Rogel Samuel: CRÍTICA DA ESCRITA
Assim revela-se uma decisão,
uma escolha, um risco (este é um texto crítico?): Uma atitude e uma
concentração, para que não se perca o leitor, os textos, numa pluralidade
disseminada — a concentração, no conto roseano — para que não nos esqueçamos de
nossos olhos, no panorama amplo das variedades, das vias de uma ciência que,
imersa no mundo do pensamento ocidental, abrange-o e — de través, da escrita —
é capaz de um questionamento quase infinito.
A proposição se dá em razão do
limite (ilimitável) do alcance da teoria literária do texto roseano, sem pecar
pela omissão de escrever tudo o que nos vier, nos chegar, sendo sugerido, pelas
lembranças do texto (e pelos seus-meus esquecimentos), irrestrito a todos os
textos lidos, imaginados. Através do conto de Rosa se poderá lastrear todo o
percurso teórico e técnico, porque o sentido do conto, seus sentidos, é amplo,
radical.
Consideremos que há três tipos
de discurso:
1 . Discurso
representativo-científico.
2. Discurso que se vê a si
mesmo como produção de sentido.
3. Discurso onde se inscreve
uma reserva (do ser do ente).
O discurso que se vê como
produtor de sentido (geno-texto, diria
Kristeva) é concorrente ao próprio texto poético de que é meta-discurso, meta-texto.
O discurso da reserva (no sentido heideggeriano de
“retraimento”) é um belo discurso hermenêutico, que faz a escavação do sentido.
Eis aí: A proliferação dos
discursos das diversas ciências do discurso. Procura arqueológica, nos
fundamentos, em que tudo se funda.
E se aprofunda. A área de
questionamento ontológico (refere-se ao ser; e não ôntico: Que se refere ao ente), fundamenta todos os outros,
pretende criar as bases de edificação da própria condição de pensar, das
condições em que se formulam indagações sobre a natureza dos fatos do inundo. O
discurso ontológico procura o “porquê” inicial, inaugural, de onde salta a luz
que ilumina os discursos das ciências (discurso representativo-científico), e
irradia um texto que, na produção da força do que diz, deixa entrever (como na
Caverna), entre as sombras, a subsistência da poesia que diz, e interpreta.
A canoa é um significante,
isto é, um ente. Esta canoa é o significante do pai, do Pai. Tomemos o caminho
da canoa: O ente e ‘o” nada.
Este nada não é; o nada que se
erige a partir da partida da canoa do pai. Não é, somente. É algo mais
anterior, mais nadificante, mais para trás da possibilidade de pensar. A canoa
inaugura, com sua reserva, um
estatuto nadificante. Ela se retrai. Ela se retira, do nível da margem
primitiva (da existência), mas não recai na margem segunda (da não-existência),
perde-se num vazio semântico (a margem-terceira não existe). A canoa, ali, passeia na semi-existência de seu
não significado, na não-significação. A canoa é um Não. O poderoso Não. O
interdito.
Ressaltemos um fato: A
introdução, da canoa, no terreiro nadificante. Não que a canoa não seja
matéria, mas sim que não-seja o que é: Significante do Pai. O significante em
reserva.
Tema de uma correspondência
escrita com a canoa: Ente/nada.
Do nada, nada se pode dizer, o
nada não é. Que fazer ante este vazio do significado? (nada de significante).
Pois o Nada é a Omissão, não só de significado, mas também é um
não-significante (a não ser margem direita ou esquerda, nada). Pois se o “conceito” nadificante em nada repousa, no
significante terceira margem nada é, e, por isso, não-instituído (como, aliás,
não é a Terceira feira, de João Cabral) como algo que se tem em mente
impossível, algo sobre o qual não se pode ter uma idéia. Nada, em última
análise, e no fim das contas, não é nada, não-nada, nonada, omite-se do pensar.
É a iluminação.
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