INTRODUÇÃO À LEITURA DE UMA
NARRATIVA
ROGEL SAMUEL
O que a leitura vê, ao
aproximar-se do texto: O pai, com seu viver misterioso, derrama em torno uma
espécie avessa de domínio. Esse pai é árbitro incondicional de todas as
divergências de sentidos. Quem é? Que é? Ao esforço das interrogações
angustiosas, o pai responde com uma idealização, infinita, a quem lhe rompe a
trilha verbal. No lugar do pai (no Ali, no Meio), não chegará a correção dos
poderes constituídos: O pai é o próprio poder da ausência. Ali não o atormenta nenhuma consciência de impunidade, de
violação de todos os direitos: a Lei do Pai. Ali fica, no anonimato da sua
culpa máxima. Aquela margem é um vácuo, um hiato, um parêntese: O não-código.
Era um vazio prodigioso: Naquela imprecisão, em que se entredisseminara, o pai
acelera o tumultuar, desencontrado, dos signos familiares. Todos se calam,
porque os deprime o assunto. O pai prolonga, no ritmo maldito do seu viver, o
exílio insuportável do filho: O exílio de Pai. Quando o pai retorna, como notas
de estranho clarim, os semas se precipitam, coordenados, saltando de todos os
lugares do seu discurso, para esmagar o filho, sufocá-lo, cortar o seu discurso
narrativo, a sua fala (com a sua falta). O
pai, no seu esconderijo, no seu homízio, provoca a ruína social, o rumor, com
indiferença e com culpa, seu errar, sem temer um juízo, sem dar explicação, na cumplicidade muda da face das águas.
Sua liberdade é, portanto, um crime contra sua própria lei:
«e me
botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas
ainda
virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e
desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por
igual, feito
um
jacaré, comprida longa.» (“A terceira margem do rio”, ver bibliografia).
O que se espera do Pai de «A
terceira margem do rio» é a sua “cura”, sua desistência, o organizar-se dos
blocos da sua lei, construtora do curso do viver. Atirando-se ao espaço das
estações, insiste o pai num desembainhar do tempo, no corte que vê avançar, no
desmanchar das coroas da idade perplexa, na indisciplina de seu próprio ofício
órfico, na dança, na evolução de planos sucessivos da coreografia do seu
ir-e-vir, sempre, sem esperar um fim, ou esperando o filho, até nos momentos de
suas apresentações, de suas aparições momentâneas, mas com brilho e poder,
afastado-e-perto dos que ainda (?) ama (?).
Com seu engenho aquático, ele
perfura o tempo (“o que é, é saudade”, Grande Sertão: Veredas), miserável, mas
glorioso, na sua recusa, no seu universo flutuante, com/sem distúrbios: Só
assim parece explicável que ele não suma, nunca, de todo, e nas vezes em que
aparece continuar a ser no longe-e-perto do amor.
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