terça-feira, 7 de janeiro de 2014

TEATRO AMAZONAS


 TEATRO AMAZONAS


Rogel Samuel



 



No ano seguinte, numa tarde de março de 1883, estava reunida a comissão administrativa para a construção do Teatro numa sala do segundo andar do prédio da prefeitura. A comissão, nomeada por Paranaguá, era constituída por Leovegildo Coelho, João Antony e Charles Brisbin. Sentado na cabeceira da mesa estava o presidente, Leovegildo, com a xícara de café na mão.
 - Há dois orçamentos para examinar, começou ele.
Leovegildo Coelho era um baiano grandão, forte, aparência militar. Era engenheiro. Nasceu pobre, criado por uma família rica. Nunca conseguiu saber o nome de seus pais. Estudou em Salvador, depois foi para o Rio de Janeiro, para a Escola Militar. Foi Alferes, serviu no Amazonas, incorporado à “expedição científica”, sob a chefia de Gonçalves Dias, que morou na rua Barroso onde hoje existe o prédio da Biblioteca Pública. Gonçalves Dias depois foi inspetor escolar e Leovegildo Coelho indicado para verificar o canal do Rio Negro do ponto de vista de sua navegação e fazer sua cartografia.

 Leovegildo Coelho era mulato. Foi um dos auxiliares do governador negro, Eduardo Ribeiro, na construção de Manaus. Delegado de polícia, deputado, senador e um dos signatários da Constituição Brasileira de 1891. Participou do governo de Floriano Peixoto, de quem era confidente e conselheiro. Deixou um alentado diário íntimo, ainda inédito e nunca publicado, em três volumes, com informações secretas da vida da República.

 - Há dois orçamentos, disse Coelho. Um de Celeste Saccardi, de 249 contos; outro do Gabinete Português de Engenharia de Lisboa, de 500 contos.

 João Antony ouvia em silêncio, o lápis rodopiando na mão. A seu lado estava o gordo Charles Brisbin, sofisticado, perfumado, com um polpudo lenço na lapela, cofiando o bigode grisalho.
Eles tinham de decidir da planta e orçamento da construção do Teatro.
 - Acho o projeto Saccardi o melhor e mais barato, disse Coelho, estendendo o pescoço com um puxão.
 João Antony pôs-se a examinar o projeto Saccardi.
 Depois de algum tempo, disse:
 - Faltam as fachadas laterais - falou, dirigindo-se a Coelho a todos.
 Brisbin pôs o pincenê de ouro e se aproximou. Os dois passaram a examinar aquelas folhas.
 - Sim, falta também a fachada posterior, disse Brisbin.
 - Sim, respondeu Antony.
 Leovegildo Coelho aproximou-se de onde estavam os dois, e começou a balançar a cabeça, concordando.
 - Também não vejo no orçamento o emboço, o reboco e a pintura do edifício.
 Examinaram os três.
 - Falta o soalho e forro da platéia...
 - E o ladrilho da entrada e do saguão...
 - Falt o preço da mão de obra da cúpula...
 Sucessivamente os defeitos de Saccardi foram aparecendo:
 - O preço do ferro não é esse, está muito baixo, disse Brisbin, que era dono de uma construtora em Lisboa.
 - O da alvenaria também, acrescentou Coelho.

 Depois de um tempo, disse Antony:
 - Mas como apoiar este projeto português, que custa o dobro?
 - Quanto custa?
 - Quinhentos contos.

 No dia seguinte foram os três ao gabinete do Presidente da Província José Paranaguá.  Depois de ouvir a argumentação, disse o Governador:

 - Como não, como não! – exclamou efusivo José Paranaguá, batendo leque na palma da mão e assobiando uma polca. Vamos aproveitar as condições prósperas da província! Não vamos adiar a obra! Não, não! É uma necessidade para esta elegante cidade capital.
 E depois de rodopiar com a polca pelo gabinete, fez:
 - Precisamos de um teatro. Precisamos de um teatro! – e assobiou com mais força batendo palma.

 E logo andando de um lado para outro, como sempre fazia, disse em tom de doutoral:

 - Vamos aceitar a planta portuguesa, vamos aceitar, vamos tocar as obras, vamos tocar. Mandarei pagar um conto de réis por esta planta.

 E depois de mais uma caminhada de um lado para o outro, agitando os braços, abanando o leque e assobiando a polca:

 - Vamos agora escolher, imediatamente, o lugar onde construiremos o nosso teatro! Vamos escolher! Agora! Vamos escolher!

 E começaram a discutir entre si os diversos lugares e depois escolheram. Mas escolheram mal, como se verá.

Mas foi assim que obras começaram, não mais em 60, nem em 120, nem em 250, mas em 500 contos de réis.

 E depois subiram a vários milhões.


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