quarta-feira, 2 de abril de 2014

CRÍTICA DA ESCRITA

INTRODUÇÃO À LEITURA DE UMA NARRATIVA
 
ROGEL SAMUEL
 
 
O que a leitura vê, ao aproximar-se do texto: O pai, com seu viver misterioso, derrama em torno uma espécie avessa de domínio. Esse pai é árbitro incondicional de todas as divergências de sentidos. Quem é? Que é? Ao esforço das interrogações angustiosas, o pai responde com uma idealização, infinita, a quem lhe rompe a trilha verbal. No lugar do pai (no Ali, no Meio), não chegará a correção dos poderes constituídos: O pai é o próprio poder da ausência. Ali não o atormenta nenhuma consciência de impunidade, de violação de todos os direitos: a Lei do Pai. Ali fica, no anonimato da sua culpa máxima. Aquela margem é um vácuo, um hiato, um parêntese: O não-código. Era um vazio prodigioso: Naquela imprecisão, em que se entredisseminara, o pai acelera o tumultuar, desencontrado, dos signos familiares. Todos se calam, porque os deprime o assunto. O pai prolonga, no ritmo maldito do seu viver, o exílio insuportável do filho: O exílio de Pai. Quando o pai retorna, como notas de estranho clarim, os semas se precipitam, coordenados, saltando de todos os lugares do seu discurso, para esmagar o filho, sufocá-lo, cortar o seu discurso narrativo, a sua fala (com a sua falta). O pai, no seu esconderijo, no seu homízio, provoca a ruína social, o rumor, com indiferença e com culpa, seu errar, sem temer um juízo, sem dar explicação, na cumplicidade muda da face das águas. Sua liberdade é, portanto, um crime contra sua própria lei:
 
             «e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas
             ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e
             desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito
             um jacaré, comprida longa.» (“A terceira margem do rio”, ver bibliografia).
 
O que se espera do Pai de «A terceira margem do rio» é a sua “cura”, sua desistência, o organizar-se dos blocos da sua lei, construtora do curso do viver. Atirando-se ao espaço das estações, insiste o pai num desembainhar do tempo, no corte que vê avançar, no desmanchar das coroas da idade perplexa, na indisciplina de seu próprio ofício órfico, na dança, na evolução de planos sucessivos da coreografia do seu ir-e-vir, sempre, sem esperar um fim, ou esperando o filho, até nos momentos de suas apresentações, de suas aparições momentâneas, mas com brilho e poder, afastado-e-perto dos que ainda (?) ama (?).
Com seu engenho aquático, ele perfura o tempo (“o que é, é saudade”,  Grande Sertão: Veredas), miserável, mas glorioso, na sua recusa, no seu universo flutuante, com/sem distúrbios: Só assim parece explicável que ele não suma, nunca, de todo, e nas vezes em que aparece continuar a ser no longe-e-perto do amor.

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