NEUZA MACHADO - ESPLENDOR E DECADÊNCIA DO IMPÉRIO AMAZÔNICO - Gêneros Literários:
Atualmente, estamos envolvidos por diversas idéias
sobre os Gêneros Literários. Estamos vivendo o momento dos estudos
voltados para a interdisciplinaridade. Cada linha teórico-crítica desse nosso
hodierno universo cultural (2007), deseja que as suas idéias sejam as mais
valiosas. Se o nosso momento mundial é o momento do Caos (dos desencontros
sociais e existenciais), nada mais peculiar do que também o Caos no que se
refere aos estudos da literatura. Aliás, os textos pós-modernos (de
ficcionistas e, também, dos poetas dos anos quarenta do século XX para cá)
refletem este Caos que nos envolve. São textos de difícil compreensão, os quais
merecem novíssimos posicionamentos teórico-críticos, ou mesmo a invenção de uma
nova denominação genérica para eles. Enquanto esses posicionamentos não
aparecem, vamos empurrando o nosso barco teórico brasileiro com as idéias
estrangeiras do século anterior (século XX), mas, no que nos diz respeito, em
especial, estamos em expectativa por
novas definições.[i]
Se me encontro aqui como apreciadora da obra ficcional
de Rogel Samuel, envolta em minhas próprias teorizações
analítico-fenomenológicas sobre um assunto no qual eu mesma me alterco
constantemente, confirmo que em O Amante das Amazonas há um altíssimo
grau de entropia no sistema de narração (ausência da ordem narrativa à
moda tradicional). Para explicitar o seu personagem mítico-ficcional Paxiúba, o
criador pós-modernista de Segunda Geração Rogel Samuel se vale dos enclaves
narrativos, tão do gosto dos escritores pós-modernos/pós-modernistas da Primeira
Geração. Entretanto, enquanto autor-criador de um novo direcionamento
estético-ficcional, mais de acordo com a vivência do homem do século XXI,
objetivou abandonar o estereótipo (lugar comum) do personagem reificado
(inacreditável, fantasioso) da primeira fase, procurando descortiná-lo por meio
de um olhar diferenciado (o ser mítico a se transformar em humano),
circunscrito a insólitos acontecimentos dinamizados. (Preciso esclarecer que os
escritores do final do século XX, dos anos 80 para cá, perceberam as qualidades intrínsecas das
regras sócio-culturais do século XXI, e Rogel Samuel, por sua vez, como
participante ativo daquele momento, enxergou criativamente a mudança que já se
avizinhava).
A entropia narrativa, no século XX, surgiu das
novas modalidades sócio-culturais capitalistas, intermediárias de uma novíssima
ciência, baseada em um conjunto de métodos científicos, de novas modalidades
existenciais que visavam resolver os problemas do homem pós-moderno.
Fundamentado-se em normas predominantemente científicas e em transmissões de
notícias generalizadas oferecidas pelos meios de comunicação em evidência
naquele momento (rádio, televisão e cinema), as mensagens saíam de uma
realidade cotidiana, poderosa, mas que já chegavam descaracterizadas aos
destinatários, propiciando espetáculos insólitos. Assim, a técnica discursiva
da propaganda impôs suas diretrizes no universo ficcional da pós-modernidade,
naquela Primeira Geração de escritores ficcionistas, obrigando-os a “criar”
seus textos ─ sintagmáticos ou paradigmáticos ─ pelo ponto de vista de uma
realidade liquidificada, reduzida a diversas cópias (ou colcha-de-retalhos, ou patchwork
quilt) de conceitos vitais diversificados e entrelaçados, conceitos esses
vistos pelos críticos da literatura do final do século XX como simulacros de
uma realidade há muito despojada de suas características fundamentais.
No entanto, mesmo existindo entropia narrativa
em O Amante das Amazonas, ou seja, os enclaves se entrelaçando e
se justapondo, ao longo dos parágrafos, não há trechos inacabados e
indefinidos, como vários críticos observaram em algumas narrativas ficcionais
de alguns escritores da Primeira Geração Pós-Moderna/Pós-Modernista. Nas duas
dimensões ficcionais sintagmáticas do Manixi ─ histórica e mítica ─, além da
linguagem da comunicação visual, comumente sempre detectada nas narrativas do
pós-modernismo da primeira fase, há, no decorrer narrativo, uma razão
diferenciada que busca um final compensador, equilibrado, ou seja, ressalta-se
a provocação subjetiva, verticalizante, do intelectual e professor
universitário que conhece bem o que sabe e o que faz, e, como tal, já vigorando
no terceiro cogito da consciência individualizante.
E chega
que alguém diz: “Bons dias” ─ ele-mesmo se aproximando assim, remando
silencioso e feroz pela face da manhã, no luxo de frente do porto do Laurie
Costa, que ficava na margem esquerda do Igarapé do Inferno, submerso e
distribuído pelo prestigioso vale.[ii]
O bugre Paxiúba, que chega dizendo “Bons dias” à
lavadeira Zilda (nesta segunda etapa da narrativa), não é um simples personagem
reificado. Ele possui um nome que o dignifica. Em seus domínios míticos, ele é Pati’
ïwa que, em tupi, significa “palmeira dos igapós”, uma planta palmácea, das
regiões amazonenses alagadas pela chuva (igapós), que mede cerca de dez a
quinze metros de altura. A dimensão ficcional do Manixi (o Palácio e as terras
que o cercam) pertence à matéria mítica. O bugre Paxiúba traduz a heroicidade
dos lendários habitantes de um lugar de pura maravilha (e a palavra maravilha
aqui não possui sentido telúrico). Aquele índio mestiço ─ filho de uma índia
caxinauá e de um negro barbadiano ─ jamais poderá ser conceituado como um
personagem sem nome, o que caracterizou as narrativas do Primeiro Momento
Pós-Moderno/Pós-Modernista. (Aqui, eu não me refiro às narrativas de Guimarães
Rosa, as quais, pelo meu exclusivo ponto de vista, pertencem a uma fase de
transição, ou mesmo, um interregno que se localizou entre a segunda etapa do
Pós-Moderno/Modernismo ao início da Primeira Fase do Pós-Moderno/Pós-Modernismo
no Brasil, dos anos 40 aos anos 60). Paxiúba não poderá ser avaliado como um
personagem menor, sem qualidade literária, a se debater no Caos das chamadas
narrativas insólitas, porque sua grandeza mítica se solidifica até ao final
narrativo, mesmo quando o núcleo ficcional rogeliano se traslada para a Cidade
de Manaus.
Pois se
aproximava somente para dizer: “Bons dias”, e assim se referia a uma
certa e acocorada Zilda, esposa do Laurie Costa, lavadeira das roupas, agachada
sobre a prancha lisa, lixiviada, de Itaúba, tabuão de sabão, Paxiúba na
montaria, espetáculo bom de ver, mas literário, enorme tetrápode, que já o
conheci assim, escuro caboclo e tigre, grandão, desenvolto, olho de cobra, de
bicho, poderosamente selvagem, no vivo, no ensolarado do olho amarelo,
luminoso, feroz, sobre musculatura nobre de dar inveja às estátuas do Louvre,
erguida a cabeça sobre o pescoço grosso, sólido, de muito, e guerreira,
assassina, arisca subjetividade.[iii]
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