sábado, 11 de janeiro de 2014

NEUZA MACHADO - ESPLENDOR E DECADÊNCIA DO IMPÉRIO AMAZÔNICO






NEUZA MACHADO - ESPLENDOR E DECADÊNCIA DO IMPÉRIO AMAZÔNICO



 

 

Conseqüentemente, vejo-me induzida a novamente explicar as diferenças entre estética modernista (seja de que geração for) e estética pós-modernista, principalmente no que se refira à ficção (computo duas gerações pós-modernistas até ao momento; coloco a criatividade ficcional de Rogel Samuel na Segunda Geração, atual): há diferenças marcantes entre ficção modernista e ficção pós-modernista. Na ficção modernista da última fase (creditada como terceira, a partir dos anos quarenta do século XX, mas avaliada aqui como estética de transição para o pós-modernismo da Primeira Fase), há presença do indivíduo-criador a guiar os leitores até “aos vagos clarões do espírito”[i], quando repenso aqui o direcionamento filosófico especialíssimo de Gaston Bachelard. São os últimos modernistas (da transição dos anos quarenta ao início dos anos sessenta) escritores epifânicos: João Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, entre outros. Esses ficcionistas privilegiados alcançaram o direito de ultrapassagem dos cogitos (um: linear; e dois: dialético) e de conviverem com o terceiro cogito do pensamento individual. Estou a referir-me apenas aos escritores dos anos quarenta ao início dos anos sessenta do século XX, já assinalados, ficcionistas ímpares, distanciados das exigências moralistas próprias dos anteriores narradores ficcionais da Era Moderna (desde o início do Gênero Narrativo Ficcional como fenômeno da Era Moderna, ou seja, do início do século XVII até ao final do século XIX). Aqueles (os ficcionistas do século XVII ao século XIX) iniciavam seus escritos ficcionais com uma fórmula já elaborada, com princípio, meio e fim, já com regras pré-concebidas, impositivas, de normas e exemplos de vida comunitária, à moda da anterior Era Medieval, se me obrigo a repensar livremente as palavras de Walter Benjamim[ii], sobre o narrador ficcional (narrador exemplar) do início da Era Moderna. Tais reflexões saem, também, de outras fontes do meu próprio cabedal de conhecimento, uma vez que faço parte, irrestritamente, desta engrenagem sócio-cultural pós-moderna interativa. Entretanto, há, neste meu patrimônio intelectual intercambiável, uma vigorosa ligação teórico-reflexiva, embora desde já reformulada, com o ainda importante ensaio de Walter Benjamim.

E, uma vez que me refiro a Walter Benjamim, faz-se necessário explicar que ele repensou sociologicamente e historicamente os narradores ficcionais da Era Moderna, percebendo-os como narradores (prosadores) saudosistas de um passado de glórias mítico-sociais (mesmo que, assim, não seja visível, ao longo de seu texto, escrito antes do término dos anos quarenta). Por intermédio de Benjamim, e de outros pensadores das dimensões sociais, diversificadas, da individualista sociedade moderna, pude observar que os narradores ficcionais modernos (continuo insistindo, da Era Moderna até ao final do século XIX), independentes das diversas orientações estético-ficcionais do período (barroco, romantismo, realismo-naturalismo-impressionismo), se posicionaram como continuadores-saudosistas das normas comunitárias das Eras Antiga e Medieval, anteriores à Moderna (no plano da camada linear e visível, enquanto exigências de normas narrativas). A diferença (e eu me obrigo sempre a uma explicação) está no fato de que os narradores da modernidade (das estéticas assinaladas, a iniciar por Cervantes) descobriram o poder das camadas ocultas, verticais (a partir do iniciante gênero, além da novidade da narrativa vertical em prosa, ao invés dos costumeiros versos narrativos do discurso épico), em confronto com os condicionamentos das ideologias repressivas, individualistas, que já se avizinhavam. Entretanto, é importante esclarecer, não me refiro ao narrador renascentista das narrativas em versos, não há dúvida, narrador também moderno historicamente, pois o mesmo não conheceu o gênero narrativo ficcional, posteriormente, criado e desenvolvido pelo espanhol Miguel de Cervantes. Camões, que escreveu submetido gloriosamente a todos os gêneros distinguidos no século XVI, não logrou conhecer, historicamente, a forma moderna do Gênero Narrativo Ficcional.



[i] BACHELARD, Gaston. A Dialética da Duração. Tradução de Marcelo Coelho. São Paulo: Ática, 1988.
[ii] BENJAMIM, Walter. O Narrador.

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