BILAC
ROGEL SAMUEL
No primeiro verso do soneto
"Aos sinos" diz Bilac: "Plangei, sinos! A terra ao nosso amor
não basta..." Lembro-me de ter lido em Hannah Arendt que, em 1957, foi
lançado o primeiro satélite, foi saudado com alegria, diz ela, como"o primeiro
passo para libertar o homem de sua prisão na terra". Por que não gostamos
da Terra? Por que a destruímos? "A Terra, diz, é a própria quintessência
da condição humana" [A condição humana].
Cansados de ânsias vis e de
ambições ferozes,
Ardemos numa louca aspiração mais
vasta,
Para trasmigrações, para metempsicoses!
Entro em casa. Ouço
a fita de Christopher Schindler. É a gravação do concerto de 15 de junho de 2000,
Portland, a que assisti. Bilac atual, poderoso.
Cantai, sinos! Daqui, por onde o horror se arrasta,
Campas de rebeliões, bronzes de
apoteoses,
Badalai, bimbalhai, tocai à esfera
vasta!
Levai os nossos ais rolando em vossas
vozes!
Releio
sempre Bilac. Os modernistas o odiavam. Tem momentos supremos.
"Politicamente, diz Arendt, o mundo moderno em que vivemos surgiu com as
primeiras explosões atômicas". Chris toca o "Tango", de Castro,
um argentino. Depois arremete a "Sonata Dante", de Liszt, que busco
no soneto "Dante no Paraíso":
Enfim, transpondo o Inferno
e o Purgatório, Dante
Chegara à extrema luz, pela mão
de Beatriz:
Triste no sumo bem, triste no
excelso instante,
O poeta compreendera o mal de
ser feliz.
As
notícias do mundo vêm devagar, entram pela TV, de muito longe, como se de outro
universo, lugar muito distante, cheio de guerras, miséria. Qual o "mal de
ser feliz"? Elas penetram a sala de trabalho como penetra o fio de fumaça
de um incenso. A terra ao nosso amor não basta... Fio de fumo da
"fragilidade dos negócios humanos". A
Sonata de Liszt conta, como Carpeaux:
"Meu Dante" - "Dante pode ter sido, diz ele, em vida, um homem
intratável, irrascível e orgulhoso, convencido do seu direito de ser lembrado e
venerado por todos os séculos. Mas essa pretensão enorme se reduz, afinal, à exigência de ser lido." Otto Maria
Carpeaux foi nosso paraninfo, na Faculdade (a FNFi). Como era gago, seu
discurso foi lido por um colega nosso. Atravessei a vida daquele tempo lendo
seus artigos diários, no "Correio da Manhã". De tanto lê-lo, apreendi
a técnica: Geralmente com quatro
parágrafos. O primeiro era uma espécie de introdução. O segundo, uma tese, uma
proposta, uma opinião. O Terceiro o inverso, o contrário. O quarto e último
parágrafo, que era a conclusão, significava a superação da contradição. Assim,
o ensaio, geralmente pequeno, era a dialética de um tema. “Todos os anos
costumo reler a Divina Comédia inteira”, diz ele. Lembro-me bem, dele. Como me
recordo da Universidade do Brasil. E do Reitor Pedro Calmon.
Um dia, estudando na Biblioteca, senti
que alguém estava atrás de mim. Era Pedro Calmon. Interessado no que eu estava
lendo. Conversamos, ou melhor, ele falou. Calmon era homem extraordinário. Como
eu tinha uns 19 anos e cara de menino, perguntou de onde eu era, como morava e
vivia. Indagou se a comida do bandejão era boa (dizem que às vezes comia lá,
nunca vi). Disse-me que se eu precisasse de qualquer coisa teria nele um pai.
Deu-me seu cartão. Era homem imprevisível. (A terra ao nosso amor não basta...) Certa vez, vindo pela
Cinelândia de carro, viu um policial espancando um "pivete".
"Pare o carro!" e partiu contra o guarda, aos gritos: "Pare com
isso! Pare com isso! Ele é apenas uma criança!"
Vi-o numa das primeiras passeatas de estudantes. Ele
apareceu sob estrondosa vaia. Queria fazer parar a massa, que rumava pela Rio
Branco. Chorava. Tentava falar. "Não façam isso!" vociferava.
"Não provoquem a reação! Vocês vão radicalizar!" Tinha razão, se viu
depois. ("Campas de rebeliões, bronzes de apoteoses"). Anos depois
fui seu vizinho, na Rua Santa Clara, Copacabana. Ele morava numa grande casa
estilo (creio) normando. A esquerda sempre o desprezou, porque os presidentes
da ditadura freqüentavam aquela casa. Quando ele morreu, os jornais não deram
uma linha, exceto o que saiu no obituário. Mas ele vinha de longe, como se diz.
Foi Ministro da Educação (1950-51). Sua "História do Brasil" em 7
volumes era citada por gente como Roberto Simonsen, que diz na "História
Econômica do Brasil" se baseou em
Euclides, Afrânio Peixoto, Gilberto Freire e Pedro Calmon para "fixar o
valor do nosso homem, como fator de produção". Força de trabalho morena. Calmon
foi um dos poucos convidados à cerimônia da coroação, na Inglaterra.
Quando a rainha esteve aqui, meu amigo Don Kulatunga
Jayanetti, monge budista do Sri Lanka, foi convidado por um embaixador
asiático. Havia uma fila, para cumprimentá-la. Don parou a fila, Sua Majestade
conversou com ele, revelou conhecimento
e interesse budista. O Príncipe, seu esposo, continuou o diálogo, lhe disse ter
feito um retiro de meditação Vipássana, no Ceylão. Mas...
Ma
la notte risurge e oramai
é
da partir, ché tutto avem veduto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário