sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Paisagem sobre a lagoa




Paisagem sobre a lagoa

Rogel Samuel

Como ler-se pode este estranho poema de Holderlin, “Metade da vida”? A tradução de Manuel Bandeira. A princípio vemos uma “paisagem sobre a lagoa”, feita de trepadeiras amarelas e rosas silvestres. Sobre a lagoa talvez signifique que haja um muro, onde sobem as heras e ao redor de que se encontram as rosas silvestres, que também são trepadeiras, cujo perfume só chega na hora da morte. Como escreveu Clarice Lispector “As rosas silvestres têm um mistério dos mais estranhos e delicados: à medida que vão envelhecendo vão perfumando mais. Quando estão à morte, já amarelando, o perfume fica forte e adocicado, e lembra as perfumadas noites de lua de Recife. Quando finalmente morrem, quando estão mortas, mortas - aí então, como uma flor renascida no berço da terra, é que o perfume que se exala delas nos embriaga. Então mortas, feias, de brancas ficam amarronadas. Mas como jogá-las fora, se mortas, elas têm a alma viva?”
Os primeiros cristãos identificavam as cinco pétalas da rosa silvestre com as cinco chagas de Cristo. Por isso na lagoa os cisnes estão bêbados e mergulham as cabeças naquela água santa.
De repente, diz o poema: “Ai de mim, aonde, se / É inverno agora, achar as / Flores? e aonde / O calor do sol / E a sombra da terra? / Os muros avultam / Mudos e frios; ao vento / Tatalam bandeiras.”
Ou seja, nada daquilo parece existir, nem flores nem calor do sol, só os muros mudos, frios e as bandeiras congeladas. Mas como escreveu Clarice Lispector: “Era assim que eu queria morrer: perfumando de amor. Morta e exalando a alma viva.”
O poema é:

Heras amarelas
E rosas silvestres
Da paisagem sobre a
Lagoa.

Ó cisnes graciosos,
Bêbedos de beijos,
Enfiando a cabeça
Na água santa e sóbria!

Ai de mim, aonde, se
É inverno agora, achar as
Flores? e aonde
O calor do sol
E a sombra da terra?
Os muros avultam
Mudos e frios; ao vento
Tatalam bandeiras.

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