O IGARAPÉ DO INFERNO,
4
ROGEL SAMUEL
Do fundo
do meu coração! Em 1923 apareceu na Amazônia um rapaz. Ribamar se chamava. Não
conheceu pai. Se perdeu da mãe. Vinha do Ceará, vinha, e por isso resolveu no
Amazonas à procura dos parentes seus: seu tio Genaro, o seu irmão Antonio.
Ribamar desembocava em nomes, datas. Embolava vida. Só sabia isso, dois
parentes no fim do mundo, trabalhadores do Alto Juruá, vindos de Jantiatuba, de
lá o Seringal Pixuna, a 1.270 milhas de Manaus, onde naufragou o
"Alfredo". Ribamar foi ver o afluentezinho do Rio, o Eiru, pro
Gregório, o Mu, o Paraná da Arrependida, o Tarauacá, o Riozinho do Leonel, o
Tejo, o Breu, o Igarapé Corumbam, o Hudson, o Paraná do Pixuna, o Moa, o Paraná
dos Alumas, ou Numas, o Juruá-Mirím, o Paraná do Ouro-Preto, o Paraná das
Minas, o Amônea. Foi no Paraná dos Numas que encontrou. Estavam lá! Primeiro
desembarcou no Seringal Pixuna, que todos conhecem, dali partiu para o Numas,
no mês de maio.
O tio e o
irmão eram aviados, sabe?, dos Ramos, e viviam porque nas cabeceiras do Paraná,
na direção mesma do Igarapé do Inferno, com que se comunicasse por um furo
estreito, os Ramos proprietários daquelas terras, mas sim. Como posso chamar?
Varias vezes?
Ribamar
não foi bem recebido, não o vadio. Nem mesmo. Os dois pensando em voltar pro
Ceara. No ano voltavam. Ribamar ali, ele era uma má notícia ruim. Ruim da
terra. A merda daquela terra só dava mesmo má notícia ruim. Telegrama ali é
guerra. E ali Ribamar significou: miséria e morte. Seca secada. Miséria e
morte!
Como era
inexperiente, Ribamar ficou fazendo trabalhinho de casa, comida, defumação do
látex. Arrumava o tapiri, o mesmo que era.
Ah, ah,
ah, quase em frente do tapiri no que trabalhava e vivia, os dias mortos, os
sonhos mortos, o sono o calor, o trecho do Igarapé do Inferno mais gargalo,
estreitinho, finório fundo corrido. Nunca ninguém viu passava pros outros
lados, sinistros, escuros, terríveis, e lá, porque bem ali e além era o
território sagrado, a região dos Numas, dos lendários seres, dos temidos, dos
desconhecidos, ainda que se bem que por mais que há muitos anos os Numas
andavam sumidos, desaparecidos, esquecidos, idos. Você vê? Você vê? Meu Deus!
Você entende? Conforme já vai entender. Sou um velho viciado, prodre e fodido,
fedendo a mijo e cagado, faltando à vida por um caminho curto curtinho, mas os
Numas... voltaram! Um dia voltaram! Piores putos. O rio Pique Yaco, o
Resvaladero, o Torro. Que sei eu!
Um dia,
três horas da tarde, Ribamar sentado num barranco, num toco, perto da parte
estreita não se disse depois da Curva do Anil – lugar bonzinho de faveiro, dava
sombra, escura e tranqüila –, aquilo era um banco de pesca, à sombra, à fresca,
na boa, e Ribamar, sim ele, cismando estava quando apareceram as duas meninas
nuas.
Índias!
Numas! Do outro lado do rio, ali, perto. Lá, lá entre as árvores, duas meninas
Numas, quer dizer: a menor menina, ali, na beira dagua, com uma cumbuca,
entrando na frescura das águas para banho silencioso e gozoso.
Ribamar
chocado! Hipnotizado! Apararição! Elas não ligaram para o jovem? – o vento
soprava na direção delas, elas tinham de saber! Ribamar se abaixando,
deitando-se no chão, já gozando, olhando aquilo, aquilo! E enquanto olhava foi
botando asneira pra fora, era um adolescente.
Eram
meninas Numas.
Porque a
aldeia próxima, daquela vez muito próxima, na vazante, e baixavam das montanhas
peruanas, por trás das passagens do ar, e vinham no piso do tapir, da anta,
sempre pelo mesmo caminhar. Oh as antas, abundantes, saborosas, por aquelas
brenhas, andando por lugares por onde só Numas sabiam, e aquelas belas indias
no fundo verde escuro verde cré verde-amazonas verde-nada.
E foi. Pois no depois elas se foram
embora, sumiram, desapareceram entre as folhas.
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