(foto de R. Samuel: Bournemouth, UK)
Isaac Melo
A
Rogel Samuel
de
palavras fartas e férteis qual o Amazonas
Talvez seja preciso
escolher:
não ser nada ou
representar o que é.
Jean-Paul Sartre
A Idade da Razão
Ficar à janela janelando.
O janelar ensaia o homem.
No jardim, que se abre à minha frente,
a grama me fita, sorridente,
com seus olhos verdes...
Dizem que Deus, na sua perfeição, criou a
grama
de modo que a grama é exatamente o que a
grama é.
Mas o diabo, por despeito, criou a filosofia
lapidou uma linguagem, teceu conceitos,
armou-se de verdades, descobriu a angústia...
Um homem maltrapilho, com um saco às costas,
vasculha o cesto de lixo... e segue tal qual
a grama que viceja à minha frente...
Os campos estão lavrados,
as perguntas semeadas.
Brotam silêncios,
as incertezas florescem
e a colheita tarda
em frutos amargos.
Voltar-se para si é gesto suicida
de quem só pode escolher a vida.
Os que se arvoram mais sábios
são os que mais fogem de si.
Sê senhor de si para evadir-se.
Sê grande para acolher
a solidão e o mar.
Sê ínfimo para amar.
Tecer castelos para disfarçar
as choupanas, rudes
e miseráveis, da alma nua.
Na rua, deserta e fria,
Perambulamos, cães vadios.
Ficar à janela janelando.
O tronco, a decompor-se,
fotografia convincente
do meu eu ausente
sob a paisagem de um céu,
imenso e vazio.
As nuvens, a chorar.
Gotas d’águas atiram-se, incessantes,
contra o vidro da janela fechada,
numa tentativa desesperada de atravessá-lo;
por fim, vencidas e exaustas,
despencam no gramado.
Não é a vida mais que gotas,
a debater-se, contra as janelas
envidraçadas da existência,
que separa o homem de toda
a verdade. Que verdade?
Também existir é uma mentira
que não deixa de ser verdade.
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