quarta-feira, 2 de abril de 2014
NEUZA MACHADO: O FOGO DA LABAREDA DA SERPENTE
NEUZA MACHADO: O FOGO DA LABAREDA DA SERPENTE
SOBRE O AMANTE DAS AMAZONAS DE ROGEL SAMUEL
Recuperando as informações bachelardianas, contidas no capítulo “A dialética do energismo imaginário” , do livro A Terra e os Devaneios da Vontade, e se as comparo com as informações contidas no texto ficcional rogeliano, a delineação de grande efeito, poderosa, do personagem Pierre Bataillon, se tornará mais transparente.
Bachelard diz: “A vontade de poder inspirada pela dominação social não é nosso problema”, quer dizer, não é problema do filósofo (não é problema dele, do Gaston Bachelard). E continua: “Quem quiser estudar a vontade de poder é fatalmente obrigado a examinar primeiro os signos da majestade”, e isto é um problema do ficcionista-criador, e neste caso específico, do ficcionista manauara. Quem terá de se deixar seduzir momentaneamente pelo instante metafísico pós-moderno/pós-modernista de Segunda Geração, pelo “hipnotismo das aparências”, dos simulacros cotidianos que imperam em seu momento histórico, e quem terá de se embaraçar nos “ouropéis da majestade” de um personagem ímpar, poderoso, é o “demiurgo do vulcanismo”, conectado indissoluvelmente e indistintamente ao “demiurgo do netunismo” - o demiurgo da terra flamejante acoplado ao demiurgo da terra molhada - [oferecendo] “seus excessos contrários à imaginação que trabalha o duro e àquela que trabalha o mole”. “A vontade de trabalho não pode ser delegada, não pode usufruir o trabalho dos outros”, explica Bachelard. Então, a “vontade de trabalho” ficcional do narrador pós-moderno, extremamente diferenciada, ao revelar a grandeza e declínio da Era da Borracha, no Amazonas, não poderá ser avaliada como subproduto de suas inúmeras leituras (históricas ou não) sobre o assunto. Sua “vontade de trabalho”, ao intuir a sua ficção singular, ultrapassou os limites do explicitamente oferecido. Sua “vontade de trabalho” criou “as imagens de suas forças” narrativas, forças que o animaram “por meio das imagens materiais”, ficcionistas, de um Manixi esplendoroso e de um Pierre Bataillon repleto de um supremo poder (o poder capitalista selvagem que grassou no Amazonas, a partir do século XIX até meados do século passado - século XX -, e que se enfraqueceu, posteriormente, retirando do lugar o esplendor de outrora).
“O trabalho põe o trabalhador no centro do universo e não mais no centro de uma sociedade. E se o trabalhador precisa, para ser vigoroso, das imagens excessivas, é da paranóia do demiurgo que vai tirá-las”. Paranóia do demiurgo: o “trabalhador” ficcional necessitou do seu primeiro narrador Ribamar de Sousa (o demiurgo à moda dos ficcionistas do período de transição do pós-moderno/modernismo de Terceira Geração para o pós-moderno/pós-modernismo de Primeira Geração) para recuperar a paranóia (delírio de grandeza) de uma pequena sociedade provinciana (sua sociedade de origem), sociedade que já perdeu há muito a ostentação do passado, mas que insiste ainda em cultuá-la, apesar da pobreza e do abandono, dos desníveis sociais visíveis nas populações ribeirinhas.
Por este aspecto, o Manixi ficcional é uma “Gênese”, como afirma Gaston Bachelard (ou se quiserem, é a “Fênix” ressurgindo das cinzas), porque “a vontade de trabalho” do escritor (acrescido de seu ilimitado imaginário-em-aberto, já interagindo com cogito(3) da consciência revigorada) assim determinou. As “visões diferentes” do “ferreiro” e do “oleiro” (as “visões” diferenciadas, submetidas às matérias diferenciadas, tais como terra, água, fogo e ar) sedimentaram um novo universo ficcional em expansão: o Manixi. (Assim como o diferente “Sertão” de Guimarães Rosa, a mítica “Macondo” de Gabriel Garcia Marques, e a fantástica cidade de “Santa Maria” de Juan Carlos Onetti, escritor uruguaio).
Ainda, retomando a proposta inicial deste meu capítulo sobre o poderoso Pierre Bataillon e o seu Império monumental - o Manixi -, sem abandonar as diretivas bachelardianas que me estimulam por ora a interagir reflexivamente com o romance, para refletir sobre o poder capitalista primitivo (dimensão sócio-substancial, sintagmática, linear) de Pierre Bataillon em seu dilatadíssimo e ficcional Império Manixi (dimensão mítico-ficcional paradigmática), imponho-me um repensar à moda foucaultiana, entrelaçando-o com os conceitos fenomenológicos dos dois pensadores (o brasileiro e o francês) já assinalados.
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