sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

NEUZA MACHADO - ESPLENDOR E DECADÊNCIA DO IMPÉRIO AMAZÔNICO

NEUZA MACHADO - ESPLENDOR E DECADÊNCIA DO IMPÉRIO AMAZÔNICO - Gêneros Literários:

 
 
 
 
 
Atualmente, estamos envolvidos por diversas idéias sobre os Gêneros Literários. Estamos vivendo o momento dos estudos voltados para a interdisciplinaridade. Cada linha teórico-crítica desse nosso hodierno universo cultural (2007), deseja que as suas idéias sejam as mais valiosas. Se o nosso momento mundial é o momento do Caos (dos desencontros sociais e existenciais), nada mais peculiar do que também o Caos no que se refere aos estudos da literatura. Aliás, os textos pós-modernos (de ficcionistas e, também, dos poetas dos anos quarenta do século XX para cá) refletem este Caos que nos envolve. São textos de difícil compreensão, os quais merecem novíssimos posicionamentos teórico-críticos, ou mesmo a invenção de uma nova denominação genérica para eles. Enquanto esses posicionamentos não aparecem, vamos empurrando o nosso barco teórico brasileiro com as idéias estrangeiras do século anterior (século XX), mas, no que nos diz respeito, em especial,  estamos em expectativa por novas definições.[i]
 
Se me encontro aqui como apreciadora da obra ficcional de Rogel Samuel, envolta em minhas próprias teorizações analítico-fenomenológicas sobre um assunto no qual eu mesma me alterco constantemente, confirmo que em O Amante das Amazonas há um altíssimo grau de entropia no sistema de narração (ausência da ordem narrativa à moda tradicional). Para explicitar o seu personagem mítico-ficcional Paxiúba, o criador pós-modernista de Segunda Geração Rogel Samuel se vale dos enclaves narrativos, tão do gosto dos escritores pós-modernos/pós-modernistas da Primeira Geração. Entretanto, enquanto autor-criador de um novo direcionamento estético-ficcional, mais de acordo com a vivência do homem do século XXI, objetivou abandonar o estereótipo (lugar comum) do personagem reificado (inacreditável, fantasioso) da primeira fase, procurando descortiná-lo por meio de um olhar diferenciado (o ser mítico a se transformar em humano), circunscrito a insólitos acontecimentos dinamizados. (Preciso esclarecer que os escritores do final do século XX, dos anos 80 para cá, perceberam as qualidades intrínsecas das regras sócio-culturais do século XXI, e Rogel Samuel, por sua vez, como participante ativo daquele momento, enxergou criativamente a mudança que já se avizinhava).
A entropia narrativa, no século XX, surgiu das novas modalidades sócio-culturais capitalistas, intermediárias de uma novíssima ciência, baseada em um conjunto de métodos científicos, de novas modalidades existenciais que visavam resolver os problemas do homem pós-moderno. Fundamentado-se em normas predominantemente científicas e em transmissões de notícias generalizadas oferecidas pelos meios de comunicação em evidência naquele momento (rádio, televisão e cinema), as mensagens saíam de uma realidade cotidiana, poderosa, mas que já chegavam descaracterizadas aos destinatários, propiciando espetáculos insólitos. Assim, a técnica discursiva da propaganda impôs suas diretrizes no universo ficcional da pós-modernidade, naquela Primeira Geração de escritores ficcionistas, obrigando-os a “criar” seus textos ─ sintagmáticos ou paradigmáticos ─ pelo ponto de vista de uma realidade liquidificada, reduzida a diversas cópias (ou colcha-de-retalhos, ou patchwork quilt) de conceitos vitais diversificados e entrelaçados, conceitos esses vistos pelos críticos da literatura do final do século XX como simulacros de uma realidade há muito despojada de suas características fundamentais.
No entanto, mesmo existindo entropia narrativa em O Amante das Amazonas, ou seja, os enclaves se entrelaçando e se justapondo, ao longo dos parágrafos, não há trechos inacabados e indefinidos, como vários críticos observaram em algumas narrativas ficcionais de alguns escritores da Primeira Geração Pós-Moderna/Pós-Modernista. Nas duas dimensões ficcionais sintagmáticas do Manixi ─ histórica e mítica ─, além da linguagem da comunicação visual, comumente sempre detectada nas narrativas do pós-modernismo da primeira fase, há, no decorrer narrativo, uma razão diferenciada que busca um final compensador, equilibrado, ou seja, ressalta-se a provocação subjetiva, verticalizante, do intelectual e professor universitário que conhece bem o que sabe e o que faz, e, como tal, já vigorando no terceiro cogito da consciência individualizante.
 
E chega que alguém diz: “Bons dias” ─ ele-mesmo se aproximando assim, remando silencioso e feroz pela face da manhã, no luxo de frente do porto do Laurie Costa, que ficava na margem esquerda do Igarapé do Inferno, submerso e distribuído pelo prestigioso vale.[ii]
 
O bugre Paxiúba, que chega dizendo “Bons dias” à lavadeira Zilda (nesta segunda etapa da narrativa), não é um simples personagem reificado. Ele possui um nome que o dignifica. Em seus domínios míticos, ele é Pati’ ïwa que, em tupi, significa “palmeira dos igapós”, uma planta palmácea, das regiões amazonenses alagadas pela chuva (igapós), que mede cerca de dez a quinze metros de altura. A dimensão ficcional do Manixi (o Palácio e as terras que o cercam) pertence à matéria mítica. O bugre Paxiúba traduz a heroicidade dos lendários habitantes de um lugar de pura maravilha (e a palavra maravilha aqui não possui sentido telúrico). Aquele índio mestiço ─ filho de uma índia caxinauá e de um negro barbadiano ─ jamais poderá ser conceituado como um personagem sem nome, o que caracterizou as narrativas do Primeiro Momento Pós-Moderno/Pós-Modernista. (Aqui, eu não me refiro às narrativas de Guimarães Rosa, as quais, pelo meu exclusivo ponto de vista, pertencem a uma fase de transição, ou mesmo, um interregno que se localizou entre a segunda etapa do Pós-Moderno/Modernismo ao início da Primeira Fase do Pós-Moderno/Pós-Modernismo no Brasil, dos anos 40 aos anos 60). Paxiúba não poderá ser avaliado como um personagem menor, sem qualidade literária, a se debater no Caos das chamadas narrativas insólitas, porque sua grandeza mítica se solidifica até ao final narrativo, mesmo quando o núcleo ficcional rogeliano se traslada para a Cidade de Manaus.
 
Pois se aproximava somente para dizer: “Bons dias”, e assim se referia a uma certa e acocorada Zilda, esposa do Laurie Costa, lavadeira das roupas, agachada sobre a prancha lisa, lixiviada, de Itaúba, tabuão de sabão, Paxiúba na montaria, espetáculo bom de ver, mas literário, enorme tetrápode, que já o conheci assim, escuro caboclo e tigre, grandão, desenvolto, olho de cobra, de bicho, poderosamente selvagem, no vivo, no ensolarado do olho amarelo, luminoso, feroz, sobre musculatura nobre de dar inveja às estátuas do Louvre, erguida a cabeça sobre o pescoço grosso, sólido, de muito, e guerreira, assassina, arisca subjetividade.[iii]


[i] Ibidem.
[ii] SAMUEL, Rogel, 2005: 37.
[iii] Idem: 37-38.

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