A pátria real e a pátria imaginária
Rogel Samuel
“Não
sejas um escritor, mas um profeta”, diz o verso de Antonio Quadros
(1923-1993), o poeta português. Certamente assim os poetas eram
conhecidos, na Grécia antiga. Que é um profeta? Profeta é o indivíduo
que prevê o futuro, o que diz o que vai acontecer. “Não digas o que
sabes nos teus versos, / Deixa para trás a ciência e a consciência; /
Tudo aquilo que em ti não for ausência / São ideais perdidos, ou
submersos.” É o poema. Não dizer o que sabe significa não repetir o
passado, mas proferir o futuro, inaugurá-lo, fundá-lo. Falar do ausente,
construir a presença daquilo que ainda não existe ou do que não está
lá. O poema assim se chama “Poética contraditória”:
Não digas o que sabes nos teus versos,
Deixa para trás a ciência e a consciência;
Tudo aquilo que em ti não for ausência
São ideais perdidos, ou submersos.
Abandona-te às vozes que não ouves,
E liberta os teus deuses nos teus dedos;
Não busques os sorrisos, mas os medos,
E o que não for ignoto e só, não louves.
Ser misterioso e triste, é ser poeta:
Mesmo a luz que palpita nos teus cantos.
É uma imagem heróica dos teus prantos.
Percorre o teu caminho até ao fundo,
E com os versos que achaste, aumenta o mundo.
Não sejas um escritor, mas um profeta.
É
um poema do livro de António Quadros “Viagem desconhecida”, de 1952.
Nesta região desconhecida do porvir o poema se lança, ouvindo as vozes,
liberando os seus deuses, os seus medos, o seu mistério, o seu pranto. É
um mergulho no caminho do herói, ou seja, do profeta. Do que profere. O
que diz o que não sabe, o que ouve o que não foi dito, o que vê o que
não está na frente de seus olhos. Ou seja, entra nos portal heróico e
perigoso do mito.
“António Quadros (1923-1993) defende que a nação
portuguesa na sua essência (...) é dotada de um eschaton, de uma razão
teológica, que consiste num diálogo ou numa dialética entre o humano e o
divino: «Talvez nenhuma história humana, como a portuguesa, em seu
esplendor, em seu claro-escuro e em seu negrume, seja tão dramaticamente
exemplar desta dialéctica.» (...), escreveu Antonio Quadros Ferro (que
deve ser seu filho). Ele chama isso de dialética entre Pátria Real e
Pátria Imaginária.
“As caravelas já não partem deslumbradas a
desvelar o Cabo. Não. O tempo é outro. Mas os pescadores portugueses
continuam na praia a fixar com olhos estáticos o mar infindável e a
viver e a lutar e a sofrer e a morrer o destino do mar.
E na
imaginação das crianças e dos adolescentes, no inconsciente dos adultos
frustrados numa fixação à terra que lhes parece injusta e odiosa, a
ideia da aventura, da viagem, do descobrimento palpita como uma promessa
e como uma fascinação" escreveu António Quadros.
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