Confesso (que todo este livro é a
confissão de minha vida) que logo senti naquele momento Genaro e Antônio
ansiando em retomar para o sertão, que a crise da vida amazonense se agravava,
e isto que as condições dos seringueiros pioravam nos tempos dos meus parentes
naquele modo se ralando e se gastando no trabalho de tirar leite da mata sem
proveito.
Ou quando me avistaram não me
compreenderam. Eu magro, olhar esmagado sob uns cachos de cabelos castanhos que
tinha, abandonado, surgido como aparição no banco do alpendre do tapiri (caía,
eu me lembro bem, escura, procelosa tempestade, noturnos clarões e sibilante
vento) oh não, que não me reconheceram (estaria eu ali no testemunho de suas
sortes), nem me aplaudiriam e antes me odiavam. Pois não tinham eles saído
também jovens, há mais de dez anos, de mim guardando a amarela lembrança da
criança de roupinha suja de água de barrela? Não se viram em mim naquele
momento matador das esperanças em corte de pessoa, alto, sonoro e significativo
nome de mais uma noticia de crise que vinha dar naquela pátria das más
notícias, naquele lugar sempre em princípios, no recomeço de uma queixa que já
se prolongava tantos anos, dispersando a família pelos lugares todos, dos
nossos, que nem conheci, nem sei se ainda vivem, um foi para São Paulo, feito
soldado; e outro, tendo talento nas pernas, foi-se súbito para Belém, voltando
depois pelo Piauí, passado pela Serra Grande até Teresina, seguido pelo
Maranhão até Goiás, cabra de pé solto que era, para depois subir o Tocantins
até a Bahia onde finalmente desapareceu e de onde não deu mais nenhuma notícia
senão que acabou no leprosário de Paricatuba (“Tenho fé em homem que come e
anda armado”, disse-nos ele no dia da partida para nós. “Cria talento e coragem.
Com gororoba no bucho, pau de fogo nas costas e faca de ponta nos quartos chamo
qualquer boca de fera!”); o outro - ah! -, era o mais velho, e moído e miúdo
morria de fome com não abandonar a mãe velha (ela o amava mais que todos. Minha
mãe morreu 2 anos depois que parti. Ela me desprezava, sei que me odiava, sei
que me amaldiçoou na hora da morte); e nossa irmã, bela, cativa, caçula,
abandonada pelo marido para fazer a vida na Vila de Santa Rita com os tropeiros
da região, ganhando assim o de si para escapar da fome do mundo enquanto o
sertão descascava de árido: sim, a nossa família toda, fodida e quebrada, assim
que depois vi, me deixava sozinho, comigo, no horror de Deus.
(ROGEL SAMUEL)
http://amantedasamazonas.blogspot.com.br/
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