sexta-feira, 11 de abril de 2014

NEUZA MACHADO: O FOGO DA LABAREDA DA SERPENTE

       

 


 
 
NEUZA MACHADO: O FOGO DA LABAREDA DA SERPENTE
 
SOBRE O AMANTE DAS AMAZONAS DE ROGEL SAMUEL
 
 
No segmento narrativo-ficcional do capítulo CINCO: FERREIRA, (não confundir com narrativa épica), a chamada narrativa de acontecimento (marca das narrativas do século XX), diferente das narrativas de personagem do romantismo e das narrativas de espaço do realismo-naturalismo, se faz visível. Para penetrar no Palácio de Pierre Bataillon, o narrador-personagem Ribamar de Sousa utiliza-se da técnica ficcional do acontecimento fantástico, uma vez que não há nada que explique como Ribamar se salvou, depois do incêndio da Floresta, onde pereceram seus “parentes”, o tio e o irmão. Pelo ponto de vista dos estudos semiológicos do texto ficcional (de segunda geração), tal impasse narrativo é denominado como narrativa de acontecimento, modalidade fantástica, justamente porque não há as tais explicações lineares, e o personagem se recupera no plano das probabilidades existenciais sem se lembrar dos detalhes do acontecimento insólito. Entretanto, ainda de acordo com a semiologia de segunda geração (Greimás, Roland Barthes, Anazildo Vasconcelos), o personagem se restaura de uma forma diferente da anterior, ou seja, o Ribamar não mostrará mais a face do retirante nordestino, assumindo, por outro lado, as feições do político manauara. Recuperando aqui as diretivas foucaultianas: se antes faltou ao estudioso francês o “regime discursivo”, dos efeitos do poder próprios do jogo enunciativo, para teorizar sobre as palavras e as coisas, em seu livro do mesmo nome, preso que estava, à época, às normas do poder estruturalista, atualmente já há como desenvolver um pensamento interpretativo, mesmo que este se volatilize a partir do próprio estruturalismo. Para repensar este capítulo do romance, não há como sistematizá-lo em um só paradigma teórico. A própria escrita telegráfica do primeiro parágrafo assim o impõe. São períodos curtos, são flashes instantâneos, como bem explica o narrador Ribamar de Sousa: “Flashes fracos, aparecem e desaparecem. A imagem de meu irmão morto se projeta e se apaga em minha mente. Mas não dói. É imagem vaga, frouxa” . Nestes aparentes flashes fracos (flashes fortes), o narrador-personagem sintetiza uma cena cinematográfica que poderia preencher páginas e páginas de escrita paraliterária. No entanto, com poucas e criativas palavras, o narrador ficcional pós-moderno/pós-modernista de Segunda Geração conduz os leitores a uma cena ímpar: o aparecimento de Ribamar, depois da interseção ígnea, no cais fluvial de Pierre Bataillon, trazido pelas águas, como Moisés do Egito.
Ainda, repensando a questão pelo prisma foucaultiano, “a problemática da população” e “a arte de governar”, naquelas paragens amazonenses próximas às fronteiras da Bolívia e Peru, nos séculos XVIII e XIX, não se originaram do governo familiar de modelo colonial português, ao contrário, o modelo familiar amazonense, principalmente o da capital do Estado, até aos dias de hoje, reflete o modelo familiar francês e uma certa influência alemã, herdada naturalmente do convívio da população citadina e ribeirinha com os padres alemães e prussianos, das congregações católicas que por ali se aclimataram. Influências marcantes, também, poderão ser diagnosticadas, levando-se em consideração as grandes expedições de estudiosos franceses e germânicos da fauna e flora da região amazonense e adjacências, e do domínio centralizador e familiar de muitos desses estrangeiros que se colocavam como donos (e se colocam ainda) de extensões e extensões da Grande Floresta, desmatando-a implacavelmente, além de subjugar a população nativa e os retirantes nordestinos, que para ali se deslocaram, nas épocas das grandes secas, em busca de melhores meios de vida. O próprio romance rogeliano oferece-me pistas reveladoras.
No decorrer do século XX, o capitalismo primitivo, originário da Revolução Industrial do século XVIII, conhecido por “capitalismo selvagem” (dezesseis horas de trabalho por dia, ou mais), foi se modificando gradativamente, e, já nos anos finais do referido século passado, conheceu uma nova forma de ser entendido em termos mundiais. Antes, no Brasil especialmente, era a escravidão explícita ou camuflada do trabalhador assalariado: horas de trabalho além do normal e dívida permanente para com o empregador, uma vez que o “patrão” era também o dono dos postos de venda de mercadorias necessárias à sobrevivência de seus empregados (carne-seca, farinha de mandioca, açúcar, sal, etc.).
 

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