O IGARAPÉ DO INFERNO,
5
ROGEL SAMUEL
Depois da
visão das meninas numas Ribamar não conseguiu adormecer e nada disse para o tio
e para o irmão. Não. Mas voltou, no dia seguinte, apaixonado. Olha, rapaz ,
aquelas pequenas – paradas molhadas olhadas nem alegres nem tristes sem medo
sem roupas sem nada, olhavam e eram lindas! Ribamar amou aquilo mergulhou
naquilo mas não viu o formigueiro em que se metera e enlouquecido de dor e de
formigas de fogo mergulhou no igarapé.
Mas já
estava alegre, e criança, e acena para as índias que, imóveis, se diziam,
estátuas e Vênus, as duas.
Ribamar
ofereceu um sorriso aberto, sacana, mas elas nada não reagiam. Ele jogou água
nelas e cego de paixão lançou-se para atravessar o rio, foi sair bem mais
abaixo, metros abaixo, levado pela correnteza, vindo pela contra-correnteza da
margem vindo, aproximando-se, as duas nada não diziam, o sexo da menina maior luminoso
perturbava a escuridão dos olhos da emoção do dia, a vista, ele também estava
nu, e tudo aquilo era bonito aquilo, a índia estava ali, ele vindo meio bêbado,
não, não sei, basta um segundo, ele era excessivo, basta a mão tocar a mão... a
menina mais nova lhe dá uma dentada!
'Ah! ',
dentou, ah, bem fundo, o sangue espirra alto e vermelho da mão que o dente
morde, afiado, gritado. Mas a menina maior, cunhamuçu, mesmo assim se deixa
navegar beliscar gargalhando ih ih ih à moda que escarnecia num namoro
selvagem, querendo apalpá-la que ela zombava e brincava ih ih ih e muito se
divertia.
No
terceiro dia as índias não estavam ali.
Não e não,
e em nenhum lugar. Elas se transformaram naquela flexa especada,intimidando, um
aviso de morte com pena vermelha, que acenava e Ribamar, assustado, voltou ao
tapiri e masturbou-se.
No meio da
noite um trovão de fogo o acordou.
Acordado,
o alarido bem forte bastante, era o quê? O quê? O tiro no seu ouvido numa
centelha de vivacidade e perigo iminente que luz não mas sim o inferno vivo ali
presente, era fogo, fogo os Numas a calamidade em tudo, e irmão já morto uma
chuva de flexas invisíveis o tio Genaro atirando a esmo!
Não se viam
os Numas. Nada se via. A casa no incêndio os indios invisiveis e correndo pra
fora dali Ribamar fugiu mergulhou naquelas águas e desapareceu na noite
profunda e escura do Igarapé do Inferno se arrebatando se arrastando para longe
da desgraça no desastre do tapiri em chamas.
Os Numas
não o quiseram ferir, o Ribamar.
Os índios o
respeitaram e o Igarapé do Inferno o engoliu.
Não o
quiseram matar.
E ele
mergulhou levado levado quando de súbito os tiros pararam a fogueira
desaparecendo, a luz sobre as árvores se apagou, os gritos sumiram, o silêncio
engoliu por inteiro o Igarapé do Inferno, levando levando no muito escuro, no
rumo da correnteza, batendo em paus e margens, prosseguindo ainda em sonho o
pesadelo da noite breu, sem estrelas e lua tudo muito noite, nem sentia a
tragédia hipnotizado torporizado numa surdez e êxtase da vida e dos limites da
morte.
Quando
amanheceu estava no porto do Palácio Manixi.
Sombras,
segredo, lágrimas e harmonia.
Os poetas
tinham os poemas, e os homens? como é, porra? quê? que? sei lá! Tudo aquilo
aconteceu sim, no Seringal Manixi.
Ribamar foi
trabalhar ali, no Palácio, onde tudo era possível. Ficou uns tempos no
Caraocara. Mas tem mais, tem. Tem Ribamar nessa minha estória de nunca acabar,
que ainda nem começou, espere espere. As coisas se têm devagar.
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