NEUZA MACHADO - ESPLENDOR E DECADÊNCIA DO IMPÉRIO AMAZÔNICO
O OLHAR
INTERATIVO DO NARRADOR DA PÓS-MODERNIDADE - SOBRE
O ROMANCE O AMANTE DAS AMAZONAS DE ROGEL SAMUEL
I - O Amante das Amazonas: Ficção
Pós-Moderna/Pós-Modernista de Segunda
Geração
É evidente que, em relação às
obras, as idéias permanecem sempre breves, e que nada pode substituir as
primeiras. Um romance que não fosse mais do que o exemplo de gramática que
ilustra uma regra ─ ainda que acompanhada de sua exceção ─ seria naturalmente
inútil: bastaria o enunciado da regra. Exigindo para o escritor o direito à
inteligência de sua criação, e insistindo sobre o interesse que a consciência
de sua própria pesquisa representa para ele mesmo, sabemos que é sobretudo ao
nível do estilo que esta pesquisa se realiza, e que no instante da decisão nada
está claro. Assim, após ter indisposto os críticos ao falar da literatura com a
qual sonha, o romancista se sente repentinamente desarmado quando esses mesmos
críticos lhe pedem: “Explique-nos portanto por que você escreveu esse livro, o
que significa, o que você pretendia fazer, com que intenção você empregou esta
palavra, por que construiu esta frase desse modo?”
Diante de semelhantes perguntas,
seria possível dizer que sua “inteligência” não lhe serve para mais nada. O que
ele quis fazer foi apenas aquele livro mesmo. Isto não quer dizer que ele está
sempre satisfeito com esse livro; mas a obra continua a ser, em todos os casos,
a melhor e a única expressão possível de seu projeto. Se o escritor tivesse
tido a faculdade de dar uma definição mais simples de seu projeto, ou de
reduzir suas duzentas ou trezentas páginas a uma mensagem em linguagem clara,
de explicar o funcionamento de seu projeto palavra por palavra, em suma, de dar
a razão de seu projeto, não teria sentido a necessidade de escrever o livro.
Pois a função da arte não é
nunca a de ilustrar uma verdade ─ ou mesmo uma interrogação ─ antecipadamente
conhecida, mas sim trazer para a luz do dia certas interrogações (...) que
ainda não se conhecem nem a si mesmas.[i]
Com estas
palavras de Alain Robbe-Grillet, sobre o novo romance (não apenas
francês), o fenômeno literário que marcou o globalizado e caótico século XX (o
século que propiciou a difícil transição histórica da modernidade para a
pós-modernidade), palavras estas escritas no final da década de cinqüenta,
exprimo o meu empenho de dialogar reflexivamente com a obra de Rogel Samuel
denominada O Amante das Amazonas[ii]
(publicada em segunda edição, em 2005, pela editora Itatiaia de Belo
Horizonte). Recupero as asserções de Robbe-Grillet sobre o narrador do século
XX (neste momento interativo da crítica literária no Brasil, e neste início de
século XXI), porque medito sempre o enigma criador do ficcionista do todo do
século passado, independente de sua localização de nascimento, e percebo que as
“inovações” ficcionais, daquele momento, continuam hoje sob “renovadas”
roupagens, e as questões teórico-críticas (que enlaçam o escritor ficcional),
levantadas por Robbe-Grillet, continuam ainda a fazer parte da realidade
sócio-intelectual do crítico literário brasileiro. Retomo o assunto, porque,
nestes tempos pós-modernos, tempos globalizados, o escritor (seja de qualquer
nacionalidade, poeta ou ficcionista ou dramaturgo ou outro direcionamento
literário) se coloca na obrigação de explicar a sua criatividade à chamada
imprensa cultural dominante. É matéria verdadeira que somente algumas questões
visíveis são questionadas, porque, as invisíveis vão estar resguardadas no
plano particular do autêntico texto-obra, a exigir que o leitor-especulador do
momento histórico de sua publicação, ou de épocas futuras, as venha examinar.
Sem o aval das explicações exigidas (uma vez que os textos ficcionais da
pós-modernidade são de difícil entendimento), o escritor dos dias de hoje não
se contempla reconhecido pela mass media como criador literário,
perdendo por tal desvalimento a oportunidade de ser lido, o que, convenhamos, é
o anseio normal de quem escreve.
Esta
propedêutica, objetivando espelhar a posição do crítico literário atual, se
fez/faz-se necessária, porque a enxergo apontada em minha direção, uma vez que,
para interagir com a diferenciada obra ficcional de Rogel Samuel, respeitante
ao espaço geográfico do Amazonas ─ social e mítico ─, lugar pouco conhecido à
minha própria percepção intelectiva, movi-me, inicialmente, em busca das
estimáveis explicações do próprio escritor, acauteladas nas diversas
entrevistas por ele permitidas aos jornalistas-internautas. (Até ao momento, os
grandes jornais do Brasil e a Grande Imprensa Falada e Televisiva não se
ocuparam em revelar a seus leitores e/ou ouvintes e/ou espectadores o valor
genuíno desta obra ficcional de Rogel Samuel, publicada pela Editora Itatiaia.
Excetuo, aqui, as Entrevistas aos jornalistas da Internet, Tânia
Gabrielli-Pohlmann[iii] e Luiz
Alberto Machado[iv], o
reconhecimento valioso e propagador dos dirigentes do Site Blocos On Line, nas
pessoas de Leila Micolis e Urhacy Faustino, e a Entrevista por ele facultada ao
Professor Renan F. Pinto, da Universidade Federal do Amazonas, transmitida por uma emissora
televisiva, restrita aos espectadores de lá).
Por intermédio das Entrevistas, Rogel Samuel
ofereceu, aos leitores de seu romance, encaminhamentos seguros sobre a natureza
de sua criatividade ficcional a qual reputo como autenticamente
Pós-Moderna/Pós-Modernista de Segunda Geração. Autêntica, porque há no momento
inautênticos autores que se fazem passar por ficcionistas pós-modernos, mas que
são, em verdade, escritores-mercadores de uma literatura de massa sem nenhum
crédito no âmbito da Arte Literária. Apenas foram conceituados pela mídia
enganosa deste momento sócio-intelectual como bons escritores, para visarem ao
lucro em detrimento da qualidade de um texto. O romance de Rogel Samuel, pelo
exame teórico-interpretativo-reflexivo, ultrapassa tais exigências comerciais,
pelo fato de ser uma narrativa de alto nível criativo e se inserir no que
qualifico como peculiar obra pós-moderna.
[i] ROBBE-GRILLET, Alain.
Por um novo
romance.
Ensaios sobre uma
literatura do olhar nos tempos da reificação. Tradução: T. C. Netto. São Paulo:
Documento, 1969: 11.
[ii] SAMUEL, Rogel. O Amante das
Amazonas. 2. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 2005. (Todas as citações,
referentes a esta obra, foram retiradas desta edição).
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