que se refira à ficção (computo duas
gerações pós-modernistas até ao momento; coloco a criatividade ficcional de
Rogel Samuel na Segunda Geração, atual): há diferenças marcantes entre ficção
modernista e ficção pós-modernista. Na ficção modernista da última fase
(creditada como terceira, a partir dos anos quarenta do século XX, mas avaliada
aqui como estética de transição para o pós-modernismo da Primeira Fase), há
presença do indivíduo-criador a guiar os leitores até “aos vagos clarões do
espírito”[i],
quando repenso aqui o direcionamento filosófico especialíssimo de Gaston
Bachelard. São os últimos modernistas (da transição dos anos quarenta ao início
dos anos sessenta) escritores epifânicos: João Guimarães Rosa, Clarice
Lispector, Lygia Fagundes Telles, entre outros. Esses ficcionistas
privilegiados alcançaram o direito de ultrapassagem dos cogitos (um: linear; e
dois: dialético) e de conviverem com o terceiro cogito do pensamento
individual. Estou a referir-me apenas aos escritores dos anos quarenta ao início
dos anos sessenta do século XX, já assinalados, ficcionistas ímpares,
distanciados das exigências moralistas próprias dos anteriores narradores
ficcionais da Era Moderna (desde o início do Gênero Narrativo Ficcional como
fenômeno da Era Moderna, ou seja, do início do século XVII até ao final do
século XIX). Aqueles (os ficcionistas do século XVII ao século XIX) iniciavam
seus escritos ficcionais com uma fórmula já elaborada, com princípio, meio e
fim, já com regras pré-concebidas, impositivas, de normas e exemplos de vida
comunitária, à moda da anterior Era Medieval, se me obrigo a repensar
livremente as palavras de Walter Benjamim[ii],
sobre o narrador ficcional (narrador exemplar) do início da Era Moderna. Tais
reflexões saem, também, de outras fontes do meu próprio cabedal de
conhecimento, uma vez que faço parte, irrestritamente, desta engrenagem
sócio-cultural pós-moderna interativa. Entretanto, há, neste meu patrimônio
intelectual intercambiável, uma vigorosa ligação teórico-reflexiva, embora
desde já reformulada, com o ainda importante ensaio de Walter Benjamim.
E, uma vez que me refiro a Walter Benjamim, faz-se
necessário explicar que ele repensou sociologicamente e historicamente os
narradores ficcionais da Era Moderna, percebendo-os como narradores (prosadores)
saudosistas de um passado de glórias mítico-sociais (mesmo que, assim, não seja
visível, ao longo de seu texto, escrito antes do término dos anos quarenta).
Por intermédio de Benjamim, e de outros pensadores das dimensões sociais,
diversificadas, da individualista sociedade moderna, pude observar que os
narradores ficcionais modernos (continuo insistindo, da Era Moderna até ao
final do século XIX), independentes das diversas orientações
estético-ficcionais do período (barroco, romantismo, realismo-naturalismo-impressionismo),
se posicionaram como continuadores-saudosistas das normas comunitárias das Eras
Antiga e Medieval, anteriores à Moderna (no plano da camada linear e visível,
enquanto exigências de normas narrativas). A diferença (e eu me obrigo sempre a
uma explicação) está no fato de que os narradores da modernidade (das estéticas
assinaladas, a iniciar por Cervantes) descobriram o poder das camadas ocultas,
verticais (a partir do iniciante gênero, além da novidade da narrativa vertical
em prosa, ao invés dos costumeiros versos narrativos do discurso épico), em
confronto com os condicionamentos das ideologias repressivas, individualistas,
que já se avizinhavam. Entretanto, é importante esclarecer, não me refiro ao
narrador renascentista das narrativas em versos, não há dúvida, narrador também
moderno historicamente, pois o mesmo não conheceu o gênero narrativo ficcional,
posteriormente, criado e desenvolvido pelo espanhol Miguel de Cervantes.
Camões, que escreveu submetido gloriosamente a todos os gêneros distinguidos no
século XVI, não logrou conhecer, historicamente, a forma moderna do Gênero
Narrativo Ficcional.
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