sexta-feira, 18 de abril de 2014

O AMANTE DAS AMAZONAS

Confesso (que todo este livro é a confissão de minha vida) que logo senti naquele momento Genaro e Antônio ansiando em retomar para o sertão, que a crise da vida amazonense se agravava, e isto que as condições dos seringueiros pioravam nos tempos dos meus parentes naquele modo se ralando e se gastando no trabalho de tirar leite da mata sem proveito.

Ou quando me avistaram não me compreenderam. Eu magro, olhar esmagado sob uns cachos de cabelos castanhos que tinha, abandonado, surgido como aparição no banco do alpendre do tapiri (caía, eu me lembro bem, escura, procelosa tempestade, noturnos clarões e sibilante vento) oh não, que não me reconheceram (estaria eu ali no testemunho de suas sortes), nem me aplaudiriam e antes me odiavam. Pois não tinham eles saído também jovens, há mais de dez anos, de mim guardando a amarela lembrança da criança de roupinha suja de água de barrela? Não se viram em mim naquele momento matador das esperanças em corte de pessoa, alto, sonoro e significativo nome de mais uma noticia de crise que vinha dar naquela pátria das más notícias, naquele lugar sempre em princípios, no recomeço de uma queixa que já se prolongava tantos anos, dispersando a família pelos lugares todos, dos nossos, que nem conheci, nem sei se ainda vivem, um foi para São Paulo, feito soldado; e outro, tendo talento nas pernas, foi-se súbito para Belém, voltando depois pelo Piauí, passado pela Serra Grande até Teresina, seguido pelo Maranhão até Goiás, cabra de pé solto que era, para depois subir o Tocantins até a Bahia onde finalmente desapareceu e de onde não deu mais nenhuma notícia senão que acabou no leprosário de Paricatuba (“Tenho fé em homem que come e anda armado”, disse-nos ele no dia da partida para nós. “Cria talento e coragem. Com gororoba no bucho, pau de fogo nas costas e faca de ponta nos quartos chamo qualquer boca de fera!”); o outro - ah! -, era o mais velho, e moído e miúdo morria de fome com não abandonar a mãe velha (ela o amava mais que todos. Minha mãe morreu 2 anos depois que parti. Ela me desprezava, sei que me odiava, sei que me amaldiçoou na hora da morte); e nossa irmã, bela, cativa, caçula, abandonada pelo marido para fazer a vida na Vila de Santa Rita com os tropeiros da região, ganhando assim o de si para escapar da fome do mundo enquanto o sertão descascava de árido: sim, a nossa família toda, fodida e quebrada, assim que depois vi, me deixava sozinho, comigo, no horror de Deus.

(ROGEL SAMUEL)

http://amantedasamazonas.blogspot.com.br/

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