NEUZA MACHADO: SOBRE O ROMANCE "O AMANTE DAS AMAZONAS"
Faz-se necessário, também, não confundir o gênero
narrativo ficcional com as novelas/romances de cavalaria medievais, escritas em
versos e com personagens puros ─ narrativa épica medieval ─, enfraquecidas
esteticamente, com o passar dos anos, porque foram adaptadas em forma de prosa,
para o gosto dos ávidos leitores burgueses do século XVI e seguintes. Por esse
ângulo, aqueles “novos” narradores da prosa moderna (atentar-se para o narrador
do Quixote e os narradores da estética ficcional romântica), se posicionaram
desiludidos ante a perda da pura heroicidade guerreira ─ própria dos
destacados personagens das epopéias em versos anteriores ─, tornaram-se, por
intermédio da realidade histórica que os envolvia, personagens desajustados,
desequilibrados, buscando novos rumos gloriosos em um mundo disparatado,
onde o progresso era a força maior. Entretanto, e mesmo assim, os “estreantes”
ficcionistas de então (repito, o primeiro foi Cervantes) iniciaram a “nova”
modalidade genérica ancorados firmemente em seus imaginários-em-aberto
particulares, pois intuíram que seus personagens, obtidos da realidade
sócio-cultural que os envolvia, apesar da fama obtida com o aparecimento
daquela “recente” forma ficcional em prosa (repito: prosa diferente das “prosas
palacianas” anteriores), deveriam permanecer cultuando a heroicidade do
passado, e mereciam ser reanimados pelos narradores-pioneiros daquele momento,
apresentando aos leitores apenas personagens mais destacados, com nomes,
sobrenomes, etc. (mesmo que fossem problematizados ao longo das narrativas do
período).
Assim, as exigências narrativas da Era moderna
(narrativas em prosa) acompanhavam, de certa maneira, os fenômenos estilísticos
da narrativa épica ─ epopéias antigas e medievais, anteriormente escritas em
versos ─, os quais (os fenômenos estilísticos), dali para frente, passariam a
ser reavaliados pelo olhar inteligente e a mão recriadora dos reformados humanistas
da já finda Era Moderna, transmutados e problematizados ad infinitum.
Portanto, e ainda assim, seriam os modernos prosadores os arautos das
normas tradicionais inseridas em suas narrativas (a partir dali, em prosa
ficcional), exemplos de vida comunitária, apesar das inegáveis mudanças
históricas ocorridas naquele momento. Tais personagens ─ com suas vidas
desajustadas, desequilibradas, graças ao“novo” momento da humanidade ─ em busca
de valores que os tornassem heróicos, uma busca de ajuste ao mundo moderno que
se iniciava, à moda heróica da antiguidade, mas, historicamente, impossível de
ser readquirida. Mesmo com o “recente” vigorando naquele início, aqueles
“novos” narradores modernos continuavam irremediavelmente buscando a
“perfeição” das antigas normas guerreiras e míticas do passado. A grande
vantagem, ou seja, o sucesso desse gênero narrativo, enquanto gênero
diferenciado, deveu-se às exigências sociais da história da civilização
ocidental, as quais (naquele momento crucial de uma nova Era) impediam a
retomada de “heróis à moda antiga” reconhecidamente comunitários em uma
sociedade na qual, a partir dali, imperariam apenas as leis individualistas de
um mundo já repleto de impurezas (o personagem antigo e o seu mundo circundante
eram naturalmente puros). Por conseqüência, instalavam-se as prerrogativas das
narrativas ficcionais em prosa, reprodutoras de realidades possíveis (camadas
superpostas), e, ao mesmo tempo, e contraditoriamente, apresentando
narradores-principiantes de uma novíssima modalidade genérica, o Gênero
Narrativo Ficcional, registrado graficamente no início do século XVII, por
Miguel de Cervantes (1602), gênero este reconhecido pelos exigentes
teórico-críticos pós-modernos, submetidos atualmente à Ciência da Literatura,
como fenômeno da Era Moderna.
Mas, a pergunta permanece: e os escritores
pós-modernos/pós-modernistas? Como classificá-los como ímpares, se os mesmos
desmistificaram e desmistificam e desmistificarão, por um bom período temporal,
suas criações ficcionais? Reafirmo: são autênticos. São esses os verdadeiros
revolucionários da chamada literatura-arte deste atual momento histórico
(século XXI), porque sabiamente não se consideram criadores excepcionais. Os
pouquíssimos eleitos pelo dom da arte literária, neste momento de desajustes
existenciais, são os realmente autênticos criadores ficcionais. (E aqui elevo a
diferenciada criatividade ficcional de Rogel Samuel, a qual, nas páginas
seguintes, será por merecimento indiscutível destacada). São esses ficcionistas
atuais (apenas os privilegiados pelo dom da criação literária), os “novos
criadores” da estética pós-modernista da Era Pós-Moderna, porque, pelo processo
histórico-literário (não poderão apartar-se) rejeitaram, rejeitam e certamente
rejeitarão por um considerável período, os dogmas da estética modernista
passada.
É importante explicar: os ficcionistas
pós-modernistas não rejeitaram os grandes escritores do modernismo e, também,
não se opuseram aos escritores de outros gêneros do passado, ao contrário,
foram e são admiradores de todos, dos verdadeiros, dos ímpares, mas seus dons
ficcionais já não se adequavam e não se adéquam ainda àquele momento modernista
da primeira metade do século XX. A dinâmica de vida agora é outra. A rejeição
foi na esfera da formalidade (forma), porque os de agora não querem explorar
ficcionalmente os conflitos existenciais do indivíduo-criador, e, muito menos,
lançar um poderoso olhar demiúrgico, de cima, à realidade fragmentada.
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